Review: ⚡ Earthless - 'Night Parade Of One Hundred Demons' (2022) ⚡

★★★★

Inspirado num livro japonês de crónicas fantasmagóricas intitulado “Gazu Hyakki Yagyō ou “The Illustrated Night Parade of a Hundred Demons” (escrito por Toriyama Sekien e originalmente publicado em 1776) que o baixista Mike Eginton lera ao seu jovem filho (que nutre um particular fascínio por monstros míticos), e onde é descrita a procissão de criaturas sobrenaturais que visitam e aterrorizam aldeias japonesas, ceifando a vida de quem os vislumbra ou arrastando aldeões desafortunados para o âmago do mundo espiritual, este novo álbum forjado pelo titânico tridente californiano Earthless – oficialmente lançado hoje mesmo com o carimbo da influente companhia discográfica independente Nuclear Blast através dos formatos físicos de CD e vinil – representa o tão ansiado e triunfante regresso de uma das bandas mais acarinhadas e respeitadas do psicadelismo contemporâneo. Replicando a fórmula ganhadora que os celebrizara, Night Parade Of One Hundred Demons’ vem assombrado e compartimentado por três longas jams de índole instrumental onde fervilha um intoxicante, catártico, sónico e electrizante Heavy Psych de propensão cósmica. Desenraizando o ouvinte do abraço gravitacional que conserva a consciência terrestre e embalando-o na redentora vertigem pelas abissais profundezas do negro tecido sideral – driblando solitários planetas, montando chamejantes meteoroides e penetrando a rutilante incandescência de fornalhas estelares – a viajante, alucinada, centrifugada e embriagante sonoridade deste novíssimo registo de Earthless adultera as coordenadas do espaço-tempo. Não se deixem iludir pelas especiarias etéreas que condimentam e climatizam a branda e nirvânica balada Surf de brilho oceânico e odor a maresia (a fazer recordar os já históricos surf-rockers californianos The Mermen) que principia esta fantástica odisseia extraplanetária, pois ‘Night Parade Of One Hundred Demons’ prontamente envereda – ainda que de forma discreta e evolutiva – num trepidante, caleidoscópico, narcótico e delirante bacanal de essência ritualista e toxicidade a perder de vista com cerca de uns imersivos 60 minutos de duração. Sorvidos e revolvidos nesta psicotrópica efervescência, somos enlouquecidos pela virulenta extravagância da virtuosa guitarra de Isaiah Mitchell ao serviço de provocantes, majestosos, libidinosos e intrigantes Riffs sintonizados nas frequências dos britânicos Black Sabbath ou dos nipónicos Blues Creation, estriados por um enxame de ácidos, elásticos, insanos e bombásticos solos conduzidos furiosamente em contramão, que homenageiam incontornáveis divindades das seis cordas como Jimi Hendrix ou o argentino Pappo, baloiçados pela quente reverberação de um pesado baixo motorizado a empoladas, fibróticas, magnéticas e torneadas linhas superiormente desenhadas pelo Mike Eginton, e vibrados pela bateria em polvorosa do endiabrado Mario Rubalcaba que – com as baquetas em chamas – arranca numa frenética cavalgada esporeada a alta rotação. De distender elogios ainda ao vincado e detalhado artwork – produzido pelo próprio baixista Mike Eginton – que combina toda uma pluralidade de folclore japonês. ‘Night Parade Of One Hundred Demons’ é uma autêntica montanha-russa que nos faz rasgar as vestes da lucidez e surfar um mastodôntico tsunami de endorfinas. Embarquem nesta épica viagem de efeito desorientador à boa e velha moda de Earthless, e vivenciem com intenso e ardente entusiasmo toda a estonteante propulsão daquele que será seguramente um dos grandes discos do ano.

