terça-feira, 30 de maio de 2023

Review: ⚔️ Kristonfest 2023 ⚔️

Depois de em 2018 ter visitado pela 1ª vez o festival madrileno Kristonfest (crónica aqui) – onde subiram a palco os britânicos Conan, os norte-americanos Elder, High On Fire e Monster Magnet, e ainda os nipónicos Church Of Misery – 2023 foi o ano do meu regresso. Para comemorar a décima edição do festival, a organização do evento preparou uma chamativa ementa sonora a ser servida na Sala La Paqui, onde figuraram os espanhóis Rosy Finch, os franceses Mars Red Sky, os norte-americanos The Obsessed e ainda os suecos Graveyard.


A rudeza cáustica de Rosy Finch

Com a responsabilidade de substituir os Inter Arma (que haviam cancelado a sua aparição no festival) a banda caseira – natural da cidade sulista de Alicante – Rosy Finch subiu a palco de olhos postos numa plateia ainda pouco compacta mas que foi aumentando progressivamente de dimensão logo assim que os amplificadores foram ligados e os primeiros acordes ecoados pelo interior do edifício. Este tridente ofensivo que detona um fervilhante, agressivo, bombástico e pujante Sludge Metal – distorcido por um caótico, estrondoso e belicoso Noise e enrijecido por um fogoso, gorduroso e fibrótico Grunge Rock – arrancou numa turbulenta cavalgada, esporeada a alucinante velocidade, mas que foi parcialmente prejudicada pela imperfeita qualidade técnica do som que esteve demasiado estridente e cru. Ainda assim, isso não impediu a crescente audiência de sacudir as cabeças em resposta a uma vulcânica guitarra de riffs escaldantes, inflamados e crepitantes, um baixo possante de linhas coesas, tensas e densas, uma espalhafatosa bateria pontapeada a um ritmo frenético e enérgico, e aos raivosos vocais vociferados a infernal corrosão.


A narcotizante aterragem em Mars Red Sky

Seguia-se o conhecido power-trio francês Mars Red Sky e os já muitos corpos ali presentes na plateia reaproximavam-se do palco. E foi já com a Sala La Paqui muito próxima da lotação máxima que todos embarcámos numa narcótica odisseia até à empoeirada atmosfera do planeta vermelho, tendo como principal combustível um letárgico, pesado, ácido e hipnótico Heavy Psych com momentâneas passagens por um pantanoso, morfínico, tóxico e umbroso Psychedelic Doom. Amortalhados numa atmosfera entorpecida e fumacenta, baloiçámos pesadamente os nossos corpos embriagados à absorvente boleia de uma guitarra lisérgica que se avolumava em montanhosos, pausados e efervescentes riffs e viajava em solos siderais, leves e espectrais, um baixo rosnante de bafagem carregada, polposa e musculada, uma bateria intensa de batida seca, forte e explosiva, e uma voz aguda, frágil e penetrante de timbre ecoante. Saltitando pela sua discografia, a banda sediada na cidade francesa de Bordéus teve no seu hino “Strong Reflection” o previsível clímax da sua imersiva actuação, e foi debaixo de uma ruidosa ovação que os Mars Red Sky se despediram de Madrid.


