sexta-feira, 31 de agosto de 2018
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
Review: ⚡ Mythic Sunship - 'Another Shape of Psychedelic Music' (2018) ⚡
Depois de ‘Upheaval’
(desmontado e venerado aqui) ter sido lançado em Janeiro deste mesmo
ano, os incansáveis dinamarqueses Mythic
Sunship – detentores de uma inesgotável capacidade criativa - estão de
regresso com a apresentação do seu novo álbum ‘Another Shape of Psychedelic
Music’, e sinto-me impelido a antecipar que este se trata mesmo do meu álbum
de eleição desta banda escandinava que tanto me preenche e fascina. Com a data
do seu lançamento oficial agendada para o início do próximo mês de Outubro nos
formatos físicos de CD e vinil (bem como no formato digital de mp3), este renovado e quarto trabalho produzido
em território discográfico do já emblemático selo local El Paraiso Records exibe-se como o mais requintado, trabalhado e
exuberante disco de Mythic Sunship. Emergente
de um carnavalesco, bizarro, colorido e exótico sortido de sonoridades – de onde
facilmente se distingue o paladar de um envolvente, hipnótico e viajante Krautrock de natureza cósmica, um
nebuloso, alucinante e ostentoso Heavy
Psych, e ainda um extravagante, caótico e deslumbrante Free Jazz de condução inesperada e inventiva – este novo capítulo
da evolutiva e admirável digressão destes astronautas de instrumentos em punho causara
em mim toda uma imersiva sublimação que me hipnotizara e encantara do primeiro
ao derradeiro tema. São 75 minutos completamente saturados de uma provocante, selvática
e delirante excentricidade que nos sacode, euforiza e implode de um intenso e desgovernado
entusiasmo capaz de nos arremessar com extrema violência pela infinita
vacuidade de um Cosmos embriagado. Inalem toda esta mágica exalação suspirada
pelas estrelas e sintam a vossa sanidade dispersar à estonteante e arrebatadora boleia sonora de duas guitarras
prodigiosas que se entrelaçam na incrível ascensão de gritantes, tumultuosos,
labirínticos e berrantes solos, um baixo infatigável que se desdobra em linhas
reverberantes, oscilantes, fluídas e bailantes, uma ensolarada bateria de deliciosa
orientação jazzística nutrida a um
toque polido, luminoso, leve e habilidoso, e um vibrante saxofone que – com base
nos seus uivantes, efervescentes, revoltosos e serpenteantes bailados – desabrocha
energia e fulgor por todos os espaços virgens desta majestosa e adorável criação
apelidada de ‘Another Shape of Psychedelic’. É-me importante ainda destacar
a distinta aparição do virtuoso guitarrista Jonas Munk (Causa Sui)
na enlouquecedora governação de dois dos temas que incorporam toda esta fabulosa,
ardente e espalhafatosa detonação de prazer. Este é um álbum intensamente mirabolante
e impactante que transpira e evidencia uma anarquia superiormente controlada
pela turma dinamarquesa. Recostem-se confortavelmente, apertem bem os cintos de
segurança e deixem-se farolizar pelo ‘Another Shape of Psychedelic’ num
vertiginoso mergulho cósmico de onde a vossa lucidez não sairá ilesa. Uma vénia
ininterrupta aos Mythic Sunship pela
criação deste talismã bordado, elevado e purificado a desarmante lubricidade, inteligência,
imaginação e voracidade. Este é um disco consumado que resvala nas fronteiras
do impossível. Percam-se e encontrem-se por entre a sua distinta loucura e
formosura, e vivenciem como puderem toda a redentora fogosidade de um dos álbuns mais apoteóticos do ano.
