Recordo-me de
na Primavera de 2021 ter ficado completamente petrificado e assoberbado pelo álbum ‘Cursed!’
cozinhado pelo adorável duo escocês Lucid Sins (aqui trazido e
reverenciado), e, portanto, foi com um chamejante brilho no olhar que li o anúncio
de um novo álbum a florir este Outono. Quando a espera pelo lançamento de um dos registos – por mim – mais aguardados do ano findou, corri sem medos e demoras para
o interior dos decrépitos e labirínticos bosques de Lucid Sins para
experienciar os seus novos contos maquiavélicos. E se muito deles esperava,
tudo eles me deram. Denominado ‘Dancing in the Dark’, carimbado pelo
selo discográfico francês Totem Cat Records e exteriorizado sob as
formas LP, CD e digital, este terceiro álbum do dueto localizado na cidade
portuária de Glasgow, que conta já com uma década de existência, vem incensado por um outonal, fascinante, tranquilizante
e pastoral Neofolk de orientação pagã entrançado num umbroso, enfeitiçante,
enigmático e charmoso Occult Rock de intrigantes diabruras. Encobertos
por um escuro manto gótico que nos anoitece a alma, escutamos, com inquebrável encanto,
imaginativos contos medievais que ressuscitam velhas lendas que assombravam os
ancestrais, e dançamos, obsessiva e desavergonhadamente, de pés descalços e desnudos corpos transpirados,
à volta de uma fogueira abraçada pelas trevas, cujas intensas lavaredas cospem
endiabradas faúlhas que se convertem em cintilantes astros soterrados no negro
solo cósmico. Uma magia cerimonial que nos seduz e conduz – sonâmbulos – ao
lado eclipsado da religiosidade. Composto por duas mãos repletas de bonitas faixas
de estética rural que transpiram uma serenidade demoníaca, uma graciosidade ritualística
e uma melancolia obscurantista, ‘Dancing in the Dark’ é uma obra de aura
fabular, moldura vintage e arejada a formosura, tricotada a melódica suavidade,
mística obscuridade e hipnótica sensualidade que nos cerca e sufoca de uma profana
doçura. Remexidas no interior de um esverdeado e borbulhante caldeirão em
constante ebulição, gravitam influências como Wishbone Ash, Black
Widow, Witchcraft e Dunbarrow que, quando combinadas,
resultam numa deliciosa sopa sonora. Uma irresistível feitiçaria de natureza Wicca,
soberbamente musicada por uma guitarra sumptuosa de requintados, romanescos, magnificentes e sublimemente detalhados acordes e solos ziguezagueantes, níveos,
filamentosos e deslumbrantes, um aconchegante baixo de sussurrantes, sombreadas,
amaciadas e magnetizantes linhas, uma encantadora bateria tiquetaqueada a
desarmante sensibilidade jazzística, teclados quiméricos, vocais angelicais, luminosos,
sedosos e siderais, um carismático órgão Hammond de polposos, faustosos e
harmoniosos mugidos, e um fresco clarinete de misterioso clima noir que vagueia
livremente à boleia de sopros serpenteantes, dourados e gritantes. O fantástico
artwork que casa na perfeição o visual com o musical aponta os seus
créditos autorais ao inconfundível David V. D’Andrea. Este é um registo imensamente
bonito e cativante que, de forma leve e discreta, nos namora sem moderação. A
venenosa picada de uma serpente que nunca vislumbrámos. O sangrento beijo do
vampiro que nunca encontrámos fora dos nossos sonhos. ‘Dancing in the Dark’
é uma mélica tentação que nos faz tombar as pálpebras, corar as maçãs do rosto
e morder os lábios. O chamamento das trevas onde nos agasalhamos e refugiamos
confortavelmente. Bailem de olhos vendados pelos sombrios e embruxados bosques
de Lucid Sins, e vivenciem com salivante e inapagável fascinação todo este estranho sonho
acordado. Nunca o pecado assentou tão bem em nós.
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