Review: ⚡ Ulrich Schnauss & Jonas Munk - 'Eight Fragments Of An Illusion' (2021) ⚡

★★★★

É ainda de espírito arrebatado e lucidez embaciada que escrevo estas palavras. ‘Eight Fragments Of An Illusion’ é o terceiro trabalho de longa duração brilhantemente concebido pela simbiótica colaboração entre o alemão Ulrich Schnauss e o dinamarquês Jonas Munk (Causa Sui), que fora muito recentemente lançado através dos formatos digital, CD e vinil pela mão da editora independente Azure Vista Records, enraizada na nórdica cidade de Odense (Dinamarca) e essencialmente especializada na disseminação do universo da música electrónica. Orvalhado por um sonho sublimemente musicado de onde se revelam um embrumado, melancólico, bucólico e embriagado Shoegaze sintonizado na mesma frequência dos ingleses Slowdive, e um misterioso, cósmico, hipnótico e ocioso Dream Pop na linha dos escoceses Cocteau Twins, este novo registo do duo vem embrulhado numa experimental alquimia electrónica que cultiva no solo do ouvinte todo um apaziguante, sedativo e reconfortante sentimento de doce nostalgia capaz de o embalar, mitigar e enfeitiçar do primeiro ao derradeiro minuto. A sua sonoridade arejada, espaçada e ambiental – desenvolvida em slow-motion, e magicada por uma textura melodiosa, paradisíaca, mística e aquosa – desdobra no nosso imaginário todo um cinematográfico crepúsculo de fluorescência colorida e desfocada que se entrega demoradamente aos negros e aveludados braços da noite. Submersos e prazerosamente desmaiados nas profundezas deste vívido sonho açucarado, somos absorvidos, embevecidos e namorados pelas líricas e fantásticas composições caprichosamente deambuladas e ecoadas por um sintetizador alienígena de mugidos etéreos, ébrios e angelicais que embrumam de frescas, fluídas e cheirosas harmonias os oito temas que compartimentam esta obra divinal, e pelos delicados, ternurentos e deslumbrados acordes copiosamente florescidos de uma guitarra estética, opalina e profética que surfa com desarmante formosura toda a pacífica ondulação electrónica. ‘Eight Fragments Of An Illusion’ é um admirável registo repleto de uma monção de aromas frutados, suaves ventos tropicais, e uma transformadora calma que nos gravita e agita. Um quimérico álbum ofuscado a intensa beatitude e climatizado a uma ataráxica envolvência que em nós instaura toda uma permeabilidade sensitiva. Banhem-se nas nirvânicas águas da introspecção, e recebam uma terapêutica massagem cerebral de afago espiritual. Não vai ser nada fácil – ou sequer desejado – despertar de todo este radioso psicadelismo bocejante e aceitar que a utópica ilusão terminara, dando lugar ao desconfortável e atordoante silêncio que reinará na ressaca da sua audição. Esta é a banda-sonora perfeita para emoldurar finais de tarde ensolarados.

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Review: ⚡ Hekate - 'Sermons to the Black Owl' (2021) ⚡

★★★★

Da insuspeita Austrália chega-nos uma das mais ousadas e impactantes surpresas sonoras do ano. ‘Sermons to the Black Owl’ dá nome ao irrepreensível álbum de estreia forjado pelo pujante quarteto Hekate, e que fora lançado na segunda metade do passado mês de Março através da exclusiva forma digital (ainda que com a garantia de uma futura edição em formato físico de vinil pela jovem mão da editora discográfica local Black Farm Records). Consequência de um nebuloso, obscurantista e trevoso ritual onde são esconjurados e conjugados um enlutado, imperioso, intrigante e fibrado Proto-Doom de ameaçadoras feições luciféricas, um musculoso, oleado, flamejado e rumoroso Hard Rock de roupagem setentista, e ainda um glorioso, torneado, serpenteado e majestoso Heavy Blues de sedutora fragância, este primeiro registo da formação australiana impõe-se de faca nos dentes, olhar fulminante e mangas arregaçadas. A sua poderosa sonoridade – que mescla a demoníaca liturgia de Black Sabbath com o tenso negrume de Saint Vitus e a enigmática feitiçaria de Witchcraft – pendula entre alucinadas, eufóricas e destravadas galopadas esporeadas a escaldante ferocidade, e melancólicas, embriagadas e misantrópicas passagens mergulhadas numa abissal obscuridade de beleza outonal. Consumidos nas negras lavaredas de Hekate, somos inflamados e dominados pela urticante, titânica e rangente opulência de duas guitarras predatórias que hasteiam tenebrosos, fumegantes, provocantes e montanhosos Riffs estriados de electrizantes, escorregadios, giratórios e esvoaçantes solos em ciclónica e enlouquecedora debandada, um mastodôntico baixo de reverberação altiva e massiva que bafeja linhas pesadas, umbrosas, polposas e onduladas, uma bateria rutilante, explosiva e faiscante que é vergastada e pregueada a violenta, intensa e desenfreada pujança, e ainda uma voz vampírica de tonalidade intoxicante, perfurante, ácida e fantasmagórica que sobrevoa e assombra toda a atmosfera infernal de ‘Sermons to the Black Owl’. Este é um álbum verdadeiramente avassalador que nos centrifuga os sentidos, atesta de adrenalina e deixa em polvorosa. Uma abrasiva, opressiva e triunfante cavalgada, locomovida a frenética rotação e de consumo impróprio para cardíacos, que nos bombardeia, endoidece e incendeia de fascinada e transbordante excitação. Precipitem-se numa veemente convulsão, incinerem-se numa eruptiva combustão, e deixem-se engolir por este monstruoso furacão tricotado a endorfinas. Um dos registos mais influentes e apoteóticos de 2021 está aqui. Encarvoem-se, demonizem-se e empoderem-se nele.

