quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Review: 🌴 Witch Sin & Yawning Man 🌴

Na passada terça-feira, 11 de Setembro, viajei até à cidade de Porto atestado de um crescente entusiasmo pela oportunidade de rever uma das bandas favoritas e indubitavelmente uma das mais icónicas da Desert Scene: os lendários Yawning Man. Depois de comungados pela primeira vez em 2016 no saudoso festival ribatejano Reverence Valada (review aqui) entrava agora no bar portuense Woodstock 69 com a mesma ansiedade e excitação que me climatizara na estreia. O tão cobiçado peso da responsabilidade em abrir as hostes e inaugurar o palco recaía na jovem formação transmontana Witch Sin – a qual acompanhei na viagem até ao Porto, bem como de regresso a casa – e os mesmos fizeram por justificar e merecer a aposta da parte da organização do evento (como dissecarei de seguida). Uma vez que chegava ao Woodstock 69 não poderia perder por nada a prestigiante ocasião de privar com figuras como Gary Arce e Mario Lalli. E assim aconteceu. Desprovidos de urgência e num ambiente de despreocupada confraternização, desenvolveram-se agradáveis tertúlias que tocaram tanto assuntos pessoais como profissionais. E se já nutria uma desmesurada admiração por eles enquanto músicos, depois desse dia passei a anexar a esse fascínio uma intocável consideração pela sua vertente mais pessoal. Um envolvente diálogo – variados, vá – tingidos a uma afinidade gradual que levarei comigo.

Foi já com a noite instaurada que a recém-formada banda mirandelense se prontificou e subiu a palco transpirando confiança e segurança. A plateia ia ganhando vida e forma – ainda que a timidez não a tenha deixado aproximar-se em demasia do palco – no interior do Woodstock 69, e os jovens Witch Sin de amplificadores ligados e instrumentos empunhados estavam prontos para cortejar a expectativa que pairava em todos nós. E foi com base no seu empolgante, lamacento, raçudo e turbulento Stoner Metal – com ousadas, mas bem-sucedidas aproximações a um fascinante Psych Doom de natureza ambiental, prog’ressiva, melódica e espacial – que os Witch Sin arrancaram para uma atordoante, furiosa, e alucinante cavalgada que nos esporeara e saturara de adrenalina. O público de olhar debruçado no palco começava a desprender-se da inibição e as cabeças pendulavam de ombro a ombro numa instintiva resposta comportamental a toda aquela intensa, violenta e musculada ressonância vociferada pelas colunas. Norteados por uma atitude extrovertida e uma simbiose instrumental que amadurecia com o decorrer da sua actuação, os transmontanos Witch Sin pareciam ter conquistado o público que ainda se ia perfilando e compactando no exterior do palco. E foi com base numa voz ardente, felina, corrosiva e potente, num vigoroso, torneado e poderoso baixo de linhas bem fluídas e vincadas, uma guitarra vulcânica de riffs enérgicos, obscuros e dinâmicos que se perdiam por entre solos ecoantes, alucinógenos e transviantes, e uma bateria explosiva e retumbante de galope apressado e provocante que todos nós fomos conquistados e levados pelos enigmáticos domínios sonoros de uma das mais promissoras formações portuguesas. No final – enquanto a banda se delongava em sinceros agradecimentos, distorcidos e abafados pelos vibrantes aplausos – era tempo suspirar e intensificar o rufar dos corações: os Yawning Man estavam aí.

Do coração do deserto californiano (mais concretamente de Palm Desert) para a cidade do Porto, os comummente apelidados de «Padrinhos do Desert Rock» subiam a palco debaixo de um entusiástico e ensurdecedor aplauso promovido por uma plateia já bastante considerável. A atmosfera no interior do Woodstock 69 estava tremendamente abafada – quase irrespirável – e perante a incapacidade das poucas ventoinhas que turbinavam no espaço sem qualquer efeito prático, Yawning Man revelou tratar-se de uma revitalizante brisa de ar fresco que nos manteve despertos ao longo de todo aquele sonho acordado. De semblantes transpirados, pálpebras desmaiadas, narinas dilatadas e cabeçadas rodopiantes, fomos evangelizados por uma epifania desértica superiormente celebrada e norteada pelo histórico power-trio ao qual os fiéis seguidores do lado underground da música Rock muito devem. A carismática formação californiana – numa saltitante e harmoniosa digressão pela sua modesta mas grandiosa discografia – distendera no Woodstock 69 todo um vasto tapete arenoso onde imponentes Joshua trees se espreguiçavam na direcção dos céus, expressivas formações rochosas se encavalitavam entre si, um Sol vigilante de tonalidade ruborizada e bafo quente se debruçava no firmamento, e uma aragem ondulada e tonificante se tragava facilmente e muito dizia à alma. Completamente embalados e enredados numa profunda hipnose que nos massajava os sentidos e embriagava de um imperturbável êxtase, os nossos corpos devotos à redentora misticidade de Yawning Man manifestavam-se numa detida e hipnotizante dança que nos manteve sorvidos e comprometidos ao longo de todo o concerto. Vivia-se um perfeito clima de bem-estar generalizado à afável boleia da sua tão característica sonoridade onde um meditativo, quente, exótico e lenitivo Desert Rock mareado por um uivante, fresco, lisérgico e serpenteante Surf Rock se sustentam e ostentam com uma desarmante e arrebatadora delicadeza e simplicidade. Nada poderia contrariar todo aquele paradisíaco estádio de transbordante sublimação que nos conduzia aos braços do transe espiritual. Gary Arce de olhar semicerrado e repousado nas cordas da sua guitarra dedilhava e perfumava deslumbrantes, líricos, sumptuosos e relaxantes acordes que se replicavam e em nós ecoavam, Mario Lalli de cabeça baloiçante, olhar selado e baixo soberbamente dominado desprendia, conduzia e enfatizava pulsantes, vistosas, cadenciadas, musculosas e reverberantes linhas que nos estremeciam e instigavam, enquanto que o baterista “emprestado” Greg Saenz de baquetas firmemente empunhadas tiquetaqueava com entrega, perícia e devoção toda esta fabulosa caravana desértica. E ali estávamos nós, totalmente petrificados e assombrados pela envolvente narrativa de Yawning Man, de pés enraizados nas sedosas e tostadas areias do deserto e cabeça enterrada no profundo negrume estelar. Os Yawning Man brindaram-nos com uma extraordinária e irrepreensível performance que tivera nos clássicos temas “Perpetual Oyster” e “Catamaran” os mais aclamados momentos da noite. No final – assim que os instrumentos foram devolvidos ao solo e estes três saguaros viraram costas ao público para se perderem nos bastidores – encontrámo-nos reféns de uma generalizada sensação de torpor e atordoamento. Estávamos todos ainda incrédulos com o que havíamos testemunhado. Yawning Man ao vivo foi uma verdadeira ode edénica que deixara em nós a garantia de uma ressaca vitalícia. Um autêntico oásis onde nos banhámos, canonizámos e deleitámos do primeiro ao último minuto. Acredito que quando o silencio tomou conta da sala cada um de nós segredara a si mesmo de que havia mesmo presenciado um dos mais impactantes concertos da sua vida. Da minha foi seguramente.

*Um agradecimento especial ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo fotográfico.

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