Um Bulldozer chamado The Obsessed

Foi de punhos e garrafas de cerveja ao alto, e barulhentos clamores condimentados a imoderado entusiasmo que brindámos a chegada da histórica banda de Doom Metal (um dos bastiões do género), recém-remodelada para quarteto, e liderada pelo lendário e carismático Wino com o seu longo cabelo grisalho, velho colete desabotoado e olhar intimidante. Deles esperava muito e tudo eles me deram. Aos primeiros acordes do tema inaugural ficou logo a pairar a forte convicção generalizada de que The Obsessed ao vivo iria ser uma experiência verdadeiramente demolidora. Munidos de um combativo, serpenteante, enleante e altivo Doom Metal de raiz tradicional, estes ameaçadores motards de instrumentos empunhados arrancaram para uma performance intensamente selvática que não deixara ninguém indiferente. Fiéis discípulos dos seus gloriosos, epidémicos, despóticos e poderosos Riffs, soltámos as cabeças em enlouquecedores rodopios e desancorámos os nossos corpos da lisergia em nós deixada pela banda anterior. Estávamos todos derrotados perante a força bruta impiedosamente exercida pelo quarteto natural de Maryland. The Obsessed foi uma trevosa e mastodôntica avalanche que nos atropelara e soterrara sem qualquer misericórdia. Num equilíbrio perfeito entre temas clássicos dos 90’s como por exemplo “Streetside”, “Tombstone Highway” e “Brother Blue Steel”, e outros de roupagem contemporânea como “Sodden Jackal”, “Punk Crusher” e “Sacred” (retirados do seu último álbum de estúdio), a banda norte-americana foi um autêntico rolo compressor que tudo assolara e conquistara à sua volta. Na composição desta enfeitiçante negrura estiveram duas guitarras assassinas que se agigantavam na ascensão de riffs flexuosos, carnudos, sisudos e imperiosos, e esvoaçavam na condução de solos ziguezagueantes, fugidios, escorregadios e estonteantes, um robusto baixo de monolítica, sombreada, rija e granítica reverberação, uma incisiva bateria metralhada e bombardeada a velocidades contrastadas, e uma voz liderante de pele sóbria e entoação intrigante. Foi um concerto de dimensão titânica e validade vitalícia com um final verdadeiramente apoteótico, onde “Lost Sun Dance” (tema originário do portentoso álbum de estreia de Spirit Caravan, um outro velho projecto de Wino) levou toda a plateia a morder os lábios.


A ofuscante sedução de Graveyard

Os escandinavos Graveyard nem precisaram de começar a tocar para que a esgotada Sala La Paqui eclodisse num saturado e incontrolado êxtase que nos sobreaqueceu o espírito com o acumular dos temas que iam reproduzindo de forma irrepreensivelmente erótica acima de palco. A populosa plateia estava ao rubro. Os corpos embatiam entre si, os olhares cruzavam-se e os sorrisos encontravam-se. Enternecidos e maravilhados com as mélicas baladas, atiçados e euforizados com as ardentes galopadas, testemunhámos, inteiramente fascinados e de ouvidos salivantes, o concerto de uma vida. Atrelados a um libidinoso, quente, picante e lustroso Hard Rock de tonalidade clássica onde se envaidece um charmoso, elegante, apaixonante e majestoso Blues Rock de ares aristocráticos, os imensamente talentosos Graveyard percorreram os seus últimos quatro álbuns (com principal enfoque no ‘Hisingen Blues’ de 2011 e no ‘Peace’ de 2018), deixando esquecido – com muita pena minha, já que se trata do meu registo favorito da banda – o seu impecável álbum de estreia. Temas como “Hisingen Blues”, “No Good, Mr. Holden”, “Cold Love”, “Uncomfortably Numb”, “Buying Truth (Tack & Förlåt)”, “Please Don't”, “It Ain't Over Yet “, “Slow Motion Countdown” e o triunfal “Ain't Fit to Live Here” a finalizar o encore, causaram toda uma pirotécnica e efervescente combustão de puro prazer num público completamente inebriado, deslumbrado e conquistado que entoava a plenos pulmões as letras de todos os temas dos suecos. Todos nós dançávamos ao provocante som de duas guitarras afrodisíacas que se entrelaçavam em acordes meticulosos, romanescos e pomposos, e se desencontravam com a explosão de trepidantes, giratórios e delirantes solos, um baixo dançante de pulsação estética, magnética e ondeante, uma bateria acrobática e expressiva de tambores galopantes e pratos flamejantes, e ainda dos vocais fragosos, roucos e melodiosos de queimantes rugidos felinos que iam repartindo o protagonismo por detrás do microfone com a voz límpida, sedosa e adocicada do baixista. Graveyard brindaram todos os presentes com uma entrega total. Uma performance verdadeiramente preciosa e estratosférica, que resvalou as costuras da perfeição, e que decerto nenhum dos presentes jamais irá esquecer.


