segunda-feira, 30 de maio de 2022

Review: 🦄 Soft Ffog - 'Soft Ffog' (2022) 🦄

★★★★

É proveniente da Noruega que acaba de dar à costa aquele que é – até à presente data – o meu álbum favorito de 2022. De denominação homónima e oficialmente lançado pela recém-formada companhia discográfica norueguesa Is It Jazz? Records (este é, de resto, o primeiríssimo registo editado pelo jovem selo) através dos formatos LP, CD e digital, este fabuloso álbum de estreia do virtuoso quarteto escandinavo Soft Ffog tricota um celestial, matemático, entusiástico e piramidal Jazz Fusion (ornamentado com vistosos adereços Avant-garde) de mãos dadas a um nevrálgico, nervudo, sisudo e apoteótico Prog Rock de imperiosos empolamentos. Deslindada de um labiríntico novelo onde se enfileiram desafiantes, impressionantes e audaciosas composições, a inventiva, extravagante, opulenta e expansiva sonoridade de ‘Soft Ffog’ pendula entre nirvânicas paisagens de arejada, miraculosa e orvalhada acalmia (ensolaradas a um brilho diamantino e condimentadas com cheirosas especiarias Canterbury’escas) e turbulentos sismos de grande magnitude que acordam e agigantam monstruosos, fibrosos e demolidores tsunamis de endorfinas. Munidos de um vastíssimo leque de influências – como por exemplo King Crimson, Soft Machine, Deep Purple, Nucleus, Pat Metheny, Terje Rypdal e Return to Forever – estes quatro discípulos do Jazz brindam o ouvinte com uma sumptuosa, esdrúxula e aparatosa sinergia que o manterá firmemente atrelado a esta consumada obra-prima do primeiro ao derradeiro tema. Surfado por uma sofisticada guitarra que se enrijece, dilata e enegrece em Riffs excepcionais, enfeitiçantes, galvanizantes e esculturais, e se endoidece nos alucinantes rabiscos de solos ziguezagueantes, trepidantes, abstractos e cerebrais, sombreado por um baixo retorcido de linhas elásticas, pululantes, trovejantes e magnéticas, açoitado por uma bateria verdadeiramente sensacional de chamejantes baquetas a domesticar todo um fervoroso, selvático, ciclónico e vertiginoso bacanal, e sublimado por um mágico sintetizador de serpenteios enleantes e melodias refrescantes, etéreas, fabulares e embriagantes, ‘Soft Ffog’ é um álbum autenticamente fenomenal que tanto me faz desmaiar prazerosamente numa onírica e enleante letargia, como sobreaquecer e implodir numa espasmódica e eruptiva euforia. Petrificados e embalados numa perpétua escadaria percorrida em espiral, que nos conduz vertiginosamente pelos artifícios de uma atordoante montanha-russa, somos resvalados pelas costuras fronteiriças da insanidade. Este é um álbum seráfico e titânico, onde um violento caos superiormente domado coabita com uma gentil finura acolchoada a quimérica ternura. Alcanço o final deste imaculado registo completamente esgotado e derrotado pela sua mastodôntica altivez. Percam-se e encontrem-se nele.

