Review: 👻 Heavy Blanket - 'Moon Is' (2023) 👻

★★★★

Subitamente despertado de um longo estado comatoso com quase uma década de duração, o electrizante tridente norte-americano Heavy Blanket está finalmente de regresso com o tão aguardado lançamento do seu novo trabalho denominado ‘Moon Is’ sob as formas de LP, CD e digital, carimbadas pela mão do selo discográfico nova-iorquino Outer Battery Records. Enraizados na cidade de Amherst (Massachusetts) e capitaneados pelo talentoso e irreverente J. Mascis (Dinosaur Jr.), os Heavy Blanket intoxicam os ouvintes com um atordoante, sulfuroso, viscoso e embriagante Heavy Psych, chamejado por uma bolorenta, áspera e poeirenta nebulosidade Lo-Fi e gaseificado por uma fogosa, rugosa e crepitante distorção. A sua sonoridade febril, selvática, inflamada e intensamente psicotrópica – caligrafada a intuitivas, ácidas e evolutivas jams instrumentais – varrem a nossa lucidez e em nós impregnam toda uma delirante embriaguez. Soterrados nas profundezas da atmosfera lodacenta, entorpecida e fumacenta de ‘Moon Is’, somos farolizados pelas guitarras reinantes que se amontoam em esponjosos, polposos, espinhosos e temulentos riffs de onde são destilados solos desvairados, caóticos, ciclónicos e destemperados, um baixo modorrento de linhas obesas, grossas, coesas e abafadas, uma bateria dinâmica de desembraçada, dançada e eloquente ritmicidade, e ainda uma hipnotizante, subterrânea e sussurrante voz que incensa o clima do derradeiro tema. São 35 minutos desfocados e embrulhados por um alucinógeno torpor que nos tomba as pálpebras e balanceia pesadamente a cabeça sonolenta entre os ombros. Uma vertiginosa hipnose de cores vibrantes e brilhos relampejantes que nos enevoa e entontece. Num passo cambaleante entre a morfínica letargia e a efervescente euforia, vagueamos sonâmbulos pelos pastosos, umbrosos e tóxicos pântanos de Heavy Blanket. Deixem-se embaciar, insensibilizar e diluir nesta turbulenta e enlouquecedora alunagem em ‘Moon Is’, e entrem na inescapável órbita deste poderoso narcótico sem a mais pequena vontade dele acordar e retornar.

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Review: 🎢 LOVE GANG - 'Meanstreak' (2023) 🎢

★★★★

Depois de no verão de 2019 ter lançado o seu incendiário álbum de estreia ‘Dead Man’s Game’ (aqui escalpelizado e imoderadamente reverenciado), o rebelde quarteto LOVE GANG – sediado na populosa cidade de Denver, capital do estado norte-americano do Colorado – acaba de detonar o seu muito ansiado sucessor ‘Meanstreak’. Lançado hoje mesmo sob os formatos LP, CD e digital pela mão da imparável discográfica romana Heavy Psych Sounds, este novo álbum de LOVE GANG é locomovido a um musculado, fogoso e lubrificado Hard Rock de alta rotação, um apimentado, serpenteante e torneado Heavy Blues de balanço Boogie, e ainda um combativo, predatório e altivo Proto-Metal que nos crava os dentes caninos na jugular. Gravada de forma analógica – para replicar, assim, toda a crueza, aspereza e autenticidade dos dourados 70’s – a sonoridade abrasiva, rotativa, apressada e incisiva de ‘Meanstreak’ transporta o ouvinte para as poeirentas estradas do deserto, farolizadas pela rosada luzência de um Sol crepuscular, ao volante de uma barulhenta chopper que o viaja a alta velocidade. Apontando a mira a incontáveis referências do prolífico território setentista – onde facilmente se reconhecem bandas como Cactus, ToadMC5, Sir Lord Baltimore, Mountain, Leaf Hound, ZZ TOP, Budgie, Pappo’s Blues, Iron Claw, Truth and Janey e Highway Robbery – os insubordinados LOVE GANG têm em ‘Meanstreak’ um álbum inteiramente arquitectado à minha imagem. Endemoninhado por uma guitarra selvagem que hasteia bem alto flamejantes, empolgantes, espadaúdos e trepidantes riffs de onde ziguezagueiam ácidos, desvairados e efervescentes solos, enrijecido por um fibrótico baixo motorizado a linhas sombreadas, tensas, densas e oleadas, enfeitiçado por um carismático órgão Hammond que se adensa em bailados intrigantes, harmoniosos, aquosos e encaracolados, pontapeado por uma pujante bateria de forte odor a pólvora, esporas ensanguentadas e baquetas em chamas que cavalga a uma ritmicidade verdadeiramente estonteante, e atiçado por uma liderante voz Lemmy’esca de pele fragosa, rouquenha, urticante e fervorosa, ‘Meanstreak’ é um registo carburado a indomável turbulência – de fulminante rebuliço e penetrante aroma a gasolina – que nos chicoteia e incendeia de incontida euforia. São 37 minutos transpirados de adrenalina, com o mercúrio a cabecear persistentemente o cume do termómetro. Uma enlouquecedora, excitante e libertadora galopada à rédea solta, que só no penúltimo tema do disco conhece um súbito relaxamento com a singela composição de uma rústica balada de Texas Blues, a permitir-nos, ainda que brevemente, recuperar o fôlego de mãos apoiadas nos joelhos. Uma vertiginosa montanha-russa de emoções à flor da pele, imprópria para cardíacos. Brindemos LOVE GANG com os punhos cerrados e copos de cerveja transbordante ao alto.