Links:
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El Paraiso Records
El Paraiso Records
quarta-feira, 29 de agosto de 2018
terça-feira, 28 de agosto de 2018
Review: ⚡ Sherpa - 'Tigris & Euphrates' (2018) ⚡
A deslumbrante formação
italiana Sherpa está de regresso com
o lançamento do seu segundo álbum ‘Tigris & Euphrates’ agendado
para o próximo dia 28 de Setembro via Sulatron
Records nos formatos físicos de CD e vinil (este último limitado a 500
cópias existentes). Depois de em 2016 ter absorvido e reverenciado o seu
magnífico álbum de estreia ‘Tanzlinde’ (dissertado e devidamente
elogiado aqui), foi com grande entusiasmo que reagira à irrecusável oportunidade
(promovida pelo selo discográfico germânico Sulatron Records) de ouvir em primeira mão este renovado capítulo
da apaixonante digressão sonora dos mediterrânicos Sherpa
pelas agradáveis e oníricas planícies do psicadelismo. Baseada num radioso,
sonhador, maravilhoso e arrebatador Psych
Rock de atmosfera espiritual e clima
primaveril que se dissolve numa afável, mística e adorável envolvência Kraut’eana, a ataráxica sonoridade de ‘Tigris
& Euphrates’ tem a rara capacidade de nos relaxar, afagar, transcender
e perpetuar num edénico e inabalável estádio mental que nos envolve e consagra
do primeiro ao último tema. São 41 minutos temperados a plena magia em estado
musical que nos sustém num etéreo ambiente climatizado pelo transe. Este novo
registo da banda ancorada na província costeira de Pescara encerra e propaga uma essência verdadeiramente encantadora
e divinal capaz de extasiar e canonizar a alma do comum mortal. Inalem esta sedutora
e irresistível fragância de ‘Tigris & Euphrates’ ao conjugado
som de duas guitarras messiânicas que dialogam entre si com base em sublimes, aconchegantes,
aveludados e suavizantes acordes de desarmante beleza, e prazerosos, esplêndidos
e ostentosos solos que nos esbatem a lucidez, uma voz espectral, cristalina,
plácida e angelical que sobrevoa toda esta utópica narrativa musical, um baixo
lenitivo de reverberação ondulante, magnética, fluída e dançante que nos tomba
o pesado e narcotizado semblante de encontro ao peito, um sintetizador
empoeirado pelas estrelas que distende todo um manto de intrigante e imaculada
fascinação, uma sossegada bateria detidamente entregue a uma ritmicidade relaxante,
delicada e requintada que tiquetaqueia e mareia os meditativos, sagrados e
lisérgicos oceanos de Sherpa. Recostem-se
confortavelmente, respirem pausada e profundamente, tombem as pálpebras e
banhem-se neste autêntico oásis sonoro de natureza terapêutica. Rendam-se perante
a irresistível sublimidade transpirada por ‘Tigris & Euphrates’ e sintam-se
perecer num súbito desmaio de prazer na adorável companhia de um dos álbuns
mais fabulosos de 2018. Uma perfeita obra-prima.
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
domingo, 26 de agosto de 2018
Review: ⚡ Hound - 'Settle Your Scores' (2018) ⚡
O quinteto germânico Hound acaba de apresentar o seu
primeiro trabalho de longa duração apelidado de ‘Settle Your Scores’ e o
resultado não poderia ser mais do meu agrado. Oficialmente lançado no final do
passado mês de Julho sob a forma física de CD e vinil (este último formato
limitado a uma prensagem de apenas 300 cópias disponíveis), e baseado num
intrigante, perfumado, requintado e provocante Hard Rock de ares clássicos numa prazerosa combinação com um
poderoso, fervilhante, elegante e ostentoso Blues Rock de feições diabrinas, este fascinante álbum da jovem
banda enraizada na cidade de Hildesheim
causara em mim todo um súbito impacto que me enfeitiçara e apaixonara do
primeiro ao derradeiro tema. A sua sonoridade vistosa, aliciante e primorosa –
de soberba envolvência revivalista – é nutrida e processada a uma desarmante e
estonteante destreza, volúpia e delicadeza. Existe algo de verdadeiramente
edénico e encantador na copiosa e irresistível atmosfera de ‘Settle
Your Scores’ que nos invade, maravilha e alcooliza com fervor e
expressividade. Uma opulenta e carnavalesca exibição sonora superiormente
conduzida e liderada por um prodigioso e carismático teclado Hammond de espírito dominante que se
manifesta em arrepiantes, aparatosos, sumptuosos e transbordantes bailados, uma
voz gélida, ácida, penetrante e avinagrada que se liberta e passeia com
agradável subtileza, uma guitarra majestosa que se envaidece em charmosos,
imperiosos, oleados e torneados riffs
e se glorifica em solos berrantes, magistrais, labirínticos e desconcertantes, uma
inventiva bateria de vibrantes, dinâmicas e incitantes acrobacias, e ainda um
baixo hipnótico e musculado – balanceado a uma ritmicidade galopante e
flexibilidade dançante – que revigora e obscurece os místicos desígnios de Hound. Este é um álbum arrebatador –
detentor de uma ambiência enigmática – que nos petrifica, dilata as pupilas,
suspende a respiração, e mantém a ele aprisionados do primeiro ao último
minuto. Um disco pavorosamente belo que nos absorve, perturba e purifica.