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 Is It Jazz? Records

Review: ☥ Peth - 'Merchant of Death' (2022) ☥

★★★★

Com o epicentro localizado na cidade de Jonestown (Texas, EUA), chegam-nos as densas, tensas e trevosas ressonâncias detonadas pela impiedosa estreia da recém-formada banda Peth. Designado ‘Merchant Of Death’ e lançado hoje mesmo através da companhia discográfica italiana Electric Valley Records nos formatos LP e digital, este primeiro álbum do jovem quarteto texano vem encarvoado, consumido e demonizado por um montanhoso, ocultista, ritualista e fogoso Proto-Doom de arrepiantes ecos Black Sabbath’icos, Pentagram’icos e Wicked Lady’eanos, um excitante, venenoso, furioso e atordoante Heavy Psych locomovido e efervescido à boa moda de Sweat Lodge, Petyr e Ball, e ainda um elaborado, arenoso, lustroso e oleado Hard Rock de indiscreta evocação setentista que aponta influências a Wishbone Ash, ZZ Top e White Dog. A sua sonoridade electrizante, enfeitiçante, perversa e intoxicante – distorcida a um crepitante, vulcânico e faiscante Fuzz – sobrevoa, num bater de asa buliçoso e com olhar inquisidor, os oito temas que compõem o disco. São 40 minutos motorizados por um intenso e vibrante deslumbramento luciférico que prontamente nos converte em seus devotos discípulos. Mumificados e aprisionados num sarcófago, somos arremessados para o abismo do lado eclipsado da religiosidade e ceifados pelas fantasmagóricas diabruras de duas guitarras Iommi’escas e siamesas que se agigantam em rochosos, mastodônticos, espadaúdos e umbrosos Riffs de onde são desaguados e centrifugados solos ácidos, ziguezagueantes, trepidantes e alucinados, pelo ardente e palpável bafo de um fibroso baixo bombeado a linhas pujantes, coesas, magnéticas e serpenteantes, pelo incansável galope de uma fogosa bateria açoitada a um ritmo incessante, desembaraçado, desenfreado e empolgante, e ainda pelos intrigantes vocais Ozzy’escos que se bifurcam em tonalidades azedas, vampíricas e esbranquiçadas e outras bolorentas, cadavéricas e urticantes. De destacar ainda a inesperada presença de uma versão cover da inquietante “Run the Night” (originária dos clássicos britânicos Wicked Lady) superiormente interpretada pela turma texana. É à sombra do hieróglifo egípcio Ankh que estes mercantilistas da morte hasteiam toda uma sísmica, selvática e litúrgica magia negra de preces encaminhadas para as divindades pagãs. De empoeiradas texanas calçadas, chapéus de aba larga poisados nas cabeças baloiçantes e cervejas Lone Star ao alto, juntem-se ao exorcizante ritual de Peth. Um dos meus álbuns favoritos do ano está aqui, na fervilhante, virulenta e provocante fuligem de ‘Merchant of Death’. Revolvam-se e profanem-se nele.

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 Electric Valley Records

Review: ⛧ Moura - 'Axexan, espreitan' (2022) ⛧

★★★★

Depois do insanável impacto que o homónimo álbum de estreia tivera em mim (descrição do evento aqui), devo admitir que fora com transbordante entusiamo que recebera em mãos o novíssimo álbum do sexteto espanhol Moura, batizado de Axexan, espreitan’, e que tem o seu lançamento oficial calendarizado para o dia de amanhã através dos formatos LP, CD, cassete e digital com o insuspeito carimbo editorial da Spinda Records. Reavivando crenças, costumes e ritos ancestrais da velha Galícia, este segundo álbum do criativo e maturado colectivo localizado no extremo norte de Espanha vem orvalhado e embruxado por um rico sortido sonoro de onde facilmente se apalada um sonhador, novelesco e trovador Folk de raiz tradicional, um bailante, quimérico e deslumbrante Progressive Rock de traje medieval, um druídico, colorido e caleidoscópico Psychedelic Rock de clima estival e ainda um anestésico, absorvente e sidérico Krautrock de afago sensorial. Conduzidos, incensados e seduzidos pelas envolventes narrativas que habitam os oito temas do disco, somos submersos no borbulhante caldeirão de Moura onde ferve todo um revivalista Folclore trazido de tempos imemoriais, caídos há muito em desuso. Com vista a revitalizar a preciosa herança popular da Galícia anciã, Moura desenterra e principia toda uma transformadora, intrigante e embriagante profusão de mágicos rituais Wicca que nos aprisionam num hipnotismo mesmérico de espectral docilidade e fantasmagoria bruxuleante. Na erudita caligrafia musical de ‘Axexan, espreitan’ vive uma purificante, minuciosa e cativante diversidade instrumental de onde sobressaem os cerimoniais, populosos e lustrosos coros vocais – entoados na sua língua nativa – de tonalidades desiguais, os ousados bailados das guitarras pagãs que se embandeiram em majestosos Riffs e efervescem em ácidos solos de tintura psicadélica, os esvoaçantes mugidos nasalados pelos virtuosos teclados, os uivos ziguezagueantes de um principesco violino, as quentes reverberações de um baixo protuberante e as jazzísticas incursões de uma bateria habilidosa aliada a uma percussão tribalista. São 41 minutos orlados por uma deífica luzência rolhada que nos desconexa da realidade e dissolve numa devota cerimónia ocultista. Uma fumarenta liturgia xamânica lavrada a espirituosas composições de beleza fabular que farão salivar o mais exigente dos ouvintes. Um feliz matrimónio entre a heterogeneidade dos temas e a ofuscante qualidade que lhes é transversal. Depois de comungados e imoderadamente reverenciados estes dois maravilhosos álbuns de Moura, estou já de olhos postos na sua tão ansiada estreia ao vivo em território português, que terá lugar no emblemático festival SonicBlast. Até lá, repetidas romarias ao sagrado altar de Axexan, espreitan’ serão cumpridas.