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Review: ⚡ Howling Giant - 'Alteration' EP (2021) ⚡

★★★★

De Nashville – a cidade mais populosa do estado norte-americano do Tennessee – chega-nos ‘Alteration’, o novíssimo EP da recém-transfigurada formação Howling Giant (que passara de trio a quarteto) lançado hoje mesmo sob a exclusiva forma digital, selo autoral, e através da sua página de Bandcamp oficial. Cozinhado num chamejante, apimentado e borbulhante caldeirão onde um vulcânico, empolgante e dinâmico Desert Rock, um intoxicante, poderoso e alucinante Heavy Psych e ainda um virtuoso, fluído e sinuoso Prog Metal dialogam numa sinérgica fusão, este adorável registo de curta duração, mas de duradoura comoção, desdobra no imaginário do ouvinte cinematográficas paisagens de ambiência SCI-FI. A sua sonoridade puramente instrumental, brilhantemente ostentosa, híbrida, envolvente e sumptuosa, ziguezagueia entre meditativas, delicadas e lenitivas passagens sulfatadas a embriagada beleza, e tumultuosas, vibrantes e rumorosas erupções carburadas a pujante adrenalina. De corpo serpenteante, olhar eclipsado, espírito deslumbrado e cabeça furiosamente rodopiada de ombro a ombro, somos aliciados pelo inflamante erotismo de uma guitarra majestosa que – abrasada pelo gaseificado efeito Fuzz – se enrijece na ascensão de épicos, musculosos e apoteóticos Riffs rugidos a intenso fervor, e endoidece na condução de estonteantes, ácidos e trepidantes solos rubricados em espiral, pesadamente bafejados pela densa reverberação de um baixo fibrótico que se balanceia em sombreadas, volumosas e lubrificadas linhas, açoitados pela estimulante efervescência de uma incisiva bateria esporeada a uma galopante, frenética e provocante ritmicidade, e ainda empoeirados pela nebulosa magia entoada por um teclado sublimado de perfumadas, frescas e condimentadas harmonias. Pendulando entre a doce letargia que nos embacia a lucidez, e a explosiva euforia que em nós provoca todo um sísmico abalo sensorial, somos fascinados e arrebatados pela expressiva beleza deste ‘Alteration’ ao longo dos seus efémeros e ingratos 20 minutos. Um dos meus EP’s predilectos – dos já desabrochados até à data – está aqui, na estética, transcendente e simétrica opulência de Howling Giat. Não vai ser nada fácil experienciá-lo apenas uma vez, duas ou três.

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Review: ⚡ Potion - 'Oath to Flame' EP (2021) ⚡