Banhem-se na sua negra radiância e vivenciem com total entrega e devoção todo
este esotérico ritual marcadamente influenciado pelo lado retro da música Rock. Um
dos meus títulos favoritos de 2018 está aqui, na solene e principesca aura de ‘Settle
Your Scores’. Comunguem-no e adorem-no.
sábado, 25 de agosto de 2018
sexta-feira, 24 de agosto de 2018
Review: ⚡ Amplified Heat - 'Madera' (2018) ⚡
O power-trio texano Amplified
Heat acaba de surpreender todos os seus apóstolos com o lançamento-relâmpago
de ‘Madera’,
o seu terceiro e novo álbum de estúdio. Disponibilizado hoje mesmo através da sua
página oficial de Bandcamp e
unicamente em formato digital, este registo vem condimentado por um elegante,
carismático e electrizante Heavy Blues
de essência vintage, transversal a toda
a linha discográfica da banda desde o momento da sua formação. Naturais da
cidade de Austin (Texas, EUA) estes três irmãos de sangue contam já com cerca de 15 anos de
carreira inteiramente dedicados ao revivalismo sonoro resgatado das décadas de
60 e 70. Referências clássicas como Jimi
Hendrix, Black Sabbath, Cream, ZZ Top, Ten Years After
e Blue Cheer são influências
descaradas na criação musical de Amplified
Heat e ‘Madera’ vem confirmar e reforçar essa tendência (que muito me
agrada, devo dizer). Fundamentado numa ardência erótica – característica tão comum
no velho Heavy Blues – que nos
envolve e revolve ao longo de todo o seu corpo temporal, ‘Madera’ é um álbum
movido a destreza, lubricidade, fineza e majestosidade. Um registo recém-nascido
mas de alma idosa (a sua crua produção à boa moda do Lo-Fi assenta-lhe mesmo
bem) que nos empoeira e afogueia de um sentimento nostálgico. Toda uma deslumbrante
e apaixonante ostentação sonora concebida e conduzida por uma pomposa guitarra –
inspirada nas consagradas raízes do Delta-Blues
– que se envaidece e notabiliza com os seus primorosos, trabalhados, opulentos
e charmosos riffs, e se transcende na
libertação de lustrosos, extravagantes, desconcertantes e aparatosos solos, um
baixo tenso, reverberante – de presença bem marcada e ritmicidade ofegante –
que se serpenteia em linhas pulsantes, volumosas, virtuosas e dançantes, uma excêntrica
bateria de orientação John Bonham’eana detidamente entregue a talentosas, inventivas, ágeis e
fabulosas acrobacias, e ainda uma voz ecoante, tórrida e cortante (a fazer
lembrar os vocais de Mark Arm,
guitarrista e vocalista de Mudhoney)
que cavalga com determinação toda esta provocante exalação bafejada pelo lado
mais Raw
do lendário Heavy Blues. O artwork de feições antiquadas – como que
representando um totem em madeira com os semblantes do trio esculpidos - é da
autoria da já célebre artista texana MishkaWestell. Este é um álbum incensurável – detentor de uma saudosa beleza e
pureza – que nos arrasta consigo tanto para as lamacentas margens do rio
Mississippi como para uma encantadora ambiência de fragância Woodstock’eana de onde não queremos
regressar. Estamos mesmo na honrosa presença de mais um sério candidato à intensa batalha que
se adivinha e avizinha pelos lugares mais cimeiros da listagem onde perfilarão os
melhores álbuns nascidos em 2018.
