Com vinte e
cinco anos de existência, os suecos Witchcraft ostentam hoje o invejável
estatuto de banda histórica. Depois de um início fulgurante, produtivo e
triunfante, onde a formação nórdica nos presenteou com o lançamento de três
emblemáticos álbuns, imensamente reverenciados, editados num intervalo temporal
de apenas três anos – escrevendo, assim, com incontornável destaque o nome da
banda em letras garrafais na numerosa lista dos herdeiros de Black Sabbath
– que tive o privilégio de experienciar ao vivo no já longínquo verão espanhol
de 2009 durante a inesquecível e saudosa segunda edição do Festival de Rock
y Psicodelia Castell de Guadalest, os druidas Witchcraft mergulharam num inesperado,
estranho e evolutivo processo de desinspiração musical, um conflito de
identidade cujo pináculo foi alcançado com o fabrico do largamente incompreendido
‘Black Metal’ em 2020, semeando um crescente sentimento de desconfiança e
desalento no seio da sua populosa legião de seguidores. É então que a banda,
como que num súbito despertar de uma longa hibernação, reaparece com a promessa
deixada pelo seu líder Magnus Pelander de que o novo álbum que se
avizinhava mostraria o melhor lado de Witchcraft e recuperaria a sua gloriosa
reputação junto dos fãs. E assim aconteceu. ‘Idag’ representa o tão
ansiado regresso às velhas raízes dos suecos e o acordar de uma banda lendária que
passou demasiado tempo à margem das apreciações elogiosas. Com o carimbo da companhia
discográfica romana Heavy Psych Sounds e exteriorizado sob os formatos
LP, CD e digital, este sétimo trabalho da banda originária da cidade de Örebro
é forjado no intenso fogo de um sisudo, denso, tenso e amaldiçoado Proto-Doom
de trevosas ressonâncias Black Sabbath’icas e Pentagram’icas, e posteriormente
arrefecido num pastoral, rústico, acústico e medieval Folk de clima
outonal. Alternando entre malfadadas, intimistas e romancistas baladas de desarmante
beleza gótica e pesadas, fibrosas e umbrosas galopadas de espadas e lanças
empunhadas, ‘Idag’ é um álbum sepulcral, melancólico e escultural, de enfeitiçante
envolvência nocturna, abraçado pelo obscurantismo e marcado pelo ocultismo, que
é tocado à bruxuleante luz das lavaredas dançantes de uma fogueira que deflagra
na negra intimidade da noite, num bosque silencioso e sob o olhar atento de intimidantes
corujas, cujas faúlhas crepitantes, incandescentes e esvoaçantes se perdem e
apagam a caminho da Lua cheia. A sua sonoridade poética, profética e pagã –
repleta de diabruras que nos seduzem e conduzem ao lado eclipsado da
religiosidade – anoitece e estarrece o nosso espírito. Sorumbática, fascinante
e enigmática, esta nova obra de Witchcraft representa tudo aquilo por
que há tanto tantos ansiavam. Um contador de histórias, trovador e conquistador, que, num feitiço inquebrável, nos absorve e comove da primeira à derradeira canção. Bailem compenetrados e de
corpos desnudos e transpirados à irresistível boleia de uma guitarra feiticeira
que se meneia em volumosos, líricos, lamentosos e rugosos riffs de onde
são escoados ácidos, serpenteantes e alucinados solos, um baixo de reverberação
altiva, carrancuda, nervuda e opressiva, uma bateria bailante, ritmada e
provocante de pratos flamejantes e tambores troantes, e uma voz vampírica,
melódica e embruxada de pele pálida, avinagrada e enregelada, cantada em duas línguas
(sueca e inglesa). A portada de ‘Idag’ dá palco à belíssima pintura do
ilustrador sueco John Bauer (1882–1918) denominada “En riddare red
fram”. Comunguem este sacramento de Witchcraft e deixem-se cair na
sua tentação. Este é um ritual que nos incendeia de paixão. Um registo que toca
a perfeição. Reconvertam-se a esta religião.
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