Review: ⚡ Kvasir - '4' (2021) ⚡

★★★★

Oriundo de Portland (a maior cidade do estado do Oregon, nos EUA), o novo quarteto Kvasir acaba de lançar o seu pujante álbum de estreia ‘4’ pela mão do selo discográfico californiano Glory Or Death Records em formato físico de vinil. De espadas desembainhadas e apontadas a um musculoso, lubrificado, desembaraçado e sinuoso Hard Rock de tração setentista que se enrodilha num combativo, flamejante, vibrante e altivo Heavy Metal de cariz tradicionalista, estes quatro cavaleiros de rédeas firmemente empunhadas e esporas ensanguentadas galopam a trote de uma sonoridade titânica, flexível, melodiosa e dinâmica que não deixará nenhum dos ouvintes recostado à indiferença. Oxigenado por uma atmosfera carregada, lavrado por uma ocultista diabrura e incendiado por uma chamejante negrura, ‘4’ é um álbum de contornos mastodônticos que comunga as águas onde foram batizadas bandas como Black Sabbath, Thin Lizzy, The Sword, Danava e Kadavar. De maxilares cerrados, olhar flamejado, cabeça rodopiante e punhos ao alto, somos varridos, revolvidos e enfeitiçados pelas luciféricas danças de duas guitarras siamesas que se agigantam em arrogantes, predatórios, espadaúdos e triunfantes Riffs de onde esvoaçam solos grandiosos, escorregadios, fugidios e virtuosos, pelo tenso bafejo nasalado por um monolítico baixo de linhas rochosas, obesas, coesas e poderosas, pela infernal explosividade detonada por uma fulminante bateria escoiçada a alta rotação, e ainda pela intrigante e refrescante acidez de uma voz cadavérica, avinagrada, gélida e profética que lidera com expressivo carisma toda esta exterminadora cavalaria pesada. São 45 minutos fervidos em intensa combustão que nos deixa num firme estádio de estonteante empolgamento e efervescente comoção. Deixem-se atropelar e rebelar pela ciclónica dosagem de endorfinas transudadas pelos Kvasir, e sintam todos os vossos sentidos girar e borbulhar numa enlouquecedora e prazerosa centrifugação. ‘4’ é um registo imensamente provocante, jupiteriano e viciante que se junta à ilustre turma das melhores estreias de 2021. Inflamem-se e empoderem-se nele.

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Review: ⚡ Vulebard - 'La Tinta de los Males' (2021) ⚡

★★★★

Da cidade de Quilmes – localizada na província da capital Buenos ires – chega-nos o impossível álbum de estreia do talentoso quinteto argentino Vulebard. Denominado ‘La Tinta de los Males’ e oficialmente lançado no início do presente ano sob a exclusiva forma digital, esta imponente, ostentosa e eloquente obra-prima musical combina um dramático, erudito e enfático Prog Rock de estilo clássico com um charmoso, lascivo e fogoso Blues Rock de gravata apertada, e ainda um cerebral, inventivo e experimental Jazz Rock em entusiástica combustão. Governado por ousadas, ricas e aprumadas composições que se principiam com perfumados, cinematográficos e arejados prelúdios de clima fabular, crescem numa labiríntica, afrodisíaca e fascinante teia sonora que depressa captura e mumifica toda a nossa atenção, e culminam numa orgiástica, enlouquecedora e selvática explosão de instrumentos em aparatosa colisão, ‘La Tinta de los Males’ é um álbum verdadeiramente divinal que me maravilhara do primeiro ao derradeiro tema. São 48 minutos lavrados a desarmante maestria e oxigenados a uma irresistível atmosfera cabaresca que nos meneia a cabeça, descortina o sorriso, e instala no nosso olhar uma inapagável expressão sonhadora. Alternando entre amorosas, bonanceiras e cheirosas baladas que se espraiam relaxadamente, e portentosas, pitorescas e gloriosas galopadas de esporas ensanguentadas, este primeiro trabalho de longa duração de Vulebard tem o raro dom de nos enfeitiçar, embevecer e atiçar num ciclónico crescendo de emoções transbordadas. Na génese de toda esta orquestra superiormente norteada estão duas distintas guitarras de formosos, imperiosos e flamejantes Riffs de onde esvoaçam uivantes, vivazes e ziguezagueantes solos, um magnético baixo de bafejos cálidos, inchados e ondeantes, uma radiosa voz de pele simpática, melódica e jovial, um místico sintetizador de mugidos cósmicos, empoderados e claustrofóbicos, um piano, Rhodes e Hammond de bailados harmoniosos, faustosos e carismáticos, um educado saxofone noir de sopros aveludados, melancólicos e gritados, e uma bateria soberbamente circense – de percussão acrobática, imaginativa e jazzística – que reclama para si mesma todo o protagonismo no momento em que se aventura na laboriosa concepção de um espalhafatoso, prodigioso e triunfante solo. ‘La Tinta de los Males’ é um incrível registo de contornos épicos que me deixara boquiaberto e de ouvidos salivantes ao longo de todo o seu corpo temporal. Um álbum de simetria escultural, de destreza irretocável e beleza inolvidável, que conquistara a tão invejada perfeição. Um dos trabalhos mais impactantes e caprichosos de 2021 está aqui, na virtuosa sagacidade destes argentinos. Comunguem-no sem moderação e com vibrante devoção.

