"Reino Maravilhoso" de Luís Quinta e Ricardo Guerreiro


"Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno."
- Miguel Torga

Review: ⚡ Yawning Man - ‘Historical Graffiti’ (2016) ⚡

‘Historical Graffiti’ é o quarto e novo álbum dos históricos Yawning Man. Gravado em 2015 durante a tour do power-trio californiano pela América do Sul – no carismático ION Studios sediado na capital argentina de Buenos Aires – e lançado pela Lay Bare Recordings no passado dia 18 de Agosto em formato de vinil, este álbum traz-nos a característica e revitalizante brisa do deserto de Mojave perfumada pela rústica e elegante musicalidade argentina. Imaginem o surpreendente cruzamento musical entre o sedutor Tango de Astor Piazzolla e o contemplativo Desert Rock de Yawning Man. Conseguiram? Se sim, chegaram à embriagante e envolvente natureza de ‘Historical Graffiti’. Este álbum imensamente fascinante projecta em nós etéreas visões de um deserto bronzeado pelo vibrante bafo solar, onde imponentes e vigilantes saguaros se espreguiçam em direcção aos céus, frondosas árvores de Josué (Yucca Brevifolia) se envaidecem acima das quentes e douradas areias, rochas morenas em forma circular se encavalitam umas sobre as outras, e todo um firmamento desértico se desdobra pela infinidade adentro. A veraneia, poeirenta e voluptuosa sonoridade de Yawning Man abastece toda esta fantasiosa narrativa visual, provocando em nós um imperturbável estado de puro êxtase que nos acaricia e embebeda ao longo de todo o álbum. É verdadeiramente prazeroso ancorarmos toda a nossa atenção no cálido e atmosférico Desert Rock – com indiscretos chamamentos ao exótico e refrescante Surf Rock resgatado dos nostálgicos anos 60 – de Yawning Man e deixar que a sua alma conduza a nossa pelo tão almejado paraíso das sensações. Este radioso e deslumbrante sonho é nutrido pela deliciosa consonância entre uma guitarra endeusada de agradáveis, uivantes, aveludados e delirantes acordes, um baixo murmurante de danças hipnóticas, robustas e pulsantes, uma bateria tribalista de acrobáticos e emocionantes galopes, e ainda os inesperados contributos de um acordeão de graciosos e estimulantes bailados, um sedoso e atraente violino de relaxantes investidas, e um mellotron de comoventes bailados. ‘Historical Graffiti’ é uma comovente hipnose que nos embalsama do primeiro ao derradeiro tema. Um álbum incrivelmente sublime que aumentara substancialmente a minha salivação pelo concerto de Yawning Man no festival Reverence Valada agendado para o próximo dia 9 de Setembro, e que certamente marcará presença entre os melhores discos nascidos em 2016.

Review: ⚡ Zed - ‘Trouble In Eden’ (2016) ⚡

Da cidade californiana de San José chega-nos o terceiro e novo álbum de Zed. Lançado oficialmente ontem – dia 26 de Agosto – pelo carismático selo americano Ripple Music nos formatos de CD e Vinil, ‘Trouble In Eden’ vem dotado de um poderoso, entusiástico e ritmado Heavy Rock que nos assalta, conquista e euforiza com tremenda facilidade. Este quarteto transpira adrenalina em estado musical. A sua sonoridade imensamente galopante, robusta e torneada obriga-nos a vivenciá-la numa extravagante e redentora dança de rédeas firmemente empunhadas. Obedeçam aos portentosos, elegantes e inflamantes bailados de duas guitarras que nos serpenteiam e seduzem com os seus monolíticos, desinquietos e reverberantes riffs, e vertiginosos, gritantes e fecundantes solos que nos golpeiam e excitam. Sacudam-se violentamente ao som ondeante de um baixo autoritário, vigoroso e vibrante que nos sombreia e hipnotiza. Soltem a cabeça em movimentos oscilatórios na instintiva resposta a uma bateria dominada com emocionante e dinâmica orientação rítmica, e enfrentem como puderem os veementes, enérgicos e cavernosos vocais que se passeiam de forma soberana e atraente pela explosiva e radiosa atmosfera de ‘Trouble In Eden’. Este é um álbum que nos deixa embriagados de uma indomável, desmesurada e agitada exaltação. Um perfeito turbilhão que se agiganta em nós e nos abana convulsivamente tão para lá das barreiras corporais. Sintam-se transcender ao intenso e encorpado som de Zed numa extraordinária detonação de prazer que vos deixará na boca um mélico sabor a whiskey. 2016 fica um ano musicalmente mais nutrido e fibrado com este belo e aclamado contributo do quarteto norte-americano.

Review: ⚡ Shades - ‘Splitting the Light’ (2016) ⚡

Desde que me conheço que sinto uma intratável afeição por sonoridades melancólicas. E isso explica o fascínio que sentira por Shades logo na primeira audição que lhe dedicara. Este dueto natural da cidade portuguesa de Tomar traz-nos o lado soturno, contemplativo e outonal da música Folk. ‘Splitting the Light’ é o seu álbum de estreia – lançado em solo primaveril – que encerra uma verdadeira ode à soturnidade. Emocionantemente dedilhada por duas lamuriosas guitarras acústicas que se entrelaçam e desatam em obscuros, plangentes e hipnóticos acordes, a sonoridade bucólica de Shades tem o dom de nos respirar, inebriar, tombar o rosto de encontro ao peito, cerrar as pálpebras e enlutar a alma. A sua essência pesarosa convida-nos a vivenciar um poderoso e perdurável estado de inércia que nos adorna e embacia a lucidez do primeiro ao último tema. É demasiado fácil recostarmo-nos confortavelmente na penumbra à boleia da triste narrativa de ‘Splitting the Light’, e deixar que esta nos conduza pelas suas distensíveis paisagens cataclísmicas, solitárias e desoladoras. Entreguem-se detidamente à bela solitude de Shades e comunguem a doce paralisia que vos amenizará e anestesiará do primeiro ao último acorde. Um dos álbuns portugueses mais envolventes do ano está aqui, na entristecida e acinzentada natureza de ‘Splitting the Light’.