Review: 🌌 Minerall - 'Bügeln' (2024) 🌌

★★★★

Minerall é um projecto recém-nascido – com morada de residência situada algures entre a Alemanha e a Áustria – constituído por músicos originários de bandas como Electric Moon, Interkosmos, Zone Six, Speck, Kombynat Robotron e Earthbong que falam a mesma língua natural e musical. Intitulado Bügeln’ e editado pela germânica Sulatron Records através dos formatos LP (numa prensagem limitada a 500 cópias) e digital, este álbum de estreia do power-trio é norteado por um delirante, nirvânico, caleidoscópico e atordoante Psychedelic Rock de mescalina na sua corrente sanguínea, um deslumbrante, experimental, sideral e viajante Space Rock de exótica feitiçaria electrónica, e um repetitivo, obsessivo, hipnótico e pulsante Krautrock que nos gravita e mumifica na sua labiríntica teia de colagens rítmicas. Compartimentado em duas longas e arejadas jams de composição ácida, intuitiva, evolutiva e esmorecida – de criação instrumental, locomoção minimal e propensão astral – que nos desancora da gravidade terrestre e transcende aos mais longínquos céus do Cosmos narcotizante, obscuro e bocejante, ‘Bügeln’ é um registo morfínico, fantasioso e esfíngico, oxigenado a relaxante lisergia e pavimentado a intrigante misticismo. Uma penetrante, enleante e inescapável hipnose que nos anoitece, absorve e entorpece. Flutuem em velocidade de cruzeiro pelas mansas águas do infindável oceano cósmico – onde futuristas paisagens se revelam e desdobram em slow-motion – à enigmática boleia de uma guitarra anestésica que desataca solos intoxicantes, gélidos, pálidos e ecoantes, um baixo sonolento de linhas baloiçantes, elásticas e magnetizantes, uma bateria intimista de compasso tranquilizante, constante e minimalista, e um sintetizador ritualista que romantiza, electrifica e exorciza o espaço alienígena. São 44 minutos de uma submersão mesmérica que nos desmaia as pálpebras, adormece os sentidos e arremessa para junto dos mais longínquos, recônditos e solitários astros hibernados na eterna noite cósmica. Uma contemplativa, melancólica e imaginativa excursão espacial que nos climatiza e eteriza de um imperturbável transe espiritual. Não vai ser fácil – ou sequer desejado – despertar deste sonho acordado que nos mantém de espírito sedado e corpo relaxado num verdadeiro oásis sensorial. Está, assim, apresentado o primeiro capítulo desta fantástica odisseia galáctica denominada Minerall, que se espera duradoura, aventurosa e repleta de novos eventos para narrar a todos os terráqueos que içam com admiração o seu olhar esfaimado e sonhador pelos imersivos firmamentos astrais.

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Review: 👽 SLIFT - 'ILION' (2024) 👽

★★★★

Volvidos quatro anos após o lançamento de ‘UMMON’ (aqui trazido e esmiuçado), o tridente francês SLIFT está de regresso com a ciclónica explosividade que lhe é característica. Intitulado ‘ILION’ e promovido pela histórica editora discográfica norte-americana Sub Pop através dos formatos LP, CD e digital, este terceiro álbum da banda enraizada na cidade francesa de Toulouse vem munido de um electrizante, catártico, bombástico e euforizante Heavy Psych de fervilhante irreverência a fazer lembrar os australianos King Gizzard & the Lizard Wizard, um viajante, vertiginoso, ventoso e enfeitiçante Space Rock de sónica propulsão Hawkwind’esca, e ainda um estimulante, esponjoso, serpenteante e oleoso Krautrock de pulsação Can’ica e NEU!’esca. Situada numa atmosfera alienígena, febril e atordoante, a imaginativa, exótica e expansiva sonoridade de ‘ILION’ ricocheteia entre trepidantes, eufóricas, selváticas e inflamantes cavalgadas – desdobradas à boa moda de Baroness e Kylesa – que nos rodopiam na alucinante vertigem de um delirante vórtice, e reflexivas, etéreas, oníricas e lenitivas passagens de condimentos Progressivos – de inspiração trazida dos clássicos britânicos YES e Genesis – que nos relaxam, confortam e adormecem. Vagueando em órbita destes dois mundos tão desiguais, entre o apocalipse e a salvação, o ouvinte tanto é varrido e engolido por uma excitante, tormentosa e vibrante comoção que o sobreaquece e endoidece, como é banhado por uma sidérica, introspectiva e anestésica serenidade que o embevece e anoitece. São 80 minutos de uma admirável, apreciável e gloriosa odisseia Stanley Kubrick’esca, pilotada por uma vulcânica guitarra de fortes rajadas psicotrópicas que se manifesta em riffs monolíticos, sufocantes, despóticos e dilacerantes, e solos luzidios, ácidos, insanos e fugidios, um baixo atlético de linhas pulsantes, tensas, densas e dominantes, uma bélica bateria metralhada a um ritmo enérgico, ofensivo, altivo e frenético, vocais ecoantes, tanto gritados com pujança infernal e urticante ardor, como robotizados num tom celestial, monocórdico e sacerdotal, e sintetizadores enigmáticos, melódicos e dramáticos, criadores de toda uma deslumbrante ambiência cinematográfica SCI-FI. ‘ILION’ é um álbum de contornos messiânicos que nos jornadeia através da impiedosa centrifugação de um raivoso furacão locomovido a quente euforia, como das mansas águas de um infindável oceano oxigenado a fresca letargia. A banda-sonora perfeita para emoldurar a queda da humanidade e o renascimento de todas as coisas no tempo e no espaço.