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 Nuclear Blast

Review: ⚡ Rude Skøtt Osborn Trio - 'The Virtue of Temperance' (2022) ⚡

★★★★

Depois de apresentados dois álbuns em 2020 – ‘The Discipline of Assent’ e ‘The Dichotomy of Control’ – o duo nórdico Martin Rude (Sun River) & Jakob Skøtt (Causa Sui) acaba de metamorfosear a sua constituição para o formato de trio (contando para esse efeito com o acréscimo da talentosa saxofonista, flautista e compositora de origem britânica Tamar Osborn) e o resultado audível desta tão frutífera e promissora parceria intitulada Rude Skøtt Osborn Trio não poderia ser mais do meu agrado. Oficialmente lançado pela mão do insuspeito selo discográfico dinamarquês El Paraiso Records (casa-mãe dos famigerados Causa Sui) através dos formatos LP (este limitado a uma prensagem de apenas 750 cópias físicas) e digital (nas extensões MP3 e FLAC), ‘The Virtue of Temperance’ vem impregnado numa balsâmica, mística, embriagante e exótica fragância onde se envaidece e embevece um profético, deslumbrante, inebriante e experimental Modal Jazz de composição virtuosa e radiância estival, que tão bem combina a clássica veia de endeusados padroeiros do género como Miles Davis, John Coltrane e Herbie Hancock, e um vincado cunho pessoal que lhe confere uma estética mais paisagista, sofisticada e actual. Contando ainda com as comparências de um ritmado, contagiante, dançante e adocicado Jazz-Funk de trote tribalista e aroma tropical, e de um nirvânico, oriental, sideral e onírico Folk de tempero etéreo e ambiental, a estimulante, prismática e messiânica sonoridade deste simbiótico trio desdobra-se num imersivo, singular e explorativo safari jazzístico – cadenciado por um embalante, magnético e viciante groove – que embalsama o ouvinte num enfeitiçante ritual impossível de ser quebrado. Superiormente tricotado por um contrabaixo elástico de linhas ondeantes, fluídas, inchadas e pulsantes que soletra repetidamente o riff-base, uma bateria soberbamente circense que espalha desarmante maestria pelos acrobáticos, galopantes e enfáticos timbalões e pratos tilintantes, abrasivos e cintilantes, um serpenteante saxofone de sopros garridos, trepidantes, coloridos e mirabolantes que desbrava caminho pela arborizada selva, uma flauta transversal fabular de frescas, arejadas, aveludadas e principescas melodias, e ainda uma guitarra poetisa de lustrosos, desatados, perfumados e harmoniosos acordes – escalados com vistosa perícia e transbordante sentimento – este magistral ‘The Virtue of Temperance’ vem oxigenado por uma ambiência ataráxica que nos mantém em órbita de um imperturbável estádio de pleno bem-estar. Refastelados neste balsâmico oásis, somos mergulhados nas profundezas da inescapável fascinação. Percam-se nos labirínticos meandros de uma cativante teia sonora tecida a pitoresca destreza arquitectónica, encontrem-se por entre as verdejantes, sublimadas e tranquilizantes planícies beijadas e massajadas pelo Sol poente, e velejem à boleia de toda esta criativa improvisação instrumental de consagração espiritual. Esta é a banda-sonora perfeita para emoldurar finais de tarde solarengos. Maravilhem-se e bronzeiem-se na sua sagrada radiância.

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 El Paraiso Records
 SoundCloud

Review: ⚡ Space Coke - 'Lunacy' (2022) ⚡

★★★★

Da cidade costeira de Savannah (situada no estado americano da Geórgia) chega-nos ‘Lunacy’, o novíssimo álbum do irreverente quarteto Space Coke, recentemente lançado pela mão da Forbidden Place Records através do formato digital (com a possibilidade de download gratuito) e de uma ultra-limitada edição em CD-R (que conta com apenas 100 exemplares disponíveis). Enegrecido, chamejado e esconjurado por um trovejante, nebuloso, trevoso e intoxicante Psychedelic Doom de carregadas feições em perfeita simbiose com um demoníaco, enigmático, sorumbático e imperioso Proto-Metal de pagã liturgia Black Sabbath’ica, este ritualístico ‘Lunacy’ prende, remexe e enlouquece o ouvinte numa febril psicose. A sua sonoridade vampírica, fogosa, umbrosa e distópica – tingida a e fervida a efervescente negrura – agiganta-se e centrifuga-se num mastodôntico tsunami que nos varre a lucidez e em nós instaura toda uma intensa e furiosa embriaguez. Naufragados na intimidade de uma inescapável narcose, somos manchados, sacudidos e enlutados pelas luciféricas ressonâncias emanadas por uma guitarra profana de rosnantes, rugosos, majestosos e intoxicantes Riffs – consumidos pelo crepitante efeito Fuzz, e que se replicam o suficiente para nos absorver numa enfeitiçante hipnose – e borbulhantes, fantasmagóricos, claustrofóbicos e alucinante solos que se remoinham numa louca dança, um monolítico baixo de linhas densas, espadaúdas, musculadas e tensas, uma pujante bateria pregueada a altiva, incisiva e galopante ritmicidade, um dramático órgão de mugidos intrigantes, enfáticos, magnéticos e arrepiantes, e ainda uma voz robotizada, perversa, tumular e acidentada que vem à tona desta imersiva cerimónia de adoração ocultista para nos narrar envolventes contos de uma sociedade doentia, arbitrária e disfuncional. Este é um álbum verdadeiramente virulento, diabólico e obsceno. Um registo oxigenado a devassidão que nos contamina e amotina do primeiro ao derradeiro tema. Emporcalhem-se e tumultuem-se na lodosa, corrosiva e acintosa negrura de Space Coke, e vivenciem com plena entrega toda a vertiginosa propulsão e vistosa conflagração ao longo destes incansáveis, impudicos e indomáveis 40 minutos de duração. Não vai ser nada fácil recuperar disto.

