Review: ⚡ Mythic Sunship - 'Another Shape of Psychedelic Music' (2018) ⚡

Depois de ‘Upheaval’ (desmontado e venerado aqui) ter sido lançado em Janeiro deste mesmo ano, os incansáveis dinamarqueses Mythic Sunship – detentores de uma inesgotável capacidade criativa - estão de regresso com a apresentação do seu novo álbum ‘Another Shape of Psychedelic Music’, e sinto-me impelido a antecipar que este se trata mesmo do meu álbum de eleição desta banda escandinava que tanto me preenche e fascina. Com a data do seu lançamento oficial agendada para o início do próximo mês de Outubro nos formatos físicos de CD e vinil (bem como no formato digital de mp3), este renovado e quarto trabalho produzido em território discográfico do já emblemático selo local El Paraiso Records exibe-se como o mais requintado, trabalhado e exuberante disco de Mythic Sunship. Emergente de um carnavalesco, bizarro, colorido e exótico sortido de sonoridades – de onde facilmente se distingue o paladar de um envolvente, hipnótico e viajante Krautrock de natureza cósmica, um nebuloso, alucinante e ostentoso Heavy Psych, e ainda um extravagante, caótico e deslumbrante Free Jazz de condução inesperada e inventiva – este novo capítulo da evolutiva e admirável digressão destes astronautas de instrumentos em punho causara em mim toda uma imersiva sublimação que me hipnotizara e encantara do primeiro ao derradeiro tema. São 75 minutos completamente saturados de uma provocante, selvática e delirante excentricidade que nos sacode, euforiza e implode de um intenso e desgovernado entusiasmo capaz de nos arremessar com extrema violência pela infinita vacuidade de um Cosmos embriagado. Inalem toda esta mágica exalação suspirada pelas estrelas e sintam a vossa sanidade dispersar à estonteante e arrebatadora boleia sonora de duas guitarras prodigiosas que se entrelaçam na incrível ascensão de gritantes, tumultuosos, labirínticos e berrantes solos, um baixo infatigável que se desdobra em linhas reverberantes, oscilantes, fluídas e bailantes, uma ensolarada bateria de deliciosa orientação jazzística nutrida a um toque polido, luminoso, leve e habilidoso, e um vibrante saxofone que – com base nos seus uivantes, efervescentes, revoltosos e serpenteantes bailados – desabrocha energia e fulgor por todos os espaços virgens desta majestosa e adorável criação apelidada de ‘Another Shape of Psychedelic’. É-me importante ainda destacar a distinta aparição do virtuoso guitarrista Jonas Munk (Causa Sui) na enlouquecedora governação de dois dos temas que incorporam toda esta fabulosa, ardente e espalhafatosa detonação de prazer. Este é um álbum intensamente mirabolante e impactante que transpira e evidencia uma anarquia superiormente controlada pela turma dinamarquesa. Recostem-se confortavelmente, apertem bem os cintos de segurança e deixem-se farolizar pelo ‘Another Shape of Psychedelic’ num vertiginoso mergulho cósmico de onde a vossa lucidez não sairá ilesa. Uma vénia ininterrupta aos Mythic Sunship pela criação deste talismã bordado, elevado e purificado a desarmante lubricidade, inteligência, imaginação e voracidade. Este é um disco consumado que resvala nas fronteiras do impossível. Percam-se e encontrem-se por entre a sua distinta loucura e formosura, e vivenciem como puderem toda a redentora fogosidade de um dos álbuns mais apoteóticos do ano.

Review: ⚡ Sherpa - 'Tigris & Euphrates' (2018) ⚡

A deslumbrante formação italiana Sherpa está de regresso com o lançamento do seu segundo álbum ‘Tigris & Euphrates’ agendado para o próximo dia 28 de Setembro via Sulatron Records nos formatos físicos de CD e vinil (este último limitado a 500 cópias existentes). Depois de em 2016 ter absorvido e reverenciado o seu magnífico álbum de estreia ‘Tanzlinde’ (dissertado e devidamente elogiado aqui), foi com grande entusiasmo que reagira à irrecusável oportunidade (promovida pelo selo discográfico germânico Sulatron Records) de ouvir em primeira mão este renovado capítulo da apaixonante digressão sonora dos mediterrânicos Sherpa pelas agradáveis e oníricas planícies do psicadelismo. Baseada num radioso, sonhador, maravilhoso e arrebatador Psych Rock de atmosfera espiritual e clima primaveril que se dissolve numa afável, mística e adorável envolvência Kraut’eana, a ataráxica sonoridade de ‘Tigris & Euphrates’ tem a rara capacidade de nos relaxar, afagar, transcender e perpetuar num edénico e inabalável estádio mental que nos envolve e consagra do primeiro ao último tema. São 41 minutos temperados a plena magia em estado musical que nos sustém num etéreo ambiente climatizado pelo transe. Este novo registo da banda ancorada na província costeira de Pescara encerra e propaga uma essência verdadeiramente encantadora e divinal capaz de extasiar e canonizar a alma do comum mortal. Inalem esta sedutora e irresistível fragância de ‘Tigris & Euphrates’ ao conjugado som de duas guitarras messiânicas que dialogam entre si com base em sublimes, aconchegantes, aveludados e suavizantes acordes de desarmante beleza, e prazerosos, esplêndidos e ostentosos solos que nos esbatem a lucidez, uma voz espectral, cristalina, plácida e angelical que sobrevoa toda esta utópica narrativa musical, um baixo lenitivo de reverberação ondulante, magnética, fluída e dançante que nos tomba o pesado e narcotizado semblante de encontro ao peito, um sintetizador empoeirado pelas estrelas que distende todo um manto de intrigante e imaculada fascinação, uma sossegada bateria detidamente entregue a uma ritmicidade relaxante, delicada e requintada que tiquetaqueia e mareia os meditativos, sagrados e lisérgicos oceanos de Sherpa. Recostem-se confortavelmente, respirem pausada e profundamente, tombem as pálpebras e banhem-se neste autêntico oásis sonoro de natureza terapêutica. Rendam-se perante a irresistível sublimidade transpirada por ‘Tigris & Euphrates’ e sintam-se perecer num súbito desmaio de prazer na adorável companhia de um dos álbuns mais fabulosos de 2018. Uma perfeita obra-prima.