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
quarta-feira, 22 de agosto de 2018
terça-feira, 21 de agosto de 2018
Review: ⚡ BearSloth - 'Get In The Van' (2018) ⚡
Da cidade norte-americana de
Allentown (Pensilvânia, EUA) acaba
de ser lançado um dos discos por mim mais aguardados do ano. ‘Get in
the Van’ é o tão ansiado álbum de estreia do quarteto BearSloth que finalmente decidira avançar
para estúdio depois de concertos acumulados ao longo dos últimos anos. E se a
minha expectativa a ele dedicada era imensa, assim que ouvira os primeiros riffs sentira a inabalável convicção de
que se trataria mesmo de um dos meus registos favoritos de 2018. Conduzido ao
volante de um atraente, animado, ritmado e empolgante Heavy Psych N’ Blues fervido em efeito fuzz – de onde facilmente se desprendem influências
apontadas a Jimi Hendrix, ZZ Top, Blue Cheer e MC5 – este
adorável registo traz-nos uma airosa fragância de essência revivalista que nos
remete para as emblemáticas e nostálgicas décadas de 1960 e 1970. A sua sonoridade exótica
combina as vertentes heavy do
universo Psychedelic Rock e Blues Rock, presenteando ainda o
ouvinte com ousadas aproximações ao ardente e contagiante Boogie Rock ouvido, dançado e exultado no final dos anos 60. Baseado em lascivos e boémios
riffs – por nós facilmente compreendidos
e sussurrados – que transpiram e disseminam calor, brilho e sedução, este emocionante
‘Get
in the Van’ obriga-nos a dançá-lo de corpo serpenteante, olhar selado e
sorriso talhado no rosto. Estalem os dedos, batam com o pé no chão e agitem-se
prazerosa e extravagantemente à boleia de uma guitarra vivificante que se
balanceia em acordes comoventes, voluptuosos, sinuosos e eletrizantes, e se transcende
na libertação e orientação de atordoantes, extasiados, irresistíveis e uivantes
solos, um baixo sombreado de linhas oscilantes, corpulentas e magnetizantes que
superiormente conjuga o peso com a movimentação, uma bateria expedita de
incansáveis e fogosas acrobacias executadas a habilidade, entusiasmo e
agilidade, um mirabolante e carnavalesco saxofone de envolventes, bizarros,
tortuosos e deslumbrantes bailados à boa moda do Free-Jazz, e ainda uma aveludada, relaxada e encantadora
voz de textura Hendrix’eana que complementa na perfeição toda
esta vulcânica e afrodisíaca manifestação. É-me ainda importante estender o
elogio ao absorvente artwork de
natureza lisérgica e alucinógena – concebido pelo artista Reed Markovitz – que transportara para o domínio visual todo um
efeito sinestésico provocado pelo LSD.
Este é um álbum repleto de uma intensa vitalidade que nos inflama e inquieta do
primeiro ao último minuto. Um registo verdadeiramente absorvente que nos
preenche de alegria e euforia. Embarquem neste ‘Get in the Van’ e saturem-se
de um caloroso entusiasmo que vos bronzeará e narcotizará a lucidez. Um disco
integralmente lavrado à minha imagem e que certamente estará perfilado por
entre os mais valorizados álbuns do ano.