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 Spinda Records

Review: 🎪 G.O.L.E.M. - 'Gravitational Objects of Light, Energy and Mysticism' (2022) 🎪

★★★★

Da bela ItáliaShangri-La, aos meus ouvidos, do mais refinado Progressive Rock florescido no frondoso jardim setentista – chega-nos a sumptuosa e auspiciosa estreia do quinteto G.O.L.E.M. (acrónimo de Gravitational Objects of Light, Energy and Mysticism), através dos formatos LP, CD e digital pela mão do selo independente local Black Widow Records. De olhos postos em emblemáticas influências autóctones – como Premiata Forneria Marconi, Banco del Mutuo Soccorso, Le Orme e Museo Rosenbach – e içados na longínqua direcção de incontornáveis referências britânicas do género – como Deep Purple, King Crimson, Genesis e Gentle Giant –, esta promissora banda sediada no norte de Itália descortina um exuberante, pomposo, glorioso e intrigante Prog Rock de essência clássica em simbiótica consonância com um musculoso, lubrificado, adornado e charmoso Hard Rock de brilho vintage. A sua sonoridade teatral, dourada, empolada e tradicional – de desafiante composição orquestral – hasteia-se e galanteia-se com ostentosa candura e cheirosa frescura, deixando o ouvinte embalsamado num inquebrável estádio de intensa fascinação. São 44 minutos aureolados por um melódico, deslumbrante, inquietante e quimérico requinte raiado por toda uma mágica profusão de dramáticos, poéticos, enfáticos e opulentos teclados rodopiados em esvoaçantes bailados e embrumados pela fantasmagoria electrónica, uma voz caramelizada, gentil e acetinada – de tonalidade melódica e entoação aristocrática – que se pavoneia com irresistível distinção, um baixo baloiçante de linhas fibrosas, majestosas e pulsantes, e uma bateria jazzística embalada a altiva destreza e inventiva subtileza. Este é um álbum verdadeiramente preclaro, sublime e comovente – de natureza mística e fabular – que me envolvera, revolvera e conquistara de forma pronta e inclemente. Um aventuroso e aliciante romance – caprichosamente sonhado e superiormente musicado – que aprisiona o ouvinte nos seus meandros. Deixem-se ofuscar pelo diluviano brilhantismo de G.O.L.E.M. e testemunhem toda a honra e toda a glória de um álbum que muito dificilmente não estará perfilado por entre os mais medalhados do ano.