Review: ⚡ Hound - 'Settle Your Scores' (2018) ⚡

O quinteto germânico Hound acaba de apresentar o seu primeiro trabalho de longa duração apelidado de ‘Settle Your Scores’ e o resultado não poderia ser mais do meu agrado. Oficialmente lançado no final do passado mês de Julho sob a forma física de CD e vinil (este último formato limitado a uma prensagem de apenas 300 cópias disponíveis), e baseado num intrigante, perfumado, requintado e provocante Hard Rock de ares clássicos numa prazerosa combinação com um poderoso, fervilhante, elegante e ostentoso Blues Rock de feições diabrinas, este fascinante álbum da jovem banda enraizada na cidade de Hildesheim causara em mim todo um súbito impacto que me enfeitiçara e apaixonara do primeiro ao derradeiro tema. A sua sonoridade vistosa, aliciante e primorosa – de soberba envolvência revivalista – é nutrida e processada a uma desarmante e estonteante destreza, volúpia e delicadeza. Existe algo de verdadeiramente edénico e encantador na copiosa e irresistível atmosfera de ‘Settle Your Scores’ que nos invade, maravilha e alcooliza com fervor e expressividade. Uma opulenta e carnavalesca exibição sonora superiormente conduzida e liderada por um prodigioso e carismático teclado Hammond de espírito dominante que se manifesta em arrepiantes, aparatosos, sumptuosos e transbordantes bailados, uma voz gélida, ácida, penetrante e avinagrada que se liberta e passeia com agradável subtileza, uma guitarra majestosa que se envaidece em charmosos, imperiosos, oleados e torneados riffs e se glorifica em solos berrantes, magistrais, labirínticos e desconcertantes, uma inventiva bateria de vibrantes, dinâmicas e incitantes acrobacias, e ainda um baixo hipnótico e musculado – balanceado a uma ritmicidade galopante e flexibilidade dançante – que revigora e obscurece os místicos desígnios de Hound. Este é um álbum arrebatador – detentor de uma ambiência enigmática – que nos petrifica, dilata as pupilas, suspende a respiração, e mantém a ele aprisionados do primeiro ao último minuto. Um disco pavorosamente belo que nos absorve, perturba e purifica. Banhem-se na sua negra radiância e vivenciem com total entrega e devoção todo este esotérico ritual marcadamente influenciado pelo lado retro da música Rock. Um dos meus títulos favoritos de 2018 está aqui, na solene e principesca aura de ‘Settle Your Scores’. Comunguem-no e adorem-no.

