domingo, 29 de abril de 2012

Barroselas e a verdade contestada


Na passada sexta-feira elevei a mochila aos ombros e apanhei o autocarro das 10h30 em direcção a Viana do Castelo. Ainda em sete-rios, atentei numa gaja que também me observava ininterruptamente. A julgar pela roupa (botas pretas de biqueira de aço, leggings também pretas e uma camisola com capuz) e a mochila a abarrotar (ao que a minha assimilação visual arriscou dizer que se tratava de mais roupa), convenci-me de que também estaria a caminho de Barroselas. E estava. Sentou-se no banco à minha frente e pude observar através do reflexo na janela, que estudava um mapa (imprimido do Google Maps) que delineava o trajecto Viana do Castelo – Barroselas. Encorajei-me e abordei-a: perguntando se estava a caminho de Barroselas. Ela disse que sim e perguntou-me (em jeito de afirmação) o mesmo. Eu consenti com um suspiro e um sorriso. Depois seguiu-se toda uma marcha de testemunhos de incursões musicais (as dela maioritariamente a concertos de black e death metal). Esclareci que esse género de música não é um dos meus géneros de eleição e tentei não me alongar para a fase desconfortável em que enumero algumas das minhas bandas favoritas (é que pouca gente conhece). Mas ela recusou o rótulo generalista que usara para descrever o meu universo musical: “quando o psicadelismo dos 60’s e o músculo dos 70’s se juntam, resulta no que verdadeiramente gosto.” – Disse julgando ser o suficiente. Quando isso acontece, falo também em Pink Floyd, Led Zeppelin e Black Sabbath (já que toda a gente conhece). Disse-me também, que uma amiga a esperava em Viana do Castelo. Convidou-me para ir com elas, mas dado que elas tencionavam seguir logo para Barroselas e eu ainda almoçar em Viana, não aceitei. Chegámos a Viana do Castelo por volta das 15h. Numa despedida afável, garantimos encontrar-nos durante o resto do dia no festival. Voltou as costas e seguiu em direcção à estação de comboios e eu, ainda um tanto desnorteado, procurei a entrada do centro comercial para almoçar. Por volta das 16h apanhei o comboio para Barroselas. Numa curta viagem de 15, 20 min deliciei-me com a ambiência que paralelamente acompanhava o progresso do comboio, e que por muito pouco não passava pela estação de Barroselas com a mesma satisfação que me embriagara a atenção. Ufa, Barroselas. Uma pequena vila com 4 mil habitantes (mas que deveriam estar todos em casa, pois não se via ninguém e a vila estava estranhamente (?) calma para uma tarde de sexta-feira). Benditas as placas de orientação do festival que me afunilaram até ao recinto. Pelo caminho ainda fui abordado por meia dúzia de crianças que brincavam numa escola primária. “Metaleiro” – gritavam elas com entusiasmo enquanto agarravam a vedação metálica do recinto escolar. Sorri-lhes e segui (não, não pensei sequer em explicar-lhes o que verdadeiramente me faz abanar os cabelos e dançar de olhos fechados). Depois de uma caminhada solitária por metade (?) da vila, eis que ouço os primeiros grunhidos. Quando lá cheguei, arrepiei-me só de pensar no frio que se ia abater durante a noite. Cercado de uma floresta repleta de eucaliptos e tendas, comecei a explorar o melhor sítio para ancorar também a minha tenda. Depois de tudo arrumado e montado, suspirei “odeio acampar!”. De seguida, caminhei até ao núcleo do festival para comprar o bilhete diário. Dei por mim no meio de tribos da vertente mais negra da música, vestindo camisolas e coletes fustigados de etiquetas de bandas da obscuridade do metal. Completamente imune aos olhares, vestindo uma camisola de Samsara Blues Experiment, procurei ambientar-me ainda ao espaço. Eram muitos os que olhavam a minha camisola e se perguntavam a si mesmos que raio de banda era aquela! Ainda me ri de alguns (muitos) personagens que sentem o que ouvem de forma… ridícula! Em manifestações corporais e grunhidos – julgando invocar o demónio – tentavam impressionar os presentes. Quanto ao demónio não sei, mas se alguém com pulseiras de picos, uma camisola de Cradle of Filth, um pentagrama metálico no peito, o cabelo esticado e alguma maquilhagem facial me chamasse, não conseguiria manter a postura séria a receptiva. Do cartaz de sexta-feira, conhecia apenas Candlemass. Quanto às restantes bandas, pareciam-me escrituras em mandarim. Regressei à tenda - já com a pulseira – e invoquei o demónio à minha maneira: bebendo Gordon’s Gin. E pelos vistos, consegui mesmo chamar a atenção do demónio, pois o que se seguiu entre as 19h e as 02h de pouca coisa me recordo. Pelo meio, algumas cervejas com pessoal conhecido, conversa com a tal gaja que conheci na viagem, a companhia da minha ex-namorada ao meu lado, as mãos esmurradas (?), uma peregrinação ébria por Barroselas e um telemóvel perdido. Acordei na manhã seguinte (sábado) com a consciência a latejar e com um facto contestado pela última vez: não vou “à bola” com death, black metal. Durante o dia despedi-me da minha ex-namorada (que havia ficado por lá) e dos meus vizinhos do acampamento. Voltei a elevar a mochila aos ombros e regressei a casa, onde fui presenteado com um abraço reconfortante da família, um belo frango assado, lareira acesa, cama quentinha e The Flying Eyes ao vivo no Rockpalast.

Quando se voa tão alto e alcança visões celestiais, é impossível ver o solo do abismo.    

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