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Review: ⚡ Possum - 'Lunar Gardens' (2021) ⚡

★★★★

Da cidade de Toronto (capital da província de Ontário) chega-nos o segundo e novíssimo álbum do engenhoso colectivo canadense Possum. Intitulado de ‘Lunar Gardens’ e exteriorizado numa irresistível edição em formato físico de vinil pela mão da modesta discográfica local Idée Fixe Records, este delicioso registo de Possum respira e transpira toda uma aliciante profusão de desiguais géneros musicais. Neste labiríntico, colorido e camaleónico novelo musical que se vai desfiando de forma fluída e inventiva, é-nos possível identificar e degustar um tribal, caleidoscópico, exótico e tropical Psychedelic Rock de acidez sessentista, um ritmado, espirituoso, aventuroso e aprumado Jazz-Rock de solavancos Funky, um magnetizante, edénico, estético e contagiante Krautrock tricotado a texturas Drone’scas, e ainda um tranquilizante, cósmico, melódico e edificante Progressive Rock de roupagem vintage. Toda uma vistosa e apetitosa iguaria gourmet que combina o frutado tropicalismo do virtuoso Herbie Hancock (na sua fase ‘Head Hunters’), com a aristocrática fineza dos carismáticos The Doors, a espalhafatosa alquimia dos britânicos Soft Machine, a sublimidade fabular dos clássicos Camel, e ainda a epidémica ritmicidade dos contemporâneos australianos King Gizzard & the Lizard Wizard. De pálpebras seladas, lábios salivados e narinas dilatadas deixem-se absorver, descontrair e embevecer nesta embriagante monção de aromas em alucinante dispersão. ‘Lunar Gardens’ é um registo que nos galanteia, prazenteia e surpreende a cada tema que se descortina. Na corrente sanguínea deste melífluo cocktail de clima veraneio surfam duas guitarras sumarentas que se cruzam na canalização de Riffs dançantes, xamânicos, ritualísticos e deslumbrantes, e descruzam na sinuosa condução de solos intoxicantes, elásticos, ácidos e ziguezagueantes, palpita um baixo groovy de linhas flutuantes, encaracoladas, amaciadas e hipnotizantes, bombeia uma bateria jazzística de toque inventivo, lépido, polido e expressivo, vagueia um teclado aquoso de teclas saltitantes e melodias refrescantes, e capitaneia uma voz seráfica de tez lustrosa, jovial, fidalgal e sumptuosa. ‘Lunar Gardens’ é uma carnavalesca efervescência de colorações inchadas e fragrâncias borbulhadas. Um álbum de contornos paradisíacos que nos inunda de brilho festivo e sufoca com a sua cremosa doçura. Permitam-se enfeitiçar pelo tribalismo cerimonial de Possum, e percam-se por entre os seus frondosos, alvacentos e airosos jardins lunares. Um dos meus álbuns predilectos de 2021 está aqui, no excêntrico samba de ‘Lunar Gardens’. Ofusquem-se nele.

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