Esta décima edição do Kristonfest foi memorável. Dela trouxe dois concertos de uma vida e o forte desejo de regressar a este festival madrileno no próximo ano. Obrigado ao Gorka pelo convite. Foi um prazer estar associado a este evento na condição de parceiro media.

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segunda-feira, 22 de maio de 2023

Dr Tree - "Transition" (1976)

Review: 🌠 Lucid Void - 'Lucid Void' (2023) 🌠

★★★★

Na primavera de 2020 escrevia aqui apaixonadas palavras sobre o irretocável EP de estreia dos germânicos Lucid Void, premiando-o posteriormente com o título de melhor registo de curta duração desse mesmo ano (listagem aqui), e hoje regresso à etérea órbita deste talentoso quarteto à fascinante boleia do seu muitíssimo aguardado álbum de estreia. De designação homónima e lançado através dos formatos LP, CD e digital com o carimbo editorial da jovem alemã Sound of Liberation Records, esta sublime obra não só não defraudara as minhas mastodônticas expectativas a ele dedicadas, como as superara de uma forma avassaladora. Combinando um florido, odoroso, radioso e sublimado Psychedelic Rock sintonizado na mesma frequência de bandas como Causa Sui, Papir e Kanaan, e um serpenteante, esponjoso, oleoso e magnetizante Krautrock pulsado ao absorvente e propulsivo ritmo dos seus históricos compatriotas NEU!, Can e Agitation Free, este primeiro álbum da formação localizada na cidade de Darmstadt causara e perpetuara em mim todo um inabalável estádio de resplandecente deslumbramento que me cegara e deliciara do primeiro ao derradeiro tema. De fascinação atrelada à sorridente, enternecedora, emancipadora e iridescente sonoridade instrumental de ‘Lucid Void’, somos passeados por verdejantes planícies, oxigenadas pela fresca brisa que vagueia livremente e banhadas pelo reluzente Sol crepuscular de bafo morno. Uma imersão cósmica de mentes viajantes e corpos bailantes, driblando os abraços gravitacionais dos solitários astros que se vão desenterrando e revelando no desdobrável firmamento do negro solo sideral. Deixem-se guiar, bronzear e embalar nesta ataráxica vertigem de clima tropical onde se envaidece uma exótica guitarra de imersivos, deleitosos, contemplativos e formosos acordes e solos estonteantes, encaracolados, vítreos e inebriantes, bamboleia um baixo murmurante de linhas quentes, polposas, fibrosas e pululantes, se empoeira numa infindável multiplicidade de cor um quimérico, mavioso e estético teclado de obcecantes bailados e onde mil coros celestiais dão à costa, e galopa a hipnótico ritmo Motorik uma bateria de brilhante polimento jazzístico que tiquetaqueia com cativante, acrobático e desarmante requinte toda esta edénica passeata farolizada à amarelecida luz das estrelas. Este é um álbum paradisíaco. Um registo ventilado a meditativa ataraxia que nos aureola com um vistoso arco-íris de caleidoscópicas visões e vibrantes sensações. ‘Lucid Void’ é o disco perfeito para emoldurar e eternizar o místico pôr-do-Sol. Deixem-se embevecer e anoitecer neste endeusado sonho acordado, e vivenciem – de corpo repousado, sentidos entorpecidos e espírito relaxado – todo o reparador, mágico e seráfico esplendor de uma autêntica obra lapidar que toca as fronteiras da perfeição.