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 Black Widow Records

Review: 🛸 Sageness - 'Tr3s' (2022) 🛸

★★★★

Depois de lançados o homónimo (review aqui) e o seu sucessor ‘Akmé’ (review aqui), o psicotrópico power-trio espanhol Sageness – natural da cidade nortenha de León – está de regresso com o terceiro capítulo da sua odisseia interplanetária, intitulado de ‘Tr3s’, gravado ao vivo, misturado e masterizado no estúdio português Hertzcontrol Studio, e que poderá ser inalado através dos formatos LP, CD e digital sob a alçada editorial da australiana Psychedelic Salad Records e da polaca Interstellar Smoke Records. Incensado e capitaneado por um embriagado, intoxicante, fumegante e embrumado Heavy Psych – desdobrado em formato de envolvente Jam instrumental e com vista panorâmica para as chamejantes fornalhas estelares que cintilam na noite astral – este fantástico, alucinógeno e cinematográfico ‘Tr3s’ tem o dom de nos desancorar da gravidade terrestre, amplificar a consciência e viajar pelas rodovias cósmicas, empoeirando a alma nas vistosas, coloridas e fantasmagóricas nebulosas que deambulam livremente pela infinita tela negra, driblando populosas cinturas de rochosos asteroides, escorregando pelos anéis de Saturno e caindo dentro da profunda garganta de centrifugantes buracos negros que enlouquecem as coordenadas do espaço-tempo. A sua sonoridade colorida, sinestésica, mântrica e delirada – que partilha o ADN com outras bandas como Colour Haze, Rotor, Sungrazer, The Machine, My Sleeping Karma e Mother Engine – tanto nos afaga e refresca com suavizantes, anestésicas e atordoantes brisas suspiradas pelos astros, como nos euforiza, eteriza e escalda num banho de imersão em incandescente magma de um gorgolejante vulcão em inesgotável erupção. Na sagrada composição deste LSD sonoro dialogam entre si uma guitarra mística de tapeçaria persa que floresce cheirosos, irresistíveis e oleosos Riffs de onde esvoaçam ácidos, ziguezagueantes e delirados solos rubricados a consumada beleza, um bafejante baixo baloiçado a magnetizantes, fluídas e ondulantes linhas desenhadas e engrossadas a negrito, uma bateria estimulante pregueada a uma batida criativa, imersiva e enleante, e ainda quiméricos sintetizadores que sulfatam toda a fantasista atmosfera do álbum com vapores celestiais. São 37 minutos de transformadora, emancipadora e constante levitação pelos maravilhosos firmamentos siderais que se desdobram pela infinidade fora. Uma aturdida hipnose que nos subtrai a lucidez sensorial e naufraga nos intermináveis oceanos do nosso Cosmos interior. Não vai ser nada fácil despertar disto.

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 Psychedelic Salad Records
 Interstellar Smoke Records

Review: 🪐 Earthless + MaidaVale + The Black Wizards 🪐

Deixando as preocupações pandémicas – bem como os guarda-chuvas molhados – às portas do Hard Club, o público compareceu no passado domingo em grande número para lotar a sala e experienciar ao vivo os nossos The Black Wizards, as suecas MaidaVale, e uma das bandas mais excitantes das duas últimas décadas, aqui em estreia no interior de uma sala portuguesa, os californianos Earthless num evento promovido pela Garboyl Lives.