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 Forbidden Place Records

Review: ⚡ Frozen Planet 1969 - 'Not From 1969' (2022) ⚡

★★★★

Os experientes cosmonautas australianos Frozen Planet 1969 acabam de estrear um novo capítulo da sua inesgotável odisseia pela vacuidade sideral. Com quase duas mãos cheias de álbuns, este tridente com base espacial localizada em Sidney – que faz da improvisação instrumental, a sua ganhadora fórmula de produção – acaba de lançar o novíssimo ‘Not From 1969’ sob a forma digital e CD (pela mão do selo discográfico local Pepper Shaker Records) e ainda numa ultra-limitada edição em formato vinil com o carimbo da editora holandesa HeadSpin Records. Replicando a receita musical usada na confecção dos registos que o antecedem, ‘Not From 1969’ vem gravitado e oxigenado por um delirado, circundante, contagiante e arejado Heavy Psych com vista para o cosmos, e ao qual foram acrescentados alguns elementos discretos, mas inovadores, de um viajante, meditativo e lenitivo Krautrock de fragância oriental, um ritmado, colorido e dançante Funk de clima tropical, e ainda uma condimentada, estimulante e rendilhada aura Jazzística de eloquente composição experimental. Compartimentado em três longas jam’s intuitivas, psicotrópicas e evolutivas que desenraízam o ouvinte da gravidade terrestre e o catapultam para o inóspito negrume da intimidade cósmica, este nono registo de longa duração é norteado por um escapismo futurista – de essência fantasista – que nos prende num extasiante estádio de edénico sonambulismo e acende o olhar com uma enfeitiçada e inapagável expressão sonhadora. De corpo bamboleante à boleia de uma dialogante simbiose entre os três instrumentos-reis, somos eclipsados, adormecidos e naufragados numa emancipadora, embriagante e desorientadora viagem de afago sensorial. Percam-se e encontrem-se pelos meandros deste sonho acordado onde entoam e ecoam uma guitarra exploratória de ácidos, derrapantes, florescentes e intermináveis solos de toxicidade a perder de vista, um baixo elástico – de linhas carnudas, ondeantes, flutuante e empoladas – que murmura hipnoticamente o riff-base num loop absorvente, e uma bateria desembaraçada de ritmicidade leve, lampejante, absorta e relaxada que pauta toda esta quimérica atmosfera. ‘Not From 1969’ é um disco embebido num lisérgico magnetismo – de beleza reflexiva – que nos soterra nas vertiginosas funduras da introspecção. Deixem-se canalizar e embalar nesta nirvânica espiral, e disfrutem de todas as fantásticas paisagens pinceladas no nosso imaginário pelas prismáticas, morfínicas e intergalácticas jam’s deste xamânico power-trio australiano.

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 HeadSpin Records
 Pepper Shaker Records