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Review: 🧞 Mohama Saz - 'Máquina de Guerra' (2024) 🧞

★★★★

Dificilmente este novo ano poderia ter principiado de forma mais auspiciosa. O apaixonante tridente espanhol Mohama Saz acaba de me surpreender e embevecer com o lançamento-relâmpago do seu tão aguardado quinto trabalho de longa duração, denominado ‘Máquina de Guerra’ e integralmente descortinado hoje mesmo através dos formatos digital e LP (este último ultra-limitado a uma prensagem de apenas 300 cópias disponíveis) com o carimbo da editora YaiYai Records. Estes três califas madrilenos de luxuriantes túnicas islâmicas chegam assim a uma mão cheia de álbuns e insuflam o meu férreo desejo de os vivenciar pela primeiríssima vez ao vivo. Usando o mesmo novelo com que os seus antecessores foram tricotados, ‘Máquina de Guerra’ presenteia o ouvinte com um vibrante, ofuscante e multicolorido bazar de sonoridades exóticas onde facilmente reconhecemos e degustamos um ensolarado, matizado e cerimonial Psychedelic Rock de temperos mediterrânicos, um caleidoscópico, magnético e celestial Krautrock de descendência germânica, um enfeitiçante, bailante e requintado Flamenco de sotaque andaluz, e ainda um quente, mexediço e contagiante World Music de atraente fragância anatólia. Toda esta apaladada amálgama musical de incontáveis ingredientes remexidos e coligados resulta numa irresistível iguaria de consagração deífica que nos seduz, banha de uma intensa luzência trigueira, promove a deserção da consciência pelas eternas planuras da religiosidade, e conduz a um perfeito estádio de transe espiritual. Em posição de lótus e viajados acima de um tapete mágico, sobrevoamos toda uma azáfama mercantil e driblamos os minaretes das mesquitas que riscam os rosados céus crepusculares da velha Pérsia. Com influências subtraídas a referências como Erkin Koray, Orchestra of Spheres, Sun Ra, Triana, Las Grecas, Neu!, Tinariwen, Goat e Blaak Heat, os espanhóis Mohama Saz farolizam todos os seus ouvintes numa sagrada peregrinação de corações submersos em fé inabalável e toda uma devoção ao Sol poente. De pés descalços sobre as acetinadas, mornas e bronzeadas areias do deserto, olhos selados e braços hasteados na vertiginosa direcção dos límpidos céus, agitamos os nossos corpos transpirados numa compenetrada dança – locomovida a imperturbável hipnose – à estimulante boleia dos eróticos serpenteios de uma louvável baglama eléctrica que floresce copiosas, faustosas e excêntricas melodias de vistosa caligrafia árabe e doce aroma turco, dos reverberantes murmúrios de um baixo pulsante, hipnótico e ondeante, dos ritmos tribais de uma bateria cativante, primitiva e excitante, dos luminosos, níveos e formosos vocais – aureolados por uma graça messiânica – que lideram esta transformadora excursão pelos desfiladeiros da alma, e das misteriosas sirenes que ressoam e ecoam dos quiméricos sintetizadores, desamarram-nos da gravidade terrestre e catapultam-nos para um deslumbrante escapismo cósmico. A bonita ilustração onde múltiplos pássaros negros esvoaçam numa caótica dança orbital ao redor de um Sol ruborizado pertence ao pintor espanhol Oscar Rey. ‘Máquina de Guerra’ é uma nirvânica liturgia que em nós perpetua toda uma sensação de pleno bem-estar e uma eufórica dormência impossível de perturbar. Um álbum amarelecido por um misticismo arenoso que nos levita e gravita em torno do êxtase religioso. Uma paradisíaca bênção onde ninguém se recusará comungar. O génio fora da lâmpada.

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