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Sound of Liberation Records

quinta-feira, 18 de maio de 2023

🎁 Rick Wakeman // YES (18/05/1949)

✝️ Chris Cornell // Soundgarden (20/07/1964 🎗 18/05/2017)

🐍 Hypnos 69 - "Requiem For a Dying Creed" (2010)

Review: 👁️ Dommengang - 'Wished Eye' (2023) 👁️

★★★★

Depois de lançados ‘Everybody's Boogie’, ‘Love Jail’ (review aqui) e ‘No Keys’ (review aqui), o apaixonante tridente Dommengang está de regresso com o seu quarto trabalho de longa duração, intitulado ‘Wished Eye’ e editado pela mão da insuspeita Thrill Jockey (com a qual esta banda sediada na cidade norte-americana de Portland tem uma forte ligação umbilical) através dos formatos LP, CD e digital. Oxigenado por um açucarado, caleidoscópico, onírico e ensolarado Psychedelic Rock de agradável clima west-coast, brilho diamantino e fragância oceânica, ‘Wished Eye’ é uma experiência verdadeiramente purificante, refrescante e redentora que nos desancora a gravidade consciencial e transcende aos nirvânicos céus da espiritualidade. Uma atmosfera reflexiva, atordoada, embaciada e imersiva que – de forma fluída e sublimada – oscila entre religiosas, etéreas e esponjosas passagens ventiladas a soporífica letargia, e efervescentes, sísmicas e fogosas erupções inflamadas a vibrante euforia. Um ofuscante misticismo que nos afaga os sentidos, massaja o cérebro e cega de inefável ataraxia. Flutuem livre e relaxadamente pela aveludada, acolchoada e embriagante ondulação de ‘Wished Eye’ e deixem-se diluir, seduzir e maravilhar nas profundezas deste ácido oceano de lisérgico, profético e colorido psicadelismo. Pendulando entre a morosidade e a celeridade, o peso e a leveza, a lucidez e a embriaguez, a fantasia e a realidade, somos laçados e namorados pelos enfeitiçantes serpenteios de uma intoxicante guitarra – tanto chamejada e distorcida pelo urticante efeito Fuzz, como ensaboada e expurgada por uma brancura leitosa – que se incendeia em caravânicos, cremosos, nebulosos e afrodisíacos riffs e rodopia numa perpétua espiral de mil solos escorregadios, desarrumados, delirados e fugidios, pelos hipnóticos meneios de um baixo fibroso que palpita dentro de artérias carnudas, inchadas, frisadas e flexuosas, pelas vistosas acrobacias de uma buliçosa bateria levemente tiquetaqueada a ritmos propulsivos, animados, desafogados e expressivos, e ainda pela mélica formosura transpirada pelos vocais translúcidos, espectrais, messiânicos e celestiais que ressoam por toda a infinidade do álbum. Regresso desta seráfica obra de Dommengang de alma revitalizada e sentidos aturdidos. ‘Wished Eye’ é um registo imensamente paradisíaco e transcendental, de beleza miraculosa, que nos faz adormecer num imperturbável estádio de intenso prazer. Um autêntico oásis de visões prismáticas e sensações entusiásticas onde nos reconfortamos, banhamos e bronzeamos do primeiro ao derradeiro tema. Uma mágica utopia. Icem as velas e velejem-no de olhar faiscante, sorriso estampado no rosto e coração a transbordar alegria.

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quinta-feira, 11 de maio de 2023

🍄 Alice in Fenderland!