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
Review: ⚡ Haunt - 'Burst Into Flame' (2018) ⚡
Da cidade californiana de Fresno chega-nos uma das mais
agradáveis surpresas sonoras do ano. Lançado muito recentemente pelo selo
discográfico norte-americano Shadow
Kingdom Records nos formatos físicos de CD, cassete e vinil, ‘Burst
Into Flame’ é o primeiro álbum do quarteto Haunt e vem prestar um espantoso tributo ao Heavy Metal forjado na década de 1980. Sendo eu um intratável apaixonado
pelo revivalismo musical aplicado por bandas contemporâneas, este fascinante
registo não poderia passar despercebido ao meu radar. Marcadamente influenciada
pelo lado mais tradicional do Metal,
a ardente sonoridade de ‘Burst Into Flame’ representa uma indomável
locomotiva nutrida e conduzida a uma velocidade verdadeiramente estonteante que
nos entrega a um perfeito estádio de deslumbramento e combustão. Uma ostentosa,
opulenta, harmoniosa, dinâmica e poderosa manifestação sonora levada a cabo por duas
guitarras audazes e vorazes que se envaidecem e unificam na ascensão e orientação de primorosos,
exuberantes, trabalhados e vultosos riffs,
e na sublime exteriorização de majestosos, flamejantes, alucinantes e virtuosos
solos, um baixo sombrio e rosnante de vigorosas, fluídas, oleadas e viçosas linhas
desenhadas a negrito, uma bateria de galope tanto pausado quanto atiçado que
tiquetaqueia e esporeia todo este registo com incansável dinamismo, perícia e
cuidado, e uma voz ensolarada, translúcida, melódica e temperada que empresta
toda uma elegância e encantamento a esta consagrada e imponente cavalgada capaz
de nos lavrar a alma do primeiro ao derradeiro tema. É de destacar ainda pela
positiva o caprichoso e enigmático artwork
superiormente ilustrado pela BrouemasterVisual Decay que confere rosto e todo um imaginário visual a esta formosa e
esmerada obra-prima. São cerca de 37 minutos integralmente entregues a uma sedutora
e redentora vivacidade que nos mantém absorvidos, perpetuados e rendidos aos intrigantes
e maravilhosos desígnios de Haunt. Uma
selvática e tirânica cavalaria pesada que prontamente nos atropela e conquista. Estamos
mesmo na nobre presença de uma das mais aclamadas e inspiradas odes à carismática
vertente old school do Heavy Metal testemunhadas nos últimos
anos. Sintam-se inflamar e euforizar à boleia desta intensa, mas prazerosa,
desordem proclamada pelo ‘Burst Into Flame’ e vivenciem com
total entrega e veneração um dos álbuns mais magistrais hasteados em 2018.
domingo, 19 de agosto de 2018
sábado, 18 de agosto de 2018
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
🔥 SonicBlast Moledo 2018: Dia 2
Brisa salgada, Sol reluzente e o opressivo
bafo de Lúcifer
Depois de uma noite
sossegada onde só a respiração da natureza foi ouvida (relembro que pernoitei
num pequeno parque de campismo privativo a poucos metros do recinto), acordei
com os primeiros raios solares da manhã. O dia começava a aquecer e desvanecia
o orvalho trazido pelo oceano. No exterior da minha tenda governava ainda uma
bucólica tranquilidade que servia de travesseiro aos poucos festivaleiros que
ali dormiam. Desafoguei a cabeça sonolenta de dentro da tenda e inalei a fresca
e revitalizante brisa de aroma marítimo que se passeava por ali. O meu olhar
ganhou vivacidade e isso serviu de motivação para passar o resto da manhã num
bar junto à praia e de seguida almoçar calmamente num restaurante localizado
numa das principais artérias interiores da povoação. Aquele conforto
absorveu-me e relaxou-me de tal forma que optei por permanecer naquela zona de
Moledo durante mais algumas horas, regressando ao recinto secundário do
festival já a meio da tarde. No recinto da piscina imperava uma ambiência
harmoniosa generalizada. O Sol exalava uma intensa radiação e bronzeava os
muitos corpos que de cerveja empunhada, cabeças baloiçantes e olhar ancorado no