Review: ⚡ Amplified Heat - 'Madera' (2018) ⚡

O power-trio texano Amplified Heat acaba de surpreender todos os seus apóstolos com o lançamento-relâmpago de ‘Madera’, o seu terceiro e novo álbum de estúdio. Disponibilizado hoje mesmo através da sua página oficial de Bandcamp e unicamente em formato digital, este registo vem condimentado por um elegante, carismático e electrizante Heavy Blues de essência vintage, transversal a toda a linha discográfica da banda desde o momento da sua formação. Naturais da cidade de Austin (Texas, EUA) estes três irmãos de sangue contam já com cerca de 15 anos de carreira inteiramente dedicados ao revivalismo sonoro resgatado das décadas de 60 e 70. Referências clássicas como Jimi Hendrix, Black Sabbath, Cream, ZZ Top, Ten Years After e Blue Cheer são influências descaradas na criação musical de Amplified Heat e ‘Madera’ vem confirmar e reforçar essa tendência (que muito me agrada, devo dizer). Fundamentado numa ardência erótica – característica tão comum no velho Heavy Blues – que nos envolve e revolve ao longo de todo o seu corpo temporal, ‘Madera’ é um álbum movido a destreza, lubricidade, fineza e majestosidade. Um registo recém-nascido mas de alma idosa (a sua crua produção à boa moda do Lo-Fi assenta-lhe mesmo bem) que nos empoeira e afogueia de um sentimento nostálgico. Toda uma deslumbrante e apaixonante ostentação sonora concebida e conduzida por uma pomposa guitarra – inspirada nas consagradas raízes do Delta-Blues – que se envaidece e notabiliza com os seus primorosos, trabalhados, opulentos e charmosos riffs, e se transcende na libertação de lustrosos, extravagantes, desconcertantes e aparatosos solos, um baixo tenso, reverberante – de presença bem marcada e ritmicidade ofegante – que se serpenteia em linhas pulsantes, volumosas, virtuosas e dançantes, uma excêntrica bateria de orientação John Bonham’eana detidamente entregue a talentosas, inventivas, ágeis e fabulosas acrobacias, e ainda uma voz ecoante, tórrida e cortante (a fazer lembrar os vocais de Mark Arm, guitarrista e vocalista de Mudhoney) que cavalga com determinação toda esta provocante exalação bafejada pelo lado mais Raw do lendário Heavy Blues. O artwork de feições antiquadas – como que representando um totem em madeira com os semblantes do trio esculpidos - é da autoria da já célebre artista texana MishkaWestell. Este é um álbum incensurável – detentor de uma saudosa beleza e pureza – que nos arrasta consigo tanto para as lamacentas margens do rio Mississippi como para uma encantadora ambiência de fragância Woodstock’eana de onde não queremos regressar. Estamos mesmo na honrosa presença de mais um sério candidato à intensa batalha que se adivinha e avizinha pelos lugares mais cimeiros da listagem onde perfilarão os melhores álbuns nascidos em 2018.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Review: ⚡ BearSloth - 'Get In The Van' (2018) ⚡

Da cidade norte-americana de Allentown (Pensilvânia, EUA) acaba de ser lançado um dos discos por mim mais aguardados do ano. ‘Get in the Van’ é o tão ansiado álbum de estreia do quarteto BearSloth que finalmente decidira avançar para estúdio depois de concertos acumulados ao longo dos últimos anos. E se a minha expectativa a ele dedicada era imensa, assim que ouvira os primeiros riffs sentira a inabalável convicção de que se trataria mesmo de um dos meus registos favoritos de 2018. Conduzido ao volante de um atraente, animado, ritmado e empolgante Heavy Psych N’ Blues fervido em efeito fuzz – de onde facilmente se desprendem influências apontadas a Jimi Hendrix, ZZ Top, Blue Cheer e MC5 – este adorável registo traz-nos uma airosa fragância de essência revivalista que nos remete para as emblemáticas e nostálgicas décadas de 1960 e 1970. A sua sonoridade exótica combina as vertentes heavy do universo Psychedelic RockBlues Rock, presenteando ainda o ouvinte com ousadas aproximações ao ardente e contagiante Boogie Rock ouvido, dançado e exultado no final dos anos 60. Baseado em lascivos e boémios riffs – por nós facilmente compreendidos e sussurrados – que transpiram e disseminam calor, brilho e sedução, este emocionante ‘Get in the Van’ obriga-nos a dançá-lo de corpo serpenteante, olhar selado e sorriso talhado no rosto. Estalem os dedos, batam com o pé no chão e agitem-se prazerosa e extravagantemente à boleia de uma guitarra vivificante que se balanceia em acordes comoventes, voluptuosos, sinuosos e eletrizantes, e se transcende na libertação e orientação de atordoantes, extasiados, irresistíveis e uivantes solos, um baixo sombreado de linhas oscilantes, corpulentas e magnetizantes que superiormente conjuga o peso com a movimentação, uma bateria expedita de incansáveis e fogosas acrobacias executadas a habilidade, entusiasmo e agilidade, um mirabolante e carnavalesco saxofone de envolventes, bizarros, tortuosos e deslumbrantes bailados à boa moda do Free-Jazz, e ainda uma aveludada, relaxada e encantadora voz de textura Hendrix’eana que complementa na perfeição toda esta vulcânica e afrodisíaca manifestação. É-me ainda importante estender o elogio ao absorvente artwork de natureza lisérgica e alucinógena – concebido pelo artista Reed Markovitz – que transportara para o domínio visual todo um efeito sinestésico provocado pelo LSD. Este é um álbum repleto de uma intensa vitalidade que nos inflama e inquieta do primeiro ao último minuto. Um registo verdadeiramente absorvente que nos preenche de alegria e euforia. Embarquem neste ‘Get in the Van’ e saturem-se de um caloroso entusiasmo que vos bronzeará e narcotizará a lucidez. Um disco integralmente lavrado à minha imagem e que certamente estará perfilado por entre os mais valorizados álbuns do ano.