🕎 Alia O'Brien // Blood Ceremony

Review: 🩸 Blood Ceremony - 'The Old Ways Remain' (2023) 🩸

★★★★

Acordados de uma longa hibernação discográfica, os canadianos Blood Ceremony estão finalmente de regresso com o lançamento do epopeico ‘The Old Ways Remain’ pela insuspeita mão da britânica Rise Above Records. Embruxado por um místico, aliciante, provocante e mesmérico Occult Rock de influências comungadas em clássicas referências como Coven e Black Widow, climatizado por um medieval, ácido, poético e outonal Psychedelic Folk de descendência e exuberância celta que desenterra e ressuscita velhas lendas do folclore, e colorido por um radioso, dançante, contagiante e cheiroso Psychedelic Pop de iridescente tintura sessentista, este quinto registo de longa duração representa o momento mais alto da esotérica formação enraizada na cidade de Toronto. Sobrevoado por uma sonoridade verdadeiramente enfeitiçante, irresistível e apaixonante que nos galanteia e incendeia de inefável ataraxia, e povoado por absorventes, eloquentes e crípticas histórias do mundo ancestral que nos respiram e embalsamam o olhar com uma imperturbável expressão sonhadora, ‘The Old Ways Remain’ é um álbum imensamente charmoso, sublime e ambicioso que não deixará ninguém indiferente. Um imersivo ritual de magia negra – com ousadas diabruras, ritmos excitantes e apimentadas fervuras – que nos faz cair e diluir na sua encantadora tentação. Aventurem-se pelos esfíngicos, labirínticos e frondosos bosques de Blood Ceremony e participem – de corpos desnudos, gargalhadas ecoantes e incansáveis corpos saltitantes à volta da fogueira – neste misterioso culto de adoração pagã, superiormente presidido por uma voz messiânica de pele melodiosa, translúcida e sedosa, uma serpenteante flauta transversal de aura fabular que se conduz e seduz por majestosos, hipnóticos e graciosos sopros, uma guitarra erudita, deliciosamente swingada a esplendorosos, vivazes e ostentosos riffs de onde florescem exuberantes solos, um baixo murmurante de reverberação filamentosa, vagueante e flexuosa, uma bateria acrobática e tribalista de ritmicidade desembaraçada, buliçosa e enlevada, e um romanesco teclado de odorosos, frescos e esponjosos bailados litúrgicos. Num plano secundário, é-me importante ainda trazer à luz do elogio as fugazes, mas vistosas, aparições de um violino trovador de soturnos mugidos, um esdrúxulo saxofone de histéricos bramidos e um estético pedal steel de arrepiantes arranjos. ‘The Old Ways Remain’ é uma inspirada e caprichada obra de verniz vintage que nos remete para tempos e vivências imemoriais, caídos há muito em desuso. Percam-se e encontrem-se por entre os seus belos contos primorosamente musicados, e testemunhem com inapagável fascinação toda a desarmante vitalidade deste triunfante regresso de Blood Ceremony.

