quinta-feira, 17 de agosto de 2017

🔥 SonicBlast Moledo 2017: Dia 2 🔥

Depois de uma noite lúcida e barulhenta – celebrada nos mais diversos idiomas e das formas mais extravagantes possíveis – a manhã de Moledo era governada por uma contemplativa e apaziguante quietude só interrompida pelos estridentes ruídos dos fechos éclairs das muitas tendas plantadas no parque de campismo. O calor intensificava-se e o ambiente no interior das mesmas era cada vez mais irrespirável. As cabeças sonolentas de olhar temulento e narinas dilatadas surgiam de dentro das tendas inalando a refrescante brisa matinal que se passeava no exterior, e os mais corajosos cambaleavam decididamente até aos chuveiros de toalha apoiada no ombro. O derradeiro dia da presente edição do SonicBlast começava a configurar-se e todos os olhos atropelavam as horas da manhã para focarem o inicio da tarde. Depois de uma breve e tonificante caminhada junto à praia, um relaxado almoço numa pizzaria local e uma cerveja fresca bebida numa esplanada arejada, dirigi-me ao recinto do festival para presenciar os primeiros concertos do dia. Avizinhava-se uma tarde e noite repletas de concertos memoráveis e a expectativa agigantava-se em cada um dos muitos festivaleiros presentes em Moledo.

Vinnum Sabbathi | 14:25 | Palco Piscina
Provenientes da longínqua Cidade do México e de instrumentos apontados ao vertiginoso e incomensurável Cosmos, o quarteto mexicano Vinnum Sabbathi provocara em cada um de nós a sagrada levitação da alma rumo à profunda escuridade espacial, deixando para trás um corpo totalmente inanimado. Baseada num sombrio, poderoso, morfínico e frondoso Psych Doom brilhantemente temperado por um envolvente, misterioso, viajante e brumoso Space Rock que nos metamorfoseia em aventurosos astronautas, a lisérgica, portentosa e nebulosa sonoridade de Vinnum Sabbathi tem o dom de nos embrenhar de poeira estelar e arremessar pelos esplendorosos firmamentos da verticalidade cósmica. O numeroso público – de semblante caído, corpo baloiçante, e olhar lapidificado – estava verdadeiramente rendido a toda aquela etérea e fascinante odisseia admiravelmente orientada pela formação mexicana. A guitarra desenvolvia riffs possantes, obscuros e carregados, o baixo ondulava-se pesada e intensamente em linhas sólidas e torneadas, a bateria explodia em enérgicas e ofegantes incursões, e o sintetizador munido de samples celestiais autentificava toda esta digressão pelos insondáveis domínios situados no lado eclipsado da Lua. No final a banda exteriorizava o seu profundo agradecimento a tudo e a todos aqueles que haviam tornado possível o concerto de Vinnum Sabbathi no SonicBlast e viraram costas à plateia debaixo de um animado e demorado aplauso. 

Blaak Heat | 16:15 | Palco Piscina
O bafo solar intensificava e bronzeava toda aquela multidão que lotava o recinto da piscina, enquanto que uma das minhas bandas favoritas subia ao palco para instaurar em todos nós uma sagrada e resplandecente aura pérsica. Com as raízes divididas entre a França e os EUA, esta encantadora formação desenvolve um místico, hipnótico e apaixonante Psych Rock de ares arábicos que se entrelaça num requintado, fresco e estarrecedor Surf Rock capaz de nos remeter para firmamentos desérticos que se desdobram infinitamente debaixo de um Sol vigilante que nunca se põe. Numa fugaz digressão pelos últimos trabalhos da banda e uma pequena amostra do novo álbum que será lançado ainda este ano, os Blaak Heat envolveram, seduziram e entorpeceram Moledo com a sua sonoridade exótica regada de mescalina. Vivia-se uma perfeita ambiência religiosa e a nossa espiritualidade banhava-se num edénico oásis. As guitarras faraónicas serpenteavam-se por entre riffs intrigantes, enigmáticos e dançantes e solos extraordinários, inflamantes e sumptuosos, o baixo murmurante compenetrava-se em linhas oscilantes, corpulentas e magnetizantes, a voz macia e espectral sobrevoava livremente todo o instrumental e a estimulante bateria conduzia com leveza e habilidade toda esta prazerosa e imaculada peregrinação pelos sinuosos desfiladeiros da alma. Para mim, Blaak Heat foi – a par de Black Bombaim – o melhor concerto vivenciado no palco piscina.

Acid King | 21:15 | Palco Principal
De San Francisco (Califórnia, EUA) estavam aí os lendários Acid King e na plateia pressentia-se que deles viria uma das performances mais avassaladoras da presente edição do SonicBlast. E não estava enganada: este poderoso power-trio fielmente dedicado ao lado mais nebuloso, arrastado e psicotrópico do Doom Metal brindou todos os presentes com uma tirânica, lenta e potente cavalgada que – sem qualquer timidez – nos atropelou a lucidez e embriagou a alma. Os riffs reverberantes, sombrios e inquisidores faziam estremecer todos os muitos corpos oscilantes que se debatiam como podiam perante toda aquela pujante descarga Sabbath’ica. A musculada e liderante guitarra de Lori S. soltava uma sísmica, cáustica e narcotizante ressonância que nos absorvia, respirava e dominava com firmeza e influência, o baixo sombreava e revigorava todos os riffs com as suas linhas atléticas, corrosivas e torneadas, a bateria incendiava-se em ardentes, pesadas e empolgantes investidas, e a voz límpida, destemperada e visceral ecoava por entre a densa, ébria, demoníaca e brumosa radiação. As nossas cabeças sonolentas sacudiam-se pesadamente à boleia de toda aquela titânica galopada e vivenciávamos uma intensa narcose que só se desvaneceu quando os instrumentos se calaram e os monolíticos amplificadores se desligaram debaixo de um aplauso ensurdecedor. Acid King foram autenticamente demolidores acima de palco. Longa e gloriosa vida ao Rei.