Review: ⚡ Haunt - 'Burst Into Flame' (2018) ⚡

Da cidade californiana de Fresno chega-nos uma das mais agradáveis surpresas sonoras do ano. Lançado muito recentemente pelo selo discográfico norte-americano Shadow Kingdom Records nos formatos físicos de CD, cassete e vinil, ‘Burst Into Flame’ é o primeiro álbum do quarteto Haunt e vem prestar um espantoso tributo ao Heavy Metal forjado na década de 1980. Sendo eu um intratável apaixonado pelo revivalismo musical aplicado por bandas contemporâneas, este fascinante registo não poderia passar despercebido ao meu radar. Marcadamente influenciada pelo lado mais tradicional do Metal, a ardente sonoridade de ‘Burst Into Flame’ representa uma indomável locomotiva nutrida e conduzida a uma velocidade verdadeiramente estonteante que nos entrega a um perfeito estádio de deslumbramento e combustão. Uma ostentosa, opulenta, harmoniosa, dinâmica e poderosa manifestação sonora levada a cabo por duas guitarras audazes e vorazes que se envaidecem e unificam na ascensão e orientação de primorosos, exuberantes, trabalhados e vultosos riffs, e na sublime exteriorização de majestosos, flamejantes, alucinantes e virtuosos solos, um baixo sombrio e rosnante de vigorosas, fluídas, oleadas e viçosas linhas desenhadas a negrito, uma bateria de galope tanto pausado quanto atiçado que tiquetaqueia e esporeia todo este registo com incansável dinamismo, perícia e cuidado, e uma voz ensolarada, translúcida, melódica e temperada que empresta toda uma elegância e encantamento a esta consagrada e imponente cavalgada capaz de nos lavrar a alma do primeiro ao derradeiro tema. É de destacar ainda pela positiva o caprichoso e enigmático artwork superiormente ilustrado pela BrouemasterVisual Decay que confere rosto e todo um imaginário visual a esta formosa e esmerada obra-prima. São cerca de 37 minutos integralmente entregues a uma sedutora e redentora vivacidade que nos mantém absorvidos, perpetuados e rendidos aos intrigantes e maravilhosos desígnios de Haunt. Uma selvática e tirânica cavalaria pesada que prontamente nos atropela e conquista. Estamos mesmo na nobre presença de uma das mais aclamadas e inspiradas odes à carismática vertente old school do Heavy Metal testemunhadas nos últimos anos. Sintam-se inflamar e euforizar à boleia desta intensa, mas prazerosa, desordem proclamada pelo ‘Burst Into Flame’ e vivenciem com total entrega e veneração um dos álbuns mais magistrais hasteados em 2018.

🔥 SonicBlast Moledo 2018: Dia 2

Brisa salgada, Sol reluzente e o opressivo bafo de Lúcifer
Depois de uma noite sossegada onde só a respiração da natureza foi ouvida (relembro que pernoitei num pequeno parque de campismo privativo a poucos metros do recinto), acordei com os primeiros raios solares da manhã. O dia começava a aquecer e desvanecia o orvalho trazido pelo oceano. No exterior da minha tenda governava ainda uma bucólica tranquilidade que servia de travesseiro aos poucos festivaleiros que ali dormiam. Desafoguei a cabeça sonolenta de dentro da tenda e inalei a fresca e revitalizante brisa de aroma marítimo que se passeava por ali. O meu olhar ganhou vivacidade e isso serviu de motivação para passar o resto da manhã num bar junto à praia e de seguida almoçar calmamente num restaurante localizado numa das principais artérias interiores da povoação. Aquele conforto absorveu-me e relaxou-me de tal forma que optei por permanecer naquela zona de Moledo durante mais algumas horas, regressando ao recinto secundário do festival já a meio da tarde. No recinto da piscina imperava uma ambiência harmoniosa generalizada. O Sol exalava uma intensa radiação e bronzeava os muitos corpos que de cerveja empunhada, cabeças baloiçantes e olhar ancorado no palco vivenciavam as primeiras iguarias sonoras servidas naquele segundo e derradeiro dia de SonicBlast. Desta tarde na piscina aguardava com gigantescas expectativas e ansiedade a chegada do tridente nórdico Purple Hill Witch com o seu nervo, compasso e negrume de clara descendência Black Sabbath’ica. Assim que a banda de origem norueguesa empunhou os instrumentos e ligou os amplificadores não demorou a brindar com uma possante, ruidosa e instigante avalanche sonora toda a numerosa e tumultuosa plateia que – saturada de um impaciente entusiasmo – vibrava nas mais próximas imediações em frente do palco. Sustentados num obscuro, majestoso, robusto e poderoso Proto-Metal de rotação setentista que tanto nos sepulta a alma no solo como a dispara na alucinante direcção do Cosmos, os Purple Hill Witch dominaram e entusiasmaram toda a audiência sedenta de algo assim. E foi à boleia dos seus influentes riffs sobrecarregados de uma tirânica, morfínica e lamacenta obscuridade que todos nós inalámos aquela fumarenta e psicotrópica reverberação de tonalidade esverdeada. Em frente ao palco os corpos debatiam-se como podiam perante tal descarga de feições diabólicas e monolíticas, e embatiam entre si numa intensa e prazerosa comoção sem travões à vista. A guitarra luciférica ostentava-se em delirantes, vertiginosos e dilacerantes solos, e agigantava-se em intrigantes acordes que tanto se enegreciam, robusteciam e retardavam, como se intensificavam, enfureciam e aceleravam. O baixo movia-se a linhas pulsantes, vigorosas, torneadas e pujantes que mareavam e tonificavam o riff base, a bateria flamejante explodia a uma ritmicidade galopante e excitante, e os vocais avinagrados, ecoantes e ácidos assombravam toda a arrepiante, enigmática e horripilante atmosfera superiormente criada pelos druidas Purple Hill Witch. Provavelmente os responsáveis pela performance mais impactante assistida naquele palco.