 A feitiçaria afrodisíaca de The Black Wizards

Regressados de uma pequena tour com ponto de paragem em seis países europeus, os já carismáticos The Black Wizards subiam a palco – numa remodelação estrutural que os reduzira de quarteto a tridente – para principiar uma noite que viria a tornar-se inolvidável. De copos de cerveja transbordante, olhar cintilante e um genuíno sorriso estampado no rosto, pairava na atmosfera uma generalizada, palpável e incontrolável satisfação de regressar à catarse que é vivenciar música ao vivo e, que durante tanto tempo, disso estivemos privados. Foi já com uma sala bastante populosa que o agora power-trio português – numa forma invejável, devo antecipar – dava início à sua feitiçaria de essência afrodisíaca. De bússolas apontadas a um empolgante, vulcânico, ritualístico e embriagante Heavy Psych que se aventura e desventura pelas idosas, sinuosos e poeirentas estradas de um serpenteante, libidinoso, lustroso e contagiante Heavy Blues, a sonoridade – trajada a vistoso revivalismo e fervilhada em efeito Fuzz – destes três feiticeiros de instrumentos submersos num caldeirão em chamejante ebulição provocaram em todos nós todo um extasiante deslumbramento impossível de quebrar. Nas asas de uma guitarra tóxica que se balanceia e formoseia em estonteantes Riffs de onde são vertidos alucinógenos solos, um imponente baixo Rickenbacker reverberado a linhas fibrosas, uma bateria aparatosa de baquetas em polvorosa, e melodiosos vocais que sobrevoam o restante instrumental, viveu-se uma perfeita e absorvente comunhão com esta talentosa banda que decidira – e bem! – coroar a recta final da sua gloriosa performance com uma surpreendente versão cover da ilustre e majestosa “21st Century Schizoid Man” originária dos titânicos britânicos King Crimson, que não deixara ninguém indiferente.

O místico magnetismo de MaidaVale

Seguia-se o quarteto escandinavo MaidaVale com o seu imersivo misticismo que prontamente inundara e conquistara toda a densa plateia que se debatia prazerosamente entre as paredes do Hard Club. De olhar selado, cabeças meneantes, espírito levitante e corpos dançados à irresistível boleia destas suecas, fomos farolizados e viajados até aos braços do transe espiritual. Saltitando entre os seus dois desiguais trabalhos de estúdio e combinando um excitante, interventivo, incisivo e ofuscante Psychedelic Rock de intensa comoção com um hipnotizante, ritmado, oleado e embalante Krautrock empoderado de sedução, esta turma feminina banhara todas as zonas erógenas do nosso cérebro e instaurara no nosso espírito toda uma inextinguível sensação de pleno bem-estar. Numa perfeita simbiose entre a profética guitarra de Riffs encaracolados, o baixo deliciosamente groovy de linhas pulsantes, a expressiva bateria de galope perseverante, o mágico sintetizador de fantasmagoria electrónica, e os irreverentes vocais de uma líder revestida com vistosos adereços orientais, as MaidaVale fizeram daquele palco um verdadeiro altar comemorativo de uma nirvânica cerimónia à qual ninguém se recusara comungar. Transpirados, fascinados e firmemente atrelados à endeusada luminescência difundida pela banda enraizada na cidade-capital de Estocolmo, todos nós purificámos e canonizámos as nossas almas sedentas por experienciar algo assim. MaidaVale foi uma experiência verdadeiramente balsâmica, ataráxica e gratificante.


