Encarada com petrificado
assombro toda a ofuscante beleza arquitectónica de que fora feito o escultural,
ostentoso e monumental Portal de Ishtar – a oitava e principal porta de
entrada para a edénica cidade da Babilónia, construída com tijolos
cozidos e vidrados, ornamentada por azulejos de coloração azul profundo e
brilho diamantino, e erigida em homenagem à deusa acádia Ishtar (deusa
da vitalidade, do amor e da guerra) – estamos prontos para atravessá-lo e
comungar toda a santificada liturgia pesadamente incensada pelo fumarento e
baloiçante turíbulo de Stones Of Babylon. Editado pelo insuspeito selo
discográfico português Raging Planet através dos formatos LP, CD e digital,
este segundo trabalho intitulado ‘Ishtar Gate’ destes três califas sediados
na cidade-capital de Lisboa vem dar a tão ansiada continuidade à sua milagrosa odisseia pela enigmática, seráfica e mitológica Pérsia ancestral
principiada com o frondoso, odoroso e ajardinado ‘Hanging Gardens’ (aqui
desconstruído e reverenciado). Embrumado por um canábico, obscurantista,
ritualista e mântrico Psychedelic Doom de fragância oriental, ardência desértica,
caligrafia arábica e consagração espiritual, este ‘Ishtar Gate’ teve em
mim o mesmo poder hipnotizante que a encantadora dança da flauta indiana tem
sobre a serpente Naja. De pés desnudos e soterrados nas aveludadas, finas e douradas
areias do deserto, olhos postos no Sol poente de bafo morno e luzência ardente,
e alma rendida às bíblicas vibrações de idioma acádio, viajamos e embalamos à aliciante
boleia sonora de uma guitarra messiânica que se meneia em imperiosos, sísmicos,
esotéricos e fogosos riffs de onde serpenteiam solos magnetizantes, oleosos,
luminosos, e intoxicantes, um umbroso baixo encarvoado a tensa e densa negrura
que se orienta por entre encorpadas, fibrosas e onduladas linhas desenhadas a
negrito, e uma bateria expressiva, empolgante, faíscante e incisiva de pratos flamejantes
e tambores tribalistas. O mirífico artwork que emoldura na perfeição
toda esta divina romaria à velha Mesopotâmia é rubricado pelo talentoso ilustrador
português Soares Artwork. São 55 minutos de uma deífica cintilação que
nos converte a todos em seus devotos peregrinos. Um álbum de atmosfera sonâmbula
que vagueia livre e graciosamente entre a morfínica letargia e a vulcânica
euforia. Banhem-se no diluviano misticismo de ‘Ishtar Gate’ e vivenciem
com inteira devoção todo o santificado esplendor de um dos mais fortes candidatos
a melhor álbum português do ano.
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