Hipnotismo, cavalaria pesada e a ardência californiana
Avizinhava-se um final de tarde, início de noite e noite de grande emoção. O jovem power-trio helénico Naxatras estreava o palco principal daquele segundo dia de SonicBlast e a plateia consolidava-se ao longo de todo o recinto. Sentia-se toda uma grande expectativa generalizada apontada à actuação da formação mediterrânica, mas a verdade é que os mesmos se exibiram a um nível de tal forma arrebatador ao qual ninguém esperava e tampouco estava preparado. A sua sonoridade magnetizante, exótica e entusiasmante – saturada de um edénico misticismo astral – obrigou toda a massiva e absorta audiência a dança-la de forma detida, extravagante e despreocupada. Testemunhava-se uma encantadora simbiose entre a banda e o público que nunca esmoreceu ao longo da performance. Um autêntico oásis onde a nossa alma se banhara e deleitara do primeiro ao último minuto. As pessoas – de olhar extasiado, sorriso inabalável e alma fascinada – serpenteavam de forma sedutora e comprometida os seus corpos na instintiva resposta comportamental às contagiantes vibrações desprendidas por uma guitarra endeusada de riffs meditativos, inventivos e de uma sagrada envolvência nirvânica, um baixo groovy soberbamente conduzido a linhas pulsantes, dinâmicas, robustas e hipnotizantes, uma bateria absorvente de ritmicidade inquietante, compenetrada e excitante, e ainda uma voz ecoante e liderante que nos norteava nesta messiânica peregrinação pelos distensíveis desertos da nossa espiritualidade. Naxatras revelou tratar-se de uma sagrada e purificante transcendência rumo à intimidade do transe. Uma performance verdadeiramente imaculada de uma das bandas mais queridas e proeminentes do Psychedelic Rock moderno. Não foi nada fácil despertar e emergir das profundezas oníricas em que os gregos nos mergulharam. Um dos concertos mais tântricos e prazerosos desta 8ª edição do SonicBlast teve a assinatura destes gregos.


Tal como já havia sucedido com Nebula, os fiéis discípulos do SonicBlast Moledo tinham agora a oportunidade de (re)ver mais uma formação histórica da tão afamada Desert Scene. De raízes nascidas no início da década de 90 em Nova Jersey (EUA), os explosivos The Atomic Bitchwax estavam de regresso ao mesmo palco pisado em 2014 e deles esperava-se uma alucinante e furiosa viagem pelas poeirentas estradas de um deserto dessecado pelo Sol vigilante. E verdade seja dita que assim os primeiros riffs foram ouvidos e reconhecidos, todos nós nos embebedámos de uma redentora adrenalina. Orientados por um desenfreado, provocante e musculado Stoner Rock aureolado por uma forte radiação psicotrópica, este trio ofensivo motivara os primeiros headbangings do palco principal. A sua sonoridade portentosa equilibra-se por entre a robustez, a intensidade, a leveza e a flexibilidade numa cativante conjugação de forças que nos mantém a ela atrelada do primeiro ao derradeiro tema. E assim foi, os TAB aceleraram a uma só velocidade e regaram-nos de epinefrina via auditiva. O público cerrava os maxilares, carregava o olhar e desprendia a cabeça à vertiginosa boleia de uma fogosa guitarra que se manifestava em vigorosos, dinâmicos e ostentosos acordes, enegrecidos e fortalecidos por um baixo encorpado e torneado, agredidos por uma bateria exuberante e impetuosa, e ainda acicatados por uma voz escarpada, enérgica e abrasada que incendiava e liderava toda esta frenética viagem. TAB ao vivo foi um indomável e raivoso muscle car que nos atropelara e afogueara sem a mais pequena réstia de timidez. No final fizeram por merecer um emotivo e prolongado aplauso que se estendera até ao momento em que trio norte-americano voltou costas ao público e abandonou o palco.