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Review: ⚜️ Molten Gold - 'Futures Past' (2023) ⚜️

★★★★

Da cidade-capital norueguesa de Oslo chega-nos o radiante, prazenteiro e contagiante revivalismo irradiado pelo aliciante quinteto Molten Gold, que acaba de apresentar o seu primeiro trabalho de longa duração, intitulado ‘Futures Past’ e lançado em LP – numa apelativa edição multicolorida onde o nosso olhar naufraga – pela mão do selo discográfico germânico Kozmik Artifactz e ainda sob a forma digital. Assumindo a forma de uma deslumbrante, doce e apaixonante fragância vintage – trazida dos dourados e glorificados 70’s, de visão pastoral e afago sensorial – que nos entra pelas narinas, ruboriza as maçãs do rosto, rebaixa as pálpebras e desabrocha o mais genuíno sorriso, este formoso, edénico e lustroso álbum de estreia do colectivo nórdico nasce da simbiótica e erótica conjugação entre um vistoso, elegante e delicioso Hard Rock, um opulento, dançante e magnetizante Prog Rock, um colorido, delirante e ensolarado Psychedelic Rock e ainda um electrizante, picante e fogoso Heavy Blues. A sua sonoridade bem-disposta, aprumada, de fácil digestão e pronta fascinação, encandeia o ouvinte de uma diluviana luzência primaveril que o deixará embriagado e maravilhado do primeiro ao derradeiro tema. São 42 minutos mergulhados num intenso esplendor melífluo que nos oferece uma purificante limpeza espiritual e uma relaxante massagem cerebral. Deixem-se levar e enlevar pela irresistível elegância de uma voz afável, aristocrática e venerável, ocasionalmente gravitada e aureolada por lampejantes coros vocais, pelo afrodisíaco bailado de uma guitarra primorosa que – recorrendo ao crocante efeito Fuzz e ao gelatinoso efeito Jimi Hendrix’eano wah-wah – se envaidece em majestosos, requintados e odorosos riffs de onde são vertidos enleantes, principescos e rodopiantes solos de desarmante beleza, pela intrigante opulência de um órgão imperial que se adensa em polposos, quiméricos e aparatosos mugidos, pelo quente bafo de um baixo sombreado que se manifesta em linhas pulsantes, carnudas e ondulantes, e ainda pela epidémica ritmicidade de uma bateria criativa, desenvolta e expressiva que completa com distinção esta irretocável obra de alta-costura. ‘Futures Past’ é um álbum festivo, altivo e cavalheiresco. Um registo banhado a ouro do mais elevado quilate. Uma obra imaculada e gratificante que caminha de forma ufana e triunfante por entre arejadas, bucólicas e ajardinadas baladas e excitantes, abrasivas e inquietantes galopadas. Deixem-se cortejar e conquistar pelo indomável poder de sedução dos noruegueses Molten Gold, e vivenciem com inquebrantável admiração um dos mais sérios candidatos a melhor disco de 2023.