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 Rise Above Records

segunda-feira, 8 de maio de 2023

🌙 Stevie Nicks // Fleetwood Mac

Review: 🧨 Smokey Mirror - 'Smokey Mirror' (2023) 🧨

★★★★

Seis anos volvidos desde o lançamento do seu fantástico EP de estreia (aqui trazido e enaltecido), os texanos Smokey Mirror estão finalmente de regresso com um dos álbuns mais aguardados do ano. Metamorfoseada de trio para quarteto e com um elenco parcialmente renovado, a banda natural da cidade de Dallas combina o restauro e regravação de velhos temas da banda presentes no EP – conferindo-lhes assim uma nova roupagem – com outros novos, ainda por estrear, no seu impactante e homónimo álbum de estreia que sai agora à rua através dos formatos físicos LP e CD pela mão da discográfica londrina Rise Above Records. Cozinhada num ruborizado, apimentado e fumegante caldeirão, abraçado por crepitantes lavaredas, de paladar Tex-Mex e em borbulhante ebulição, onde se mexe e remexe um bailante, lubrificado, torneado e aliciante Heavy Blues de afrodisíaco balanço boogie, um tonificado, fogoso, rugoso e encorpado Hard Rock de motores turbulentos, e um eufórico, efervescente, erodente e intrépido Heavy Psych de colorida fritura pirotécnica, a entusiástica sonoridade de ‘Smokey Mirror’ vem sintonizada na mesma frequência de clássicas referências como Josefus, Blue Cheer, Cactus, James Gang, Captain Beyond, Toad e Grand Funk Railroad, bem como de outras contemporâneas como Joy, Radio Moscow, Crypt Trip e Love Gang. Contando ainda com carnavalescos elementos de um hipnótico e ondeante Prog Rock e um exótico e enleante Jazz-Rock, este exuberante, explosivo e empolgante álbum dos texanos transporta o ouvinte para a vibrante azáfama nocturna no interior de um velho, fumacento e poeirento saloon, por entre copos de cerveja transbordante, punhos cerrados ao alto, sorrisos festivos e contagiantes, e corpos transpirados e bailantes. Um electrizante, faiscante e embriagante bacanal de moldura setentista que nos embala na selvática vertigem à alucinante boleia de duas guitarras predatórias que se entrançam em estonteantes redemoinhos de ciclónicos, catatónicos e viciantes riffs revestidos a abrasiva e urticante distorção, e destrançam na caótica e desenfreada debandada de venenosos, ziguezagueantes e buliçosos solos, um baixo deliciosamente groovy que se balanceia por entre calorosas, sinuosas e pulsantes linhas de textura palpável, uma extravagante bateria de apurada tecnicidade jazzística que tanto se meneia entre o polido e cintilante tilintar dos pratos e o arenoso e ronronante rufar da tarola, como se incendeia numa furiosa detonação de flamejante comoção com acrobacias verdadeiramente mirabolantes, e ainda vocais escabrosos, ácidos e espinhosos que completam na perfeição toda esta tumultuosa inflamação. Smokey Mirror é um sísmico vulcão em gorgolejante e inesgotável erupção que nos faz surfar polposos rios de lava incandescente. Um registo tremendamente apaixonante e arrebatado, dinamitado por uma louca selvajaria psicotrópica de temperatura infernal, e ocasionalmente massajado por mornas passagens de etérea sedução e reconforto sensorial. Alcanço a extremidade final deste fulminante rastilho completamente aturdido e convencido de que muito dificilmente este álbum será vencido na sangrenta disputa pelo primeiro lugar da listagem onde se perfilam os melhores álbuns nascidos em 2023.

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 Rise Above Records

🍒 Groundhogs - 'Split' (1971)

sexta-feira, 5 de maio de 2023

🌊 May Blitz - "Virgin Waters" (1970)

📼 Dommengang - "Myth Time" (2023, Thrill Jockey Records)

🎁 Bill Ward // Black Sabbath (05/05/1948)

🐉 Mammatus - 'Expanding Majesty' (23/06 via Silver Current Records)

Review: 🎢 Kanaan - 'Downpour' (2023) 🎢

★★★★

O talentoso e criativo tridente norueguês Kanaan acaba de lançar o seu muito aguardado sétimo álbum, intitulado ‘Downpour’ e promovido através dos formatos LP, CD e digital pela mão da companhia discográfica local Jansen Records. Irmão de ‘Earthbound’ – obra lançada em 2021 e aqui dissecada -, este novo álbum da banda enraizada na cidade-capital de Oslo presenteia e incendeia o ouvinte com uma delirante combustão resultante da faiscante mistura entre um cativante, fogoso, fibroso e intoxicante Psychedelic Rock com vista desimpedida para as estrelas, e um extravagante, aparatoso, ostentoso e electrizante Jazz-Rock de instrumentos exorcizados. Combinando bucólicas, oníricas e etéreas passagens orvalhadas a odorosa e deslumbrante beleza, um desregrado, ousado e exótico experimentalismo de admirável escapismo sónico, uma psicotrópica efervescência, uma caleidoscópica transcendência e escaldantes banhos de imersão num vibrante vulcão em inesgotável erupção, ‘Downpour’ é um álbum verdadeiramente divinal – de essência instrumental – que em nós promove a redentora, enlouquecedora e vertiginosa evasão consciencial. Dominados pela euforizante turbulência que nos sacode e implode com intensa violência, caímos e rodopiamos num obcecante vórtice à estonteante boleia de uma guitarra estelar – consumida pelo crocante, abrasivo e urticante efeito Fuzz – que se enrijece e agigante em monstruosos, fumegantes, viciantes e libidinosos riffs de onde se deslaçam e esvoaçam uivantes, ácidos, desvairados e trepidantes solos, um baixo viril de linhas massivas, maciças, sísmicas e altivas, uma bateria bombástica, enfática e mirabolante de tambores acrobáticos e pratos flamejantes, e siderais sintetizadores de idioma e bizarria alienígenas que nos catapultam a toda a velocidade pelas autoestradas cósmicas. São 40 minutos de esponjosa sedução em acintosa, apimentada e polvorosa comoção. Um endiabrado vendaval de pura adrenalina que nos subtrai a lucidez e atesta o espírito de excitante embriaguez. Uma atordoante montanha-russa de emoções à flor da pele e da qual ninguém escapará ileso. Embarquem no magnetizante, movediço, roliço e enfeitiçante groove de Kanaan, e vivenciem na primeira pessoa toda uma sinestésica, quimérica e psicadélica odisseia de depuração sensorial. ‘Downpour’ é um álbum expressivo, inventivo e expansivo que em nós cresce a cada audição. Um registo triunfante que só inflamara e empolara todo o meu inquietante desejo de os experienciar ao vivo pela primeira vez no festival português SonicBlast.