Review: ⚡ Supersonic Blues - 'It's Heavy' (2022) ⚡

★★★★

Desenganem-se todos aqueles que acham que este álbum fora gravado de forma analógica e produção lo-fi numa decrépita e húmida cave situada algures no final dos 60’s / início dos 70’s, e por lá ficara esquecido – a ganhar bolor e um nauseabundo odor durante meio século – para só agora sair à rua com roupas datadas, cabelos desgrenhados e olhares esfomeados. ‘It’s Heavy’ é o portentoso disco de estreia dos jovens holandeses Supersonic Blues – tridente sediado na cidade costeira de Haia e que nutre uma indiscreta e doentia obsessão pelo lado mais raro e obscuro da velha música Rock forjada nas douradas décadas de 1960 e 1970 – oficialmente lançado hoje mesmo pela mão da companhia discográfica germânica Who Can You Trust? Records através do formato digital e de uma ultra-limitada edição em vinil (apenas 300 exemplares disponíveis para venda). Tal como o nome de baptismo da banda e o título do seu respectivo álbum assim o sugerem, este primeiro trabalho de Supersonic Blues vem fervido por um fogoso, pesado, gaseificado e libidinoso Heavy Blues hasteado à boa moda de Blue Cheer ou Cream, centrifugado por um delirante, caleidoscópico, exótico e vibrante Psychedelic Rock de coloração Jimi Hendrix’eana e groove Grand Funk Railroad’eano, e ainda obscurecido por um encarvoado, intrigante, dominante e amaldiçoado Proto-Doom a fazer recordar os primórdios dos britânicos Black Sabbath ou Wicked Lady. A sua sonoridade destemperada, poluída e desmaquilhada – de plena vocação vintage – espelha toda uma crueza, imponência, ardência e rudeza que não deixará ninguém recostado à indiferença. Na composição deste barulhento e fumegante vulcão em efervescente erupção perfilam-se uma guitarra polposa – gaseificada pela suja e corrosiva distorção Fuzz – que se agiganta em Riffs rochosos, dançantes e montanhosos, e derrapa em solos gritantes, sinuosos e alucinantes, um baixo musculoso de reverberação obesa, fibrótica e coesa, uma bateria estimulante de galope incessante, firme e triunfante, e ainda uma voz ácida, esbranquiçada e fantasmagórica que sobrevoa as bailantes lavaredas de toda esta vivaz e mordaz incandescência. ‘It’s Heavy’ é um álbum verdadeiramente enrugado, saturado, genuíno e ritmado que me preenchera as medidas. Deixem-se empoeirar, sobreaquecer e contagiar pelas psicotrópicas ressonâncias – de balanço boogie e forte fragância retro – pesadamente bafejadas por este tão promissor power-trio holandês, e balanceiem os vossos corpos embriagados à atordoante boleia de um álbum que resvala nas costuras fronteiriças da perfeição. O ano musical de 2022 não poderia estrear-se de melhor forma, ou não fosse eu um intratável apaixonado por bandas contemporâneas que conjugam a sua sonoridade no pretérito.

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 Who Can You Trust? Records

Review: ⚡ Farflung - '25,000 Feet Per Second' (1995/2022) ⚡

★★★★

Primeiramente lançado no já remoto ano de 1995 sob a exclusiva forma de CD, 25,000 Feet Per Second’ – o carismático álbum de estreia dos Space Rockers californianos Farflung – é agora premiado com uma segunda vida. Como presente comemorativo do seu 25º aniversário, o influente selo discográfico germânico Sulatron Records decidira reeditá-lo pela primeira vez em vinil – numa apelativa edição translúcida, ultra-limitada a 500 cópias físicas – e formato digital (com código de download gratuito anexado a cada um dos LPs). Com um viajante, alucinógeno e incitante Space Rock de sotaque Hawkwind’eano e aventurosos roteiros astronómicos, um borbulhante, caleidoscópico e vibrante Psychedelic Rock de colorida acidez sessentista e ainda um excitante, ritmado e trepidante Punk Rock pontapeado a moderadas rotações misturados e afogueados na válvula de ignição, este foguetão chamado ’25,000 Feet Per Second’ impulsiona o ouvinte para uma enlouquecedora, vertiginosa e transformadora sucção cósmica a trote de um asteroide em chamas que rasga o enlutado, acetinado e desdobrável tecido cósmico. Contando ainda com uma suave brisa de misticismo electrónico que climatiza toda a sua atmosfera alienígena, este primeiro registo do afamado colectivo enraizado na cidade de Los Angeles oferece uma fantástica, cinematográfica e memorável odisseia Stanley Kubrick’eana – na senda de 2001: A Space Odyssey (1968) – que nos confere uma sónica evasão consciencial e todo um ofuscante transe espiritual. Deixem-se diluir e imergir na enigmática ambiência de Farflung à enfeitiçante boleia de guitarras intoxicantes que conduzem riffs ardentes, efervescentes e propulsivos, um baixo hipnótico de reverberação pulsante, fibrosa e baloiçante, uma bateria expressiva – locomovida a velocidades contrastantes – de cadências tanto velozes e incisivas, quanto morosas e lenitivas, uma voz robótica de pele espectral, sideral e ecoante, e ainda um fantasmagórico sintetizador de indagações espaciais que ausculta e exorciza os astros. A fabulosa ilustração, que tão bem caracteriza no universo visual tudo aquilo que a sonoridade de Farflung encerra, fora fielmente retirada da capa do clássico livro de ficção científica “The World That Couldn't Be” pertencente ao escritor americano Clifford Donald Simak (1904 – 1988).’25,000 Feet Per Second’ é um disco de ingestão obrigatória a todos os amantes do género. Um verdadeiro mergulho nas profundezas abissais do oceano cósmico, virando as costas à realidade e deixando para trás o planeta Terra.

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 Sulatron Records