Colour Haze | 22:35 | Palco Principal
Era a terceira vez que via Colour Haze ao vivo mas o meu coração comportava-se como se da primeira se tratasse. A influente e afamada banda alemã que desde os 90’s surpreende o panorama underground do Rock europeu pisava pela primeira vez na sua história um palco português e fora dele pressentia-se que a estreia desta formação germânica em território nacional ficaria imortalizada na mente de todos os afortunados que estavam prestes a testemunhá-la. Depois de um pequeno atraso no começo da actuação para que o seu técnico de som pudesse calibrar da melhor forma todos os instrumentos, Colour Haze deu então início àquele que viria a tornar-se indubitavelmente não só o melhor concerto do dia, como muito provavelmente o melhor de toda edição do SonicBlast. Ao primeiro contacto com o tema inaugural “She Said” Moledo mergulhou num profundo e intenso êxtase nutrido pelo lado mais requintado, mélico e apaixonante do Psych Rock. Vivia-se uma ambiência intensamente paradisíaca sublimemente condimentada pela harmoniosa fragância exalada do palco e na instintiva resposta o público siderado dançava detidamente de olhar selado, sorriso esculpido no rosto e narinas dilatadas. O sonho acontecia ali mesmo e todos nós fazíamos parte dele. Stefan Koglek manuseava a guitarra com uma magnificência incrivelmente paralisante, florescendo riffs desmesuradamente sumptuosos, primorosos e arrebatadores e desarmantes, estonteantes e inimagináveis solos capazes de nos atestar de uma insuportável euforia. O baixista Philipp Rasthofer de pálpebras cerradas e profundamente concentrado nas suas linhas oscilantes, volumosas e dançantes sombreava na perfeição o riff base, enquanto que o baterista Manfred Merwald se transcendia em deliciosas, inventivas e talentosas acrobacias que entupiam todas as zonas erógenas da nossa espiritualidade. A plateia estava completamente deslumbrada com toda aquela magia em estado musical. Depois de 5 temas tocados em pouco mais de 1h de duração, o power-trio dedicou uma prolongada vénia anunciando a sua despedida, mas público inconformado com o fim do concerto suplicava para que a banda regressasse ao palco. O mesmo não sucedeu mas para trás ficara um dos mais fascinantes concertos que presenciara em toda a minha vida. No final os meus ouvidos salivavam e a minha alma estava embaciada por uma embriagante sensação de bem-estar. Moledo inalara uma das mais encantadoras fragâncias sonoras de sempre e a ressaca da mesma ameaça agora resistir à força do tempo – perdurando na nossa memória pela vida fora – pois nem o esquecimento se esquecerá de a lembrar. Colour Haze foi uma autêntica ode epicurista.

Orange Goblin | 00:00 | Palco Principal
Seguiam-se os históricos Orange Goblin com o seu entusiástico, poderoso e vibrante Stoner Metal carburado a alta rotação. Assim que a banda londrina subiu ao palco sentiu no imediato que era uma das mais sérias responsáveis pela grande multidão que se encolhia no recinto principal. Este quarteto inglês liderado pelo extravagante Ben Ward – que passara todo o concerto a instigar os seus fãs – arrancou para uma exibição tremendamente imprópria para cardíacos. O ritmo do concerto nunca conheceu um travão e a ruidosa plateia exteriorizava de forma exuberante toda a adrenalina sentida. Fundamentados em riffs ferozes que nos desgastam e euforizam, os Orange Goblin foram verdadeiramente irrepreensíveis acima de palco. Nenhuma outra banda havia comunicado de forma tão calorosa com o público e o mesmo retribuía com variados focos de desgovernado alvoroço. A sonoridade fervorosa e contagiante da banda inglesa a isso nos obrigava e toda a plateia era levada nesta violenta torrente. Foi à excitante boleia de uma guitarra que se cimentava em riffs opulentos e volumosos e se superava em solos caóticos e extraordinários, um baixo potente de linhas carregadas e vociferantes, uma bateria explosiva e revoltosa de ritmicidade atordoante, e uma voz cavernosa, colérica e intimidatória que todos nós entrámos em estado de ebulição. Orange Goblin foi uma das actuações mais frenéticas não só da presente edição mas da história recente do SonicBlast. No final do concerto estávamos todos combalidos, ofegantes e ainda atordoados mas havíamos sobrevivido a toda aquela enfurecida avalanche de reverberação que fizera estremecer a pacata freguesia de Moledo.

A presente edição do festival SonicBlast foi uma renovada experiência marcante. Este é um festival de amor à primeira visita que tem abraçado e conquistado cada vez mais público. São vários anos de investimento no mesmo viveiro musical e essa ousada persistência faz hoje do SonicBlast um dos festivais mais relevantes e apaixonantes da Europa dentro da scene que nos move. O meu sincero obrigado à organização por isso.


*Um agradecimento especial ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo fotográfico.

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