Depois ter ido jantar na companhia sonora de 1000mods, estava de regresso ao recinto para assistir ao concerto de uma das minhas bandas favoritas: Kadavar. Este impactante power-trio germânico subia a um palco onde em 2013 congratularam todos os presentes com a melhor performance dessa edição (aos meus ouvidos, é claro). Fundamentados numa imponente e destravada cavalgada que assola tudo e todos à sua frente, os Kadavar arrancaram para um concerto que não deixara ninguém indiferente. Hasteando um possante, expressivo, altivo e veemente Heavy Rock de tração setentista, estes quatro cavaleiros de instrumentos empunhados instigaram e nutriram uma das mais intensas comoções persentidas fora do palco. Na audiência vivia-se todo um revoltoso mar onde corpos naufragavam à superfície (CrowdSurf) e o clima era de uma plena e redentora euforia transversal a todos aqueles a quem a volumosa reverberação de Kadavar alcançava. Numa setlist bastante diversificada – percorrendo todos os seus registos discográficos – foi na execução de temas mais clássicos como “Doomsday Machine”, “All Our Thoughts”, “Living In Your Head” e “Come Back Life” que a formação germânica sentira maior entusiasmo transpirado da plateia. Vivenciava-se um perfeito clima de total exaltação sustentada por uma guitarra suprema que se amuralhava em riffs resistentes, obscuros, sólidos e intrigantes, e se excedia em solos verdadeiramente atordoantes, convulsivos, desvairados e mirabolantes, um potente baixo de bafo vigoroso, tenso, dinâmico e monstruoso, uma bateria espalhafatosa e cavalgante de acrobacias circenses, inflamantes, talentosas e retumbantes, e ainda uma voz gélida e destemperada que nos afligia e arrepiava. No final estávamos todos ainda demasiado abalados com toda aquela colossal avalanche decibélica que nos havia devastado sem qualquer moderação. Kadavar ao vivo foi uma violenta detonação de adrenalina que nos inquietara e euforizara do primeiro ao último minuto. Foi demasiado fácil entrar em erupção ao som de uma das actuações mais marcantes da presente edição do SonicBlast.


Aproximava-se o momento pelo qual tantos e tantos esperavam com crescente inquietação: Earthless. Tal como acontecera com Causa Sui, já não experienciava Earthless ao vivo desde o verão espanhol de 2009, e, portanto, transbordava de impaciência. Estes três titãs do Heavy Psych californiano marcava pela primeira vez presença num festival que desde o seu começo suspirava por eles. Na plateia os corações rufavam de ansiedade e todos os olhares agarravam o palco com firmeza. E foi debaixo de um aplauso ensurdecedor que a tão carismática banda natural de San Diego subiu a palco. “Uluru Rock” dava assim início a uma das performances mais explosivas e arrebatadoras da história do SonicBlast. O público ardia num intenso entusiasmo, e de olhar desfalecido, semblante caído e oscilante embalava numa profunda e absorvente hipnose. E foi de instrumentos apontados aos seus dois últimos álbuns (‘From the Ages’ e o recém-nascido ‘Black Heaven’) que este assombroso e electrizante power-trio californiano nos envolveu, extasiou e disparou na vertiginosa direcção dos mais distantes e solitários astros do Cosmos narcotizante. Uma estonteante e incrível odisseia que nos embacia e exorciza a lucidez e nos atesta a alma de prazer. Estávamos todos aprisionados a este impetuoso vórtice que rodopiava e engolia tudo à sua volta. Era impossível demover o olhar e os ouvidos do guitarrista/vocalista Isaiah Mitchell que nos presenteava com veneráveis riffs conduzidos a flexibilidade, sentimento, destreza e lubricidade, superava-se e esgotava-se em estupendos solos que nos inflamavam e extenuavam só de os ouvir e diligenciar, e afagava-nos com a sua voz melosa, relaxante, limpa e harmoniosa. Testemunhava-se uma enlouquecedora masturbação da guitarra, desprendendo todas as conjugações possíveis de notas e provocando em nós toda uma implosão consciencial. O espantoso baterista Mario Rubalcaba de baquetas firmemente empunhadas manifestava-se numa selvática performance de propensão ofensiva, ateando e esporeando toda a vulcânica sonoridade de Earthless com a sua magnetizante, redentora, despachada e empolgante ritmicidade, enquanto que o recatado Mike Eginton dirigia o seu baixo com base em linhas pulsantes, robustas, flexíveis e serpenteantes nunca perdendo o riff-base de vista. Estávamos mesmo na presença de três músicos fabulosos que se conhecem e completam como poucos. Uma perfeita simbiose que nos manteve a eles atrelados do primeiro ao último tema. Depois de pouco mais de uma hora de actuação, a banda elevou os instrumentos aos céus e teve de enfrentar toda uma audiência ruidosa que não se conformava com o término do concerto. Os amplificadores deixados ligados sugeriam um encore e assim aconteceu. Para gáudio de todos nós, os Earthless regressavam ao altar para que os pudéssemos adorara durante mais algum tempo. Com a reprodução de mais três temas, entre os quais o já fetiche “Cherry Red” (repescada aos clássicos britânicos The Groundhogs) e a surpreendente interpretação de “Communication Breakdown” (solicitada aos célebres Led zeppelin) a dar como finalizada toda aquela sónica efervescência em que todos nós mergulhámos e da qual não mais regressamos à superfície.


No final estava já bastante combalido e as minhas pernas sugeriam que reaprendesse a caminhar. Foi já com a negra alquimia dos portugueses The Black Wizards – superiormente posta em prática no palco principal – que regressei ao conforto da tenda. TBW pareciam representar o epílogo perfeito para dar como terminada esta 8ª edição do SonicBlast, emoldurados por uma densa mancha humana que parecia não querer arredar pé do recinto. Já é tradição (meritória, entenda-se) assumir o crescendo qualitativo deste festival à beira mar plantado, e por isso não tenho a mais pequena reserva em admitir que esta foi a minha edição favorita. Um line-up extraordinário aliado a um ambiente tremendamente especial fazem desta edição, uma edição da qual é impossível regressar. Que comece a contagem decrescente para a próxima peregrinação a Moledo, pois é lá onde esta imensa minoria se sente verdadeiramente feliz.