palco vivenciavam as primeiras iguarias sonoras servidas naquele segundo e
derradeiro dia de SonicBlast. Desta
tarde na piscina aguardava com gigantescas expectativas e ansiedade a chegada
do tridente nórdico Purple Hill Witch
com o seu nervo, compasso e negrume de clara descendência Black Sabbath’ica. Assim que a banda de origem norueguesa
empunhou os instrumentos e ligou os amplificadores não demorou a brindar com
uma possante, ruidosa e instigante avalanche sonora toda a numerosa e
tumultuosa plateia que – saturada de um impaciente entusiasmo – vibrava nas mais
próximas imediações em frente do palco. Sustentados num obscuro, majestoso,
robusto e poderoso Proto-Metal de
rotação setentista que tanto nos
sepulta a alma no solo como a dispara na alucinante direcção do Cosmos, os Purple Hill Witch dominaram e
entusiasmaram toda a audiência sedenta de algo assim. E foi à boleia dos seus
influentes riffs sobrecarregados de
uma tirânica, morfínica e lamacenta obscuridade que todos nós inalámos aquela
fumarenta e psicotrópica reverberação de tonalidade esverdeada. Em frente ao
palco os corpos debatiam-se como podiam perante tal descarga de feições diabólicas
e monolíticas, e embatiam entre si numa intensa e prazerosa comoção sem travões
à vista. A guitarra luciférica ostentava-se em delirantes, vertiginosos e
dilacerantes solos, e agigantava-se em intrigantes acordes que tanto se
enegreciam, robusteciam e retardavam, como se intensificavam, enfureciam e aceleravam.
O baixo movia-se a linhas pulsantes, vigorosas, torneadas e pujantes que
mareavam e tonificavam o riff base, a
bateria flamejante explodia a uma ritmicidade galopante e excitante, e os
vocais avinagrados, ecoantes e ácidos assombravam toda a arrepiante, enigmática
e horripilante atmosfera superiormente criada pelos druidas Purple Hill Witch. Provavelmente os
responsáveis pela performance mais impactante assistida naquele palco.
Hipnotismo, cavalaria pesada e a ardência
californiana
Avizinhava-se
um final de tarde, início de noite e noite de grande emoção. O jovem power-trio helénico Naxatras estreava o palco principal daquele segundo dia de SonicBlast e a plateia consolidava-se
ao longo de todo o recinto. Sentia-se toda uma grande expectativa generalizada
apontada à actuação da formação mediterrânica, mas a verdade é que os mesmos se
exibiram a um nível de tal forma arrebatador ao qual ninguém esperava e
tampouco estava preparado. A sua sonoridade magnetizante, exótica e
entusiasmante – saturada de um edénico misticismo astral – obrigou toda a
massiva e absorta audiência a dança-la de forma detida, extravagante e
despreocupada. Testemunhava-se uma encantadora simbiose entre a banda e o
público que nunca esmoreceu ao longo da performance. Um autêntico oásis onde a
nossa alma se banhara e deleitara do primeiro ao último minuto. As pessoas – de
olhar extasiado, sorriso inabalável e alma fascinada – serpenteavam de forma
sedutora e comprometida os seus corpos na instintiva resposta comportamental às
contagiantes vibrações desprendidas por uma guitarra endeusada de riffs meditativos, inventivos e de uma sagrada envolvência nirvânica, um baixo groovy
soberbamente conduzido a linhas pulsantes, dinâmicas, robustas e hipnotizantes,
uma bateria absorvente de ritmicidade inquietante, compenetrada e excitante, e
ainda uma voz ecoante e liderante que nos norteava nesta messiânica
peregrinação pelos distensíveis desertos da nossa espiritualidade. Naxatras revelou tratar-se de uma
sagrada e purificante transcendência rumo à intimidade do transe. Uma performance verdadeiramente imaculada de uma das bandas
mais queridas e proeminentes do Psychedelic
Rock moderno. Não foi nada fácil despertar e emergir das profundezas
oníricas em que os gregos nos mergulharam. Um dos concertos mais tântricos e prazerosos
desta 8ª edição do SonicBlast teve a
assinatura destes gregos.