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 Jansen Records

segunda-feira, 1 de maio de 2023

🎁 Mark Lanegan - 'The Winding Sheet' (01/05/1990, Sub Pop Records)

Review: ⚡ Danava - 'Nothing But Nothing' (2023) ⚡

★★★★

Após um prolongado jejum discográfico de doze anos, os electrizantes Danava estão finalmente de regresso (e que regresso!) à estrada que tão bem conhecem com o lançamento do seu tão ansiado quarto álbum denominado ‘Nothing But Nothing’ e carimbado pelo influente selo da lendária gravadora nova-iorquina Tee Pee Records através dos formatos físicos de LP e CD. De tubo de escape a cuspir lavaredas, ponteiro das rotações a cabecear o limite máximo, motor escaldante e vibrante, um forte odor a gasolina e duas décadas de quilometragem, o irreverente quarteto natural da cidade norte-americana de Portland arranca furiosamente num barulhento muscle car locomovido a um fogoso, potente, ardente e musculoso Heavy Rock de espadas desembainhadas e esporas ensanguentadas nos tempestuosos territórios de Motorhead, em simbiótica parceria com um alucinante, lubrificado, torneado e galopante Heavy Metal desenrolado à boa e velha moda de Iron Maiden. Uma endemoninhada, demolidora e destravada locomotiva que nos viaja na eufórica vertigem de uma enlouquecedora montanha-russa, rasga as vestes da lucidez e embriaga do primeiro ao derradeiro minuto. Conduzido a altíssima velocidade, ‘Nothing But Nothing’ é um selvático furacão atestado de endorfinas que nos sacode, rodopia e deixa os sentidos aturdidos. Enfrentem esta tempestade perfeita rugida por duas indomáveis guitarras – fiéis discípulas de Michael Schenker e Dave Murray – que articulam ciclónicos, combativos, agressivos e altivos riffs de onde são gritados e centrifugados enxames de trepidantes, inflamantes, ziguezagueantes e venenosos solos, trovejada por uma incansável bateria metralhada a estonteante, explosiva, convulsiva e tonitruante ritmicidade, sombreada por um baixo sísmico de linhas ondulantes, densas, tensas e impactantes, colorida por enfeitiçantes, futuristas e redentores sintetizadores de cósmica atmosfera Sci-Fi, e liderada por vocais ácidos, penetrantes, melódicos e refrescantes que profetizam o inevitável declínio da civilização ocidental. ‘Nothing But Nothing’ é um álbum infernal, carburado a euforizante, violenta e fulminante turbulência, que nos atropela vezes e vezes sem conta. Saturada e efervescente adrenalina em estado musical. Um registo cronometrado à velocidade da luz que termina com o ouvinte ofegante, transpirado, de mãos apoiadas nos joelhos e completamente derrotado por esta impiedosa cavalaria pesada chamada Danava. Mal posso esperar por experienciar todo este insano frenesim detonado ao vivo no festival português SonicBlast.

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 Tee Pee Records

🌵 CACTUS - Ultra Sonic Boogie, 1971