*Fotografias da autoria de Miguel Raimundo

🌊 SonicBlast Moledo 2018: Dia 1

Expectativas, a chegada e as reverberações veraneias vindas da Piscina
Pela 7ª vez consecutiva obedeci ao chamamento daquela que há muito considero tratar-se a meca ibérica do Doom, Stoner e Psych Rock: o já carismático festival SonicBlast Moledo. Para a presente edição, a organização apresentava uma irresistível ementa sonora não só capaz de agradar a gregos e troianos como de motivar toda uma enchente nunca antes testemunhada na pequena e convidativa freguesia minhota de Moledo (Caminha, Viana do Castelo). O SonicBlast esgotava a bilheteira pelo 3º ano consecutivo, coroando as 2.600 pessoas portadoras do ingresso, mas também deprimindo outras tantas pela impossibilidade de comungarem esta oitava edição do festival. Adivinhava-se, portanto, uma cerimónia de contornos épicos e assim se materializou. No final da manhã de sexta-feira fazia-me à estrada de alma a transbordar de expectativas e olhar incendiado pelo entusiasmo de rever bandas como Causa Sui, Earthless, Kadavar, e Samsara Blues Experiment, bem como estrear-me frente a formações como Purple Hill Witch, Nebula e Naxatras. Assim que cheguei a Moledo, foi-me imediatamente perceptível a azáfama que o SonicBlast provocara nesta simpática localidade costeira beijada pelo oceano Atlântico. E isso foi preponderante para que – pela primeira vez – optasse por ancorar a tenda num parque privativo a poucos metros do recinto do festival, de forma a evitar a extenuante e duradoura procura de um local razoavelmente agradável na intimidade de uma floresta completamente apinhada de campistas. Com isso, queimei várias etapas e consegui entrar no recinto da piscina ainda a tempo de assistir ao capítulo final da fascinante odisseia desértica levada a cabo pelos portugueses Desert’Smoke. Munidos do seu incrível EP de estreia (review aqui) executado em palco de forma irrepreensível, esta jovem banda natural da capital lusitana empoeirou e conquistou toda uma plateia numerosa e ruidosa com o seu místico Heavy Psych de textura alucinógena e propensão espiritual. No recinto secundário da piscina vivia-se uma atmosfera de perfeita simbiose entre a sonoridade exalada do palco e a densa mancha humana que preenchia toda a zona envolvente. Era tempo de beber umas cervejas geladas e desenvolver tertúlias com velhos e novos conhecidos da scene. O Sol transpirava uma bafagem quente combatida pelas refrescantes e revitalizantes brisas sopradas pelo oceano, resultando num clima verdadeiramente agradável. Os portuenses Astrodome subiam a palco para nos levitarem juntamente com eles rumo aos mais enigmáticos domínios do negrume cósmico. E foi com base no seu Heavy Psych de soberba condução jazzística e uma apaixonante ambiência sideral que sulfataram e eterizaram todas as nossas almas com uma inebriante matéria estelar. As cabeças pendulavam à boleia da sua envolvente ritmicidade, as pálpebras desmaiavam e os sorrisos imortalizavam-se no rosto. Os Astrodome criaram e nutriram todo um perfeito deslumbramento celestial ao qual ninguém se recusou comungar. Deles resultara uma das performances mais aplaudidas e elogiadas vividas naquele palco. Seguia-se o exotismo do tridente irlandês Electric Octopus nas asas das suas hipnóticas, eróticas e dançantes jam’s sublimemente climatizadas e governadas por um psicadelismo tribal de mãos dadas com uma provocante e contagiante vibração Funk que nos obrigara a vivenciar toda uma profunda e detida hipnose só interrompida com o desligar dos amplificadores e o relaxar dos instrumentos. O dia começava a perder fulgor dando início ao demorado ritual crepuscular. Era tempo de virar costas ao recinto da piscina e estrear o recinto principal.


Vibrações douradas, noite ensolarada e a Lua maravilhada
Coube aos britânicos Conan a honrosa responsabilidade de inaugurar o palco principal e o público acorreu em massa e celeridade. Mas como havia visto esta formação (no Kristonfest) há cerca de três meses em território Madrileno, optei por obedecer aos chamamentos guturais do meu estômago e jantar na zona do festival dedicada a essa finalidade. Seguiam-se os italianos Ufomammut com o seu enigmático Psych Doom. Este poderoso tridente de instrumentos soterrados no negrume estelar teve o dom de hipnotizar, envolver e levitar toda uma plateia completamente absorvida pela sua xamânica atmosfera. A sonoridade agressiva, possante, instigante e intrusiva violentamente arremessada pelos Ufomammut provocava e norteava todos aqueles corpos temulentos de punhos cerrados e cabelos esvoaçantes. Um perfeito estádio de submissão que nos abraçara e narcotizara ao longo de toda a actuação. Instrumentos ao alto, aplausos ruidosos e os históricos Nebula em palco. Esta carismática formação californiana liderada pelo Eddie Glass trazia consigo toda a experiência resultada de uma carreira do tamanho de duas décadas inteiramente dedicadas ao desértico e poeirento Stoner Rock cozinhado e estreado nos 90’s, e presentearam todos os presentes com um desempenho proporcional às mais elevadas expectativas que lhes eram debitadas. Numa passeata transversal pelo seu historial discográfico, os norte-americanos Nebula comoveram e exaltaram os seus mais fiéis seguidores com a execução de clássicos como “To the Center” e “Smokin’ Woman”. No final sentia-se um envaidecido paladar de quem havia testemunhado uma das bandas mais influentes desta esfera musical.