★★★★

O pujante power-trio australiano Potion está de regresso com o lançamento do seu novo EP intitulado de ‘Oath to Flame’ e devidamente promovido pela mão da independente companhia discográfica local Brilliant Emperor Records através da forma física de cassete (numa especial e ultra-limitada edição de apenas 100 cópias disponíveis). Encarvoado, atormentado e demonizado por um imperioso, despótico, distópico e nebuloso Proto-Doom de feições ameaçadoras e carregadas que se emporcalha nas paradas e pesadas águas de um pantanoso, crepitante, inflamante e viscoso Sludge Metal em agitada ebulição, este novo trabalho de curta duração – superiormente forjado pela formação enraizada na cidade de Sydney – é climatizado por uma atmosfera verdadeiramente trevosa, perniciosa, vampírica e misantrópica que nos cega e enluta de uma intensa e demoníaca negrura. A sua sonoridade intrigante, ritualística e atemorizante agiganta-se e empodera-se numa monolítica, mastodôntica e rumorosa avalanche que nos atropela e soterra nos abismos de um imperturbável estádio de sedada euforia. De espírito enfeitiçado e sentidos mumificados pela trágica, mórbida e melancólica liturgia celebrada pelos Potion, somos conduzidos ao lado ímpio e eclipsado da religiosidade. Na génese deste prepotente, nocivo e intoxicante elixir que tumultuosamente borbulha num chamejante caldeirão, está uma guitarra profana que se enegrece e robustece em Riffs gordurosos, fumarentos, bafientos e monstruosos de onde são escoados solos lancinantes, esvoaçantes, avinagrados e uivantes, um titânico baixo de reverberação massiva, dilatada, sombreada e opressiva, uma violenta bateria de ritmicidade incisiva, trovejante, potente e explosiva, e ainda uma enrugada voz de natureza gutural, incandescente, erodente e infernal que, num atormentado, cavernoso e inflamado bramido, emerge das trevas e em nós provoca todo um vibrante sismo sensorial. ‘Oath to Flame’ é um EP hostil e brutal, extremamente impetuoso, tenebroso e dominante, que me envolvera e revolvera do primeiro ao derradeiro minuto nas suas ferozes lavaredas. Mergulhem e naufraguem nas vertiginosas, obscuras e aterradoras profundezas de ‘Oath to Flame’, e regressem à tona completamente atordoados e conquistados pela sua reinante potência que fará até estremecer e desmoronar os resistentes alicerces que sustentam o mais devoto e imaculado coração. Um dos mais sérios candidatos a EP do ano está aqui, na temível e amaldiçoada alma de Potion. Poluam-se e arruínem-se nele.

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 Brilliant Emperor

Review: ⚡ Heavy Feather - 'Mountain of Sugar' (2021) ⚡

★★★★

Da cidade-capital Estocolmo chega-nos a doce, estética e carismática fragância de essência revivalista brilhantemente desenvolvida pelo quarteto sueco Heavy Feather com a apresentação do seu muito aguardado segundo trabalho de longa duração. Oficialmente lançado hoje mesmo pela mão da influente discográfica nórdica The Sign Records em formato digital e sob a forma física de CD e vinil, ‘Mountain of Sugar’ vem chamejado e condimentado por um ostentoso, lubrificado, açucarado e melodioso Blues-Rock de roupagem vintage que ocasionalmente se maquilha e metamorfoseia num picante, lascivo, convidativo e dançante Boogie-Rock. De inspiração resgatada aos saudosos 60’s e 70’s onde se notabilizaram vultosas referências do género como Cream, Taste, Stevie Ray Vaughan, Free, Cactus e Lynyrd Skynyrd, e com um forte grau de parentesco com bandas contemporâneas tais como Siena Root, Blues Pills, Radio Moscow, DeWolff, Wucan e Three Seasons, a fogosa, afrodisíaca e majestosa sonoridade deste talentoso colectivo escandinavo equilibra-se e envaidece-se por entre relaxantes, idílicas, românticas e reconfortantes baladas climatizadas a inefável doçura, e euforizantes, inflamadas, destravadas e alucinantes cavalgadas locomovidas à rédea solta. Tricotado por uma guitarra luxuosa que se manifesta em excitantes, magnéticos, eróticos e deslumbrantes Riffs de onde são vertidos e gritados lustrosos, ácidos, trepidantes e sinuosos solos, bafejado por um baixo pulsante de linhas inchadas, densas, tensas e torneadas, tiquetaqueado por uma bateria de ritmicidade cuidada, diligente, envolvente e desembaraçada, e ensolarado por uma caramelizada, vistosa, portentosa e encorpada voz de feição felina que evoca o espírito Soul da icónica Janis Joplin, este excepcional ‘Mountain of Sugar’ vem embrulhado numa irresistível formusura de conteúdo impróprio para diabéticos. De olhar semi-selado, boca salivada, semblante rosado, sorriso golpeado no rosto e espírito inteiramente embrumado por um ofuscante estádio de pura satisfação, somos enfeitiçados, embevecidos e cortejados pela transbordante sensualidade que a apetitosa musicalidade de Heavy Feather transpira por todos os seus poros. Este é um álbum verdadeiramente magistral, de simetria aprumada e beleza consumada, que preenchera a profunda barragem de expectativas a ele previamente dedicadas. Uma obra simultaneamente delicada, ternurenta, atiçada e turbulenta que tanto nos absorve num embriagado encantamento, como revolve num vulcânico empolgamento. Prazenteiem-se, incendeiem-se e viciem-se neste meloso e montanhoso néctar de ingestão auditiva, e vivenciem com inesgotável fascinação e imediata veneração um dos registos mais requintados do ano.

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 The Sign Records