O escapismo sónico dos míticos Earthless

Foi debaixo de uma ruidosa chuva de aplausos que os californianos Earthless subiram a palco, e fora dele o entusiasmo entrava em vibrante erupção. Seguiu-se a comunicação com Houston e iniciada a contagem decrescente para a bombástica propulsão locomovida a um sinestésico Heavy Psych. E se aos primeiros acordes de natureza reflexiva – florescidos da guitarra Hendrix’eana de Isaiah Mitchell, sombreados à distância pelo quente baixo de Mike Eginton e diligenciados apenas com o olhar do baterista Mario Rubalcaba – todos nós tombámos o queixo sobre o peito e mergulhámos nas profundezas da letargia, o que se seguiu foi toda uma indomesticável turbulência, sobreaquecida a selvática euforia, que nos embalara na vertigem e arremessara violentamente para a espessa negrura que habita a interminável vacuidade cósmica. Driblando a gravidade dos corpos celestes que vão brotando no horizonte, resvalando pelas costuras da sanidade mental, e fecundando fantasmagóricas poeiras estelares de aroma canábico, as inventivas, narcotizantes, estimulantes e evolutivas jams instrumentais de Earthless – superiormente norteadas a paranoia nipónica, extravagância Jimi Hendrix’eana e trevosos ecos Black Sabbath’icos – levaram toda a plateia aos píncaros da loucura. De cabeças voadoras, olhares eclipsados e corpos a embaterem entre si, iam-se agigantando tumultuosos ciclones no público, bem como corpos levados na crista da onda humana. Vivenciava-se, portanto, todo um sísmico frenesim de visões caleidoscópicas e escapismo sónico com o epicentro localizado na ácida guitarra de Isaiah Mitchell que exorcizava e vomitava intermináveis solos de toxicidade a perder de vista, no baixo compenetrado de Eginton que soletrava repetidamente o Riff-base, e na endiabrada bateria do skater Mario Rubalcaba que bombardeava todo este electrizante tornado de endorfinas. De destacar ainda o encore – motivado pelos incessantes clamores de uma ruidosa plateia de ânsias à flor da pele – que trouxera a palco o “seu” clássico “Cherry Red” (tema originário dos britânicos The Groundhogs) a coroar com a “cereja no topo do bolo” uma performance insuperável. Earthless foi demolidor. Uma psicotrópica efervescência que nos incendiara do primeiro ao derradeiro minuto. Uma mastodôntica avalanche que nos atropelara e soterrara sem qualquer misericórdia. Quando os fumegantes amplificadores se desligaram e os chamejantes instrumentos se calaram, reinou na atmosfera um atordoamento dos sentidos que nos dificultara a saída da sala. Não foi fácil conviver com o silêncio cru que se seguira e aceitar que um dos mais impactantes concertos das nossas vidas havia terminado.

Antes de virar as costas ao Hard Club, foi igualmente gratificante “tertuliar” com as diversas caras amistosas que fui encontrando e reencontrando por ali. Mais uns brindes de cerveja entre amigos, um olhar planador pela mesa do merch, e uns derradeiros abraços com a garantia deixada de um “até já”. Porque afinal de contas, falamos todos a mesma língua.

 

P.S.: Fotografias gentilmente cedidas pelo amigo Bruno Pereira / Wav.

