Na passada sexta-feira elevei a
mochila aos ombros e apanhei o autocarro das 10h30 em direcção a Viana do
Castelo. Ainda em sete-rios, atentei numa gaja que também me observava
ininterruptamente. A julgar pela roupa (botas pretas de biqueira de aço, leggings
também pretas e uma camisola com capuz) e a mochila a abarrotar (ao que a minha
assimilação visual arriscou dizer que se tratava de mais roupa), convenci-me de
que também estaria a caminho de Barroselas. E estava. Sentou-se no banco à
minha frente e pude observar através do reflexo na janela, que estudava um mapa
(imprimido do Google Maps) que delineava o trajecto Viana do Castelo –
Barroselas. Encorajei-me e abordei-a: perguntando se estava a caminho de
Barroselas. Ela disse que sim e perguntou-me (em jeito de afirmação) o mesmo.
Eu consenti com um suspiro e um sorriso. Depois seguiu-se toda uma marcha de
testemunhos de incursões musicais (as dela maioritariamente a concertos de
black e death metal). Esclareci que esse género de música não é um dos meus géneros
de eleição e tentei não me alongar para a fase desconfortável em que enumero
algumas das minhas bandas favoritas (é que pouca gente conhece). Mas ela
recusou o rótulo generalista que usara para descrever o meu universo musical:
“quando o psicadelismo dos 60’s e o músculo dos 70’s se juntam, resulta no que
verdadeiramente gosto.” – Disse julgando ser o suficiente. Quando isso
acontece, falo também em Pink Floyd, Led Zeppelin e Black Sabbath (já que toda
a gente conhece). Disse-me também, que uma amiga a esperava em Viana do
Castelo. Convidou-me para ir com elas, mas dado que elas tencionavam seguir
logo para Barroselas e eu ainda almoçar em Viana, não aceitei. Chegámos a Viana
do Castelo por volta das 15h. Numa despedida afável, garantimos encontrar-nos
durante o resto do dia no festival. Voltou as costas e seguiu em direcção à
estação de comboios e eu, ainda um tanto desnorteado, procurei a entrada do
centro comercial para almoçar. Por volta das 16h apanhei o comboio para
Barroselas. Numa curta viagem de 15, 20 min deliciei-me com a ambiência que
paralelamente acompanhava o progresso do comboio, e que por muito pouco não
passava pela estação de Barroselas com a mesma satisfação que me embriagara a
atenção. Ufa, Barroselas. Uma pequena vila com 4 mil habitantes (mas que
deveriam estar todos em casa, pois não se via ninguém e a vila estava
estranhamente (?) calma para uma tarde de sexta-feira). Benditas as placas de
orientação do festival que me afunilaram até ao recinto. Pelo caminho ainda fui
abordado por meia dúzia de crianças que brincavam numa escola primária.
“Metaleiro” – gritavam elas com entusiasmo enquanto agarravam a vedação
metálica do recinto escolar. Sorri-lhes e segui (não, não pensei sequer em
explicar-lhes o que verdadeiramente me faz abanar os cabelos e dançar de olhos
fechados). Depois de uma caminhada solitária por metade (?) da vila, eis que
ouço os primeiros grunhidos. Quando lá cheguei, arrepiei-me só de pensar no
frio que se ia abater durante a noite. Cercado de uma floresta repleta de
eucaliptos e tendas, comecei a explorar o melhor sítio para ancorar também a
minha tenda. Depois de tudo arrumado e montado, suspirei “odeio acampar!”. De
seguida, caminhei até ao núcleo do festival para comprar o bilhete diário. Dei
por mim no meio de tribos da vertente mais negra da música, vestindo camisolas
e coletes fustigados de etiquetas de bandas da obscuridade do metal. Completamente
imune aos olhares, vestindo uma camisola de Samsara Blues Experiment, procurei
ambientar-me ainda ao espaço. Eram muitos os que olhavam a minha camisola e se
perguntavam a si mesmos que raio de banda era aquela! Ainda me ri de alguns
(muitos) personagens que sentem o que ouvem de forma… ridícula! Em
manifestações corporais e grunhidos – julgando invocar o demónio – tentavam
impressionar os presentes. Quanto ao demónio não sei, mas se alguém com
pulseiras de picos, uma camisola de Cradle of Filth, um pentagrama metálico no
peito, o cabelo esticado e alguma maquilhagem facial me chamasse, não
conseguiria manter a postura séria a receptiva. Do cartaz de sexta-feira,
conhecia apenas Candlemass. Quanto às restantes bandas, pareciam-me escrituras
em mandarim. Regressei à tenda - já com a pulseira – e invoquei o demónio à
minha maneira: bebendo Gordon’s Gin. E pelos vistos, consegui mesmo chamar a
atenção do demónio, pois o que se seguiu entre as 19h e as 02h de pouca coisa
me recordo. Pelo meio, algumas cervejas com pessoal conhecido, conversa com a
tal gaja que conheci na viagem, a companhia da minha ex-namorada ao meu lado, as
mãos esmurradas (?), uma peregrinação ébria por Barroselas e um telemóvel
perdido. Acordei na manhã seguinte (sábado) com a consciência a latejar e com
um facto contestado pela última vez: não vou “à bola” com death, black metal.
Durante o dia despedi-me da minha ex-namorada (que havia ficado por lá) e dos
meus vizinhos do acampamento. Voltei a elevar a mochila aos ombros e regressei
a casa, onde fui presenteado com um abraço reconfortante da família, um belo
frango assado, lareira acesa, cama quentinha e The Flying Eyes ao vivo no
Rockpalast.
Quando se voa tão alto e alcança
visões celestiais, é impossível ver o solo do abismo.
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