Quase nove anos depois, tinha finalmente a oportunidade de rever aquela que se perfila como uma das grandes bandas da minha vida: Causa Sui. Os dinamarqueses subiam a palco e o público fervia num crescente entusiasmo. Vivia-se um clima generalizado de total crença em como aquele seria um dos concertos mais impactantes do festival e estávamos todos certos. Assim que ouvidos e imediatamente reconhecidos os primeiros acordes de “Homage”, toda a numerosa plateia mergulhara num estado de profundo e imperturbável transe que subsistiu muito para lá do corpo temporal daquela actuação. Resultante de uma prazerosa conjugação entre um ensolarado, ofuscante, deslumbrante e adocicado Psych Rock e um lenitivo, envolvente, atraente e narrativo Krautrock, a sua sonoridade veraneia – de empolgante condução jazzística – bronzeara, massajara e extasiara todos aqueles a quem as vibrações douradas de Causa Sui alcançavam. Os nossos corpos transpirados serpenteavam-se numa libidinosa, magnética e ostentosa dança, as nossas pálpebras rendiam-se e desmaiavam e o nosso olhar debatia-se para se manter focado no palco, o sorriso era esculpido e eternizado, a nossa alma afagada e bafejada por um suspiro epicurista. Nada nem ninguém conseguia contrariar toda aquela intensa e deslumbrante ataraxia que nos embaciava a lucidez, manuseava os membros e deleitava os sentidos. Causa Sui ao vivo foi verdadeiramente sublime. Num pêndulo que tanto nos enterrava numa doce e relaxante lisergia, como nos detonava de uma intensa e emancipadora euforia, fomos levados a orbitar uma edénica ode de onde não mais saímos. Temas do passado como “El Paraiso” (provavelmente o meu favorito da banda), "Red Valley" e “Soledad” (que preenchera todo um encore desejado e gritado pelo público com toda a fogosidade) elevaram-me a um perfeito estádio de combustão espiritual que me vomitara de encontro às mais distantes costuras do Cosmos interior. No final do concerto estávamos todos atordoados e incrédulos com o que havíamos testemunhado. As pessoas sorriam entre si numa mistura de cumplicidade, assombro e leviandade. Sabíamos que à boleia de Causa Sui havíamos alcançado tudo aquilo que o ser humano mais cobiça no universo musical: o paraíso mental. Concerto de uma vida.


De presença reiterada no alinhamento do SonicBlast Moledo (haviam estado presentes na já longínqua segunda edição, em 2012), os germânicos Samsara Blues Experiment – entretanto transfigurados de quarteto para trio – eram os responsáveis pela próxima ocupação do palco principal, e deles perspetivava-se uma exibição incensurável, capaz de dar continuidade ao arrebatamento em nós causado e deixado pelos Causa Sui. Esta ilustre formação sediada na cidade-capital de Berlim vergou a audiência com os seus poderosos riffs superiormente edificados por uma guitarra vigorosa, possante e majestosa, enegrecidos e tonificados por um baixo de linhas pulsantes, tensas, torneadas e dançantes, empolados e esporeados por uma bateria flamejante, dinâmica e retumbante, e ainda perfumados pela mágica extravagância exalada por um sintetizador de idioma alienígena capaz de nos catapultar na vertiginosa direcção estelar. E se a esta equação ainda acrescentarmos os vocais vistosos, sólidos e melodiosos temos a fórmula acabada de como nos desprendermos da gravidade terrestre e deambularmos pela infinidade espacial. O público revirava os olhos e sacudia a cabeça na instintiva resposta a esta portentosa avalanche decibélica. Samsara Blues Experiment deram um concerto de natureza inatacável, essencialmente sustentado no lado mais Doom’esco do seu tão característico e místico Heavy Blues.

Foi já com a intrigante, cáustica e vibrante ardência Sludgy do insano power-duo alemão Mantar a intensificar o negrume dos céus que vestiam a noite de Moledo, que me dei por derrotado numa delongada batalha contra o cansaço e avancei decidido, mas cambaleante, na direcção da minha tenda. Aquele primeiro dia prometia deixar em mim toda uma ressaca de longa validade, e ainda esta renovada experiência SonicBlast’eana estava apenas no intervalo.

*Fotografias da autoria de Miguel Raimundo