Review: ⚜️ The Bateleurs - 'The Sun In The Tenth House' (2022) ⚜️

★★★★

Da cidade-capital portuguesa de Lisboa chega-nos a odorosa, vibrante e esplendorosa elegância desabrochada pelo muito aguardado álbum de estreia do quarteto The Bateleurs. Intitulado ‘The Sun In The Tenth House’ e lançado hoje mesmo através do selo discográfico espanhol Milanamúsica Records nos formatos digital e CD, este primeiro trabalho de longa duração da banda lisboeta desprende um melódico, enérgico, fascinante e afrodisíaco Blues Rock de mãos dadas a um chamejante, fibroso, ostentoso e empolgante Classic Rock banhado a ouro setentista. Contando ainda com coloridos laivos de um serpenteante, estruturado, aprumado e provocante Progressive Rock de doce perfume revivalista – aliado a um enleante, festivo, emotivo e contagiante Soul – a texturizada, charmosa e apimentada sonoridade de The Bateleurs aponta a mira a clássicas referências como Led Zeppelin, Deep Purple, Janis Joplin e Ike & Tina Turner, bem como desfila lado a lado com outras da contemporaneidade como Rival Sons, Blues Pills, Siena Root, Heavy Feather e The Mothercrow. Um fluído pêndulo que ricocheteia entre fogosas cavalgadas desbravadas à rédea solta e harmoniosas baladas polvilhadas a mélica e açucarada ternura. Na lista de ingredientes que compõem este irresistível glamour de moldura citadina e brilho cabaresco, perfilam-se uma formosa guitarra de sotaque Jimmy Page’esco que se envaidece na hábil condução de voluptuosos, oleosos, carismáticos e majestosos Riffs, e enlouquece na libertação de extravagantes, orgiásticos, bombásticos e rodopiantes solos, um baixo groovy reverberado a linhas elásticas, ondulantes, palpitantes e hipnóticas, um maravilhoso teclado Jon Lord’esco de pomposos, frescos, principescos e aquosos bailados, uma circense bateria de vistosas acrobacias, executadas a inventiva, excitante e expressiva maestria, e uma voz impactante, encorpada e liderante – de pele hidratada, radiosa, felina e aveludada, e um longo alcance megafónico – que capitaneia com emocionante destreza e triunfante beleza toda esta caprichada obra. De estender ainda elogiosas palavras pelo místico artwork, que aponta os seus créditos autorais aos ilustradores russos Rotten Fantom. Este é um álbum recheado de um libidinoso requinte que nos faz cair na sua tentação. Um registo luxuoso que se passeia gloriosamente entre a rudeza e a delicadeza, a euforia e a letargia, o aristocrático e o selvático. Revolvam-se e consomam-se prazerosamente nas intensas lavaredas rugidas pelos The Bateleurs, e vivenciem com imoderada exaltação todo o dourado fulgor de um dos mais fortes candidatos a melhor álbum português do ano. 

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Review: 🛶 Da Captain Trips - 'Maths of the Elements' (2022) 🛶

★★★★

O adorável quarteto italiano Da Captain Trips está de regresso – cinco anos depois de lançado o maravilhoso ‘Adventures in the Upside Down’ (aqui descrito e elogiado) – com o seu novíssimo trabalho de longa duração ‘Maths of the Elements’, carimbado a duas mãos com os selos editoriais das companhias discográficas locais Vincebus Eruptum Recordings (em formato vinil) e da BloodRock Records (em formato CD). Tal como a sua denominação assim o sugere, ‘Maths of the Elements’ é inteiramente dedicado à natureza e aos seus respectivos elementos clássicos. Conduzido por um sublime, mavioso, cheiroso e ensolarado Psychedelic Rock – de chakras alinhados com os budistas germânicos de instrumentos empunhados My Sleeping Karma – que nos faroliza e eteriza ao longo de todo este deslumbrante sonho acordado, o quarto álbum de Da Captain Trips passeia-se pelos verdejantes rios que estriam a Terra, pelos bronzeados desertos que se alongam até onde a vista pode alcançar, pelas rochosas montanhas que recortam o longínquo horizonte, pelas rosadas nuvens que pincelam a tela crepuscular, pelos marulhantes oceanos que transudam toda uma refrescante brisa a maresia e pelos endeusados céus de tonalidade azul-turquesa que pavimentam todo o hall de entrada para o Cosmos. Soterrados nas abissais profundezas da introspecção e mumificados num inapagável estádio de nirvânica sedução, somos velejados pela reconfortante maré de ‘Maths of the Elements’ e desaguados nas douradas praias do paraíso. Na génese de toda esta sonhadora, gratificante e transformadora digressão em sagrada comunhão com a natureza, surfa uma comovente guitarra de acordes contemplativos, milagrosos, luminosos e imersivos, bafeja um baixo reflexivo de linhas murmurantes, fluídas, serpenteadas e bailantes, tiquetaqueia uma hipnótica bateria de refinada orientação rítmica e sobrevoa um onírico teclado de harmoniosos, quiméricos e aquosos mugidos condimentados e empoeirados a misticismo celestial. Este é um álbum xamânico, balsâmico e transcendente, emoldurado a resplandecente beatitude. Percam-se e encontrem-se pelos edénicos jardins de Da Captain Trips, e banhem-se de luz e cor neste vistoso arco-íris de inefáveis deleites.

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