Escrevo esta crónica ainda com os
ouvidos embebidos numa pesada dormência e a alma carregada de contentamento.
Mas antes falarei da “pré-produção” deste sonho tão acordado. Os Fatso Jetson
quase vieram a três localidades portuguesas: primeiramente falou-se no Porto
(palco principal e previsível para bandas deste calibre), Castro Daire (???) e,
numa tentativa frustrada e tardia, em Lisboa. Todos estes três rumores não
passaram disso mesmo, rumores. Fatso Jetson tinha data marcada em Espanha (mais
propriamente na já minha conhecida Taberna de Belfast em Santa María del
Páramo, León. Já havia falado antecipadamente com a Eva (gerente do espaço) e
assegurado a minha presença no dia 29 de Junho. E assim foi, eu e um amigo fizemo-nos
à estrada, de etapas escritas num papel, Calexico no leitor de CD’s e garrafas
de cerveja e vinho a tilintar na mala do carro. Estava uma tarde ventosa num
verão bipolar e de poucas convicções. A próxima paragem era Puebla de Sanabria
para esticar as pernas e mergulhar o lábio superior na cerveja. E a primeira
preocupação incorporava-se: chegar à tempestuosa La Bañeza. Mas depois de
alguns quilómetros em auto-estrada e outros tantos numa afável estrada
nacional, repleta de rectas a perder de vista e rodeada de um paralelismo
desértico de beleza singular, lá avistamos a cidade num horizonte ainda entorpecido. Causa Sui, Kyuss e Yawning Man eram os
responsáveis por manter o equilíbrio climático e emocional entre a atmosfera
exterior e interior. Uma autêntica comunhão entre a harmonia e o prazer debaixo
de um sol já vermelho. La Bañeza, o Adamastor
das nossas incursões à Taberna de Belfast. La Bañeza é a Viseu
espanhola (atulhada de rotundas), mas com a relevante diferença de muitas
destas não terem qualquer indicação de orientação, e quando têm, são um tanto
ou quanto redundantes e pouco esclarecedoras. Mas depois de alguns devaneios
pela cidade, de muitas voltas nas rotundas enquanto tentávamos chegar a um consenso,
lá avistámos “Santa María del Páramo”. “uffa!” – suspirámos. Depois disso,
foi estacionar o carro exactamente no mesmo sitio onde o havíamos deixado
no verão passado quando vimos Domo ao vivo. E o que se seguiu
foi em tudo parecido à nossa estreia na vila espanhola: mala aberta, cerveja na
mão e Casal Garcia na geleira. Ainda não cabia em mim: ia mesmo ver os
lendários Fatso Jetson de Larry Lalli, Tony Tornay (que especialmente adoro) e
o incontornável Mario Lalli. E ali estávamos nós no balcão da Taberna de
Belfast a beber cerveja e a comer torradas com presunto, enquanto o Mario Lalli
se passeava junto a nós de copo de cerveja em punho. Mas vou adiantar-me ao âmago
de toda aquela aventura: o concerto. E lá estavam os três xamãs de tudo o que o
deserto representa e transmite, mais a surpreendente presença do filho do Mario
Lalli (Dino Lalli), também de guitarra nas mãos e cabelos descaídos sobre o
jovem rosto. Ainda me tentava acomodar e equilibrar no balcão, quando a banda
de Palm Desert explodia com o tema “Magma” do saboroso “Toasted”, numa performance
verdadeiramente estrondosa que depressa me fez soltar os cabelos. O Mario Lalli
estava enérgico como nunca, um autêntico touro enraivecido numa arena chamada “guitarra”.
Bem no centro do palco, estava o irreverente Tony Tornay de t-shirt com a
mensagem “who the fuck is Kat Von D?!” a alimentar a exibição mais pujante que
eu vira até então de um baterista. Tão tremenda foi, que no final de dois/três
temas já tirava a t-shirt. Larry Lalli com a sua postura ébria a fazer lembrar
o Phillipp Rasthofer de Colour Haze (como referiu, e muito bem, o Ricardo), viveu
todo o concerto de olhos fechados e a deambular pelo curto espaço que tinha no palco. Já o mais jovem, Dino Lalli, cumpriu o papel
de guitarrista secundário não se aventurando muito para lá dos limites do riff
de cada tema. O Mario Lalli sabia que o sonho tinha lugar e data marcada, e era
mesmo ali e naquele instante. Tecia, regularmente, rasgados elogios ao espaço
(e que espaço!) e fazia questão de repetir vezes sem conta o quão satisfeito
estava por estar ali. E nós, público, respondíamos de copos ao alto e gritos
entusiasmados. Viveu de tal forma o concerto, que já perdia o domínio dos
movimentos corporais e só a música o comandava. E se o portador da "mosca" mais conhecida da música fazia da guitarra uma
gazela nas garras de um leão, o Tony Tornay era falado por entre o público pelas
melhores razões. Para mim, foi mesmo a melhor exibição ao vivo que vi de um
baterista. E se já nutria uma grande admiração por ele, depois da passada noite
acho que estou apaixonado! Quanto à setlist foi a melhor que poderia ter
desejado. Como se me fosse pedido para enumerar tema a tema. Se não foi o
concerto da minha vida, esteve muito próximo de o ser! E para terminar aquela
noite inesquecível, ainda houve espaço para ver Tony Tornay subir sozinho ao palco e brindar-nos com um solo de bateria estonteante (a pedido do pai da
Eva). Depois disso, ainda deu para conversar com ele (Tornay) e para um saudoso “até
já” à Eva e aos seus pais que tão bem nos recebem na majestosa Taberna de Belfast.
Ainda com a audição bastante inebriada, fizemo-nos novamente à estrada em
direcção a casa. Rasgamos aquela noite de olhar incendiado e Fatso Jetson na
memória. Ainda deu para atentarmos nove (sim, nove) veados que nos fitavam
junto à estrada, quatro coelhos e duas raposas. Por volta das 04h cruzávamos a
placa “Carrazeda de Ansiães” ainda de sorriso talhado no rosto. Afinal de
contas, vimos mesmo Fatso Jetson ao vivo.
Muito bom!
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