quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A queda evitável

Pierre, que, mais do que qualquer outro, fizera com que emergisse das profundezas de uma vida íntima e fechada, lançava-a agora ao abismo ainda mais insondável da dúvida e do temor. Era essa a mais dura de todas as quedas, porquanto se lhe entregara totalmente, vivendo as emoções até ao extremo limite de si mesma. O que nos seus sentimentos mais medo lhe causava era o sentir-se agora incapaz de tornar a fechar-se, como outrora, na sua concha, de virar as costas ao mundo, de se fazer surda e cega e arquitectar algo de imaginário em substituição da realidade. E só então se deu conta de como ele se insinuara no mais fundo do seu ser. Sempre que pensava na sua pele, delicadamente doirada pelo sol, nos seus olhos verdes, retraídos, que só mudavam quando ele se inclinava para lhe apanhar a boca com os lábios grossos, sentia um arrepio percorrer-lhe o corpo, e aquela imagem torturava-a de desejo. Depois de ter vivido horas de uma dor tão viva e tão forte que pensou não mais vir a recompor-se, caiu num estranho estado de letargia, numa semi-sonolência. Dir-se-ia que algo dentro dela se quebrara. Não sentia já nem dor nem prazer. Estava entorpecida. Tudo lhe parecia irreal. E o seu corpo de novo morria. 


Anais Nin em Delta de Vénus 

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