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 Kozmik Artifactz

Review: 🌴 London Odense Ensemble - 'Jaiyede Sessions Vol. 2' (2023) 🌴

★★★★

Está oficialmente lançado o tão desejado segundo capítulo da deslumbrante tertúlia jazzística inaugurada na madrugada do verão de 2022 (review aqui), e que – tal como o nome do projecto assim o sugere – combina os génios criativos de músicos provenientes das cidades de Londres (Inglaterra) e Odense (Dinamarca) numa simbiótica jam session de fazer salivar os ouvidos de quem a comunga. Com o insuspeito carimbo do consagrado selo discográfico dinamarquês El Paraiso Records e saído à rua sob os formatos LP, CD e digital, este ‘Jaiyede Sessions Vol. 2’ é dançado ao fluído ritmo de um serpenteante, afrodisíaco, ritualístico e enfeitiçante Spiritual Jazz de indiscretos e passageiros resvalos nas fronteiras do camaleónico Jazz Fusion, condimentado com um delicioso Jazz-Funk de contagiante groove e clima tropical, um sofisticado experimentalismo sem barreiras que o espartilhem e ainda um caleidoscópico Psicadelismo de fragância oriental. De inspirações apontadas a vultosas referências da música Jazz, como Alice Coltrane, Herbie Hancock, Pharaoh Sanders, Sun Ra, John McLaughlin, Soft Machine, Nucleus e Placebo (os belgas liderados pelo pianista Marc Moulin), este talentoso colectivo vagueia entre a harmoniosa convergência e a espalhafatosa divergência instrumentais, resultando num pêndulo que tanto nos eteriza, massaja e eterniza num imperturbável, edénico e adorável pacifismo de salgado sabor a maresia e locomoção onírica, como nos sobreaquece, enlouquece e viaja num alucinante, exótico e empolgante safari de coloração carnavalesca e suor latino pelas frondosas selvas sul americanas. Na composição desta sagrada mescalina que nos imerge no incomensurável universo espiritual, filosófico e sensorial de Aldous Huxley, dialogam entre si toda uma electrónica, quimérica e paranoica profusão de teclados celestiais que cozinham mugidos sónicos, alienígenas e angelicais, um saxofone burlesco de sopros fogosos, esdrúxulos e aparatosos, uma flauta arábica de serpenteios airosos, sedosos e fabulares, uma guitarra ensolarada que suspira meditativos, paradisíacos e imaginativos acordes de onde esvoaçam solos angulosos, efervescentes e lustrosos, um baixo elástico swingado a linhas polposas, encaracoladas e oleosas, e uma bateria tribalista que deambula de forma desprendida e apaixonada por entre pratos cintilantes e flamejantes, e timbalões acrobáticos e galopantes. São 38 minutos de uma explorativa evasão consciencial que tanto nos banha e assanha na borbulhante e incandescente lava de um vulcão, como refresca nas lisérgicas e reconfortantes águas de um oceano azul-turquesa aureolado por um vistoso arco-íris. ‘Jaiyede Sessions Vol. 2’ é um registo verdadeiramente mirífico. Um oásis de afago sensorial e milagrosa luzência que nos bronzeia do primeiro ao último tema. Esta é a minha praia.

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 El Paraiso Records

Review: ⚰️ Høstsol - 'L​ä​nge Leve D​ö​den' (2023) ⚰️

★★★★

Do território escandinavo – o habitat natural do Black Metal – chega-nos o impactante álbum de estreia do supergrupo Høstsol pela mão da editora discográfica italiana Avantgarde Music. Constituído por dois músicos finlandeses, um sueco e um norueguês (integrantes de clássicas e consagradas bandas do subgénero como Shining, Ajattara e Manes), este poderoso quarteto multinacional tem em ‘Länge Leve Döden’ um registo fervido e esporeado a impiedosa, sufocante e sulfurosa negrura que nos atemoriza, lapidifica e profana a alma. Ensombrado por um agressivo, distópico, colérico e opressivo Black Metal de clima infernal e escola tradicional, esta primeira obra de Høstsol capitaneia e naufraga o ouvinte pelas marés de desesperantes, melancólicos, misantrópicos e exasperantes estados de espírito. Deixem-se seduzir e ludibriar pela etérea nebulosidade invernal, de bucólica acalmia e fantasmagoria litúrgica, que nos embacia e eteriza em efémeros vislumbres de aparente lisergia, para logo de seguida e de forma inesperada serem violentamente atacados e incinerados, sem qualquer misericórdia, pela acintosa, turbulenta e impetuosa fogosidade de uma sangrenta e trevosa detonação. De religiosidade eclipsada, semblante esbranquiçado, olhar envidraçado e boquiabertos, somos agredidos, engolidos e mergulhados nas insondáveis e abissais profundezas do paganismo à ciclónica boleia de uma guitarra abrasiva que se eriça em riffs imperiosos, umbrosos e nocivos, um imponente baixo de bafagem monolítica, granítica e fibrosa, uma bombástica bateria escoiçada e metralhada a uma ritmicidade aparatosa, desvairada e vertiginosa, e ainda uma voz dilacerante de rugidos rugosos, cavernosos e urticantes. São 45 minutos efervescidos, maquilhados e locomovidos a uma implacável morbidade que nos estimula e liberta. Uma selvática avalanche de raivosa e eruptiva adrenalina que nos atropela e trucida. Rendam-se e entreguem-se aos sombrios desígnios de Høstsol, e testemunhem todo o demoníaco vigor nórdico de um álbum tremendamente demolidor. ‘Länge Leve Döden’ sairá amanhã à rua – dia 13 de Janeiro – através dos formatos CD, LP e digital. Encarvoem-se e profanem-se nele.

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 Avantgarde Music