Tal como já havia sucedido
com Nebula, os fiéis discípulos do SonicBlast Moledo tinham agora a oportunidade de (re)ver mais uma formação
histórica da tão afamada Desert Scene.
De raízes nascidas no início da década de 90 em Nova Jersey (EUA), os
explosivos The Atomic Bitchwax
estavam de regresso ao mesmo palco pisado em 2014 e deles esperava-se uma
alucinante e furiosa viagem pelas poeirentas estradas de um deserto dessecado
pelo Sol vigilante. E verdade seja dita que assim os primeiros riffs foram ouvidos e reconhecidos,
todos nós nos embebedámos de uma redentora adrenalina. Orientados por um
desenfreado, provocante e musculado Stoner
Rock aureolado por uma forte radiação psicotrópica, este trio ofensivo
motivara os primeiros headbangings do
palco principal. A sua sonoridade portentosa equilibra-se por entre a robustez,
a intensidade, a leveza e a flexibilidade numa cativante conjugação de forças
que nos mantém a ela atrelada do primeiro ao derradeiro tema. E assim foi, os TAB aceleraram a uma só velocidade e
regaram-nos de epinefrina via auditiva. O público cerrava os maxilares, carregava
o olhar e desprendia a cabeça à vertiginosa boleia de uma fogosa guitarra que
se manifestava em vigorosos, dinâmicos e ostentosos acordes, enegrecidos e
fortalecidos por um baixo encorpado e torneado, agredidos por uma bateria
exuberante e impetuosa, e ainda acicatados por uma voz escarpada, enérgica e
abrasada que incendiava e liderava toda esta frenética viagem. TAB ao vivo foi um indomável e raivoso muscle car que nos atropelara e
afogueara sem a mais pequena réstia de timidez. No final fizeram por merecer um
emotivo e prolongado aplauso que se estendera até ao momento em que trio
norte-americano voltou costas ao público e abandonou o palco.
Depois ter ido jantar na companhia sonora de 1000mods, estava de regresso ao recinto para assistir ao concerto
de uma das minhas bandas favoritas: Kadavar.
Este impactante power-trio germânico
subia a um palco onde em 2013 congratularam todos os presentes com a melhor
performance dessa edição (aos meus ouvidos, é claro). Fundamentados numa
imponente e destravada cavalgada que assola tudo e todos à sua frente, os Kadavar arrancaram para um concerto que
não deixara ninguém indiferente. Hasteando um possante, expressivo, altivo e
veemente Heavy Rock de tração setentista, estes quatro cavaleiros de
instrumentos empunhados instigaram e nutriram uma das mais intensas comoções
persentidas fora do palco. Na audiência vivia-se todo um revoltoso mar onde
corpos naufragavam à superfície (CrowdSurf)
e o clima era de uma plena e redentora euforia transversal a todos aqueles a
quem a volumosa reverberação de Kadavar
alcançava. Numa setlist bastante
diversificada – percorrendo todos os seus registos discográficos – foi na
execução de temas mais clássicos como “Doomsday Machine”, “All Our
Thoughts”, “Living In Your Head” e “Come Back Life” que a formação
germânica sentira maior entusiasmo transpirado da plateia. Vivenciava-se um
perfeito clima de total exaltação sustentada por uma guitarra suprema que se
amuralhava em riffs resistentes,
obscuros, sólidos e intrigantes, e se excedia em solos verdadeiramente
atordoantes, convulsivos, desvairados e mirabolantes, um potente baixo de bafo
vigoroso, tenso, dinâmico e monstruoso, uma bateria espalhafatosa e cavalgante de
acrobacias circenses, inflamantes, talentosas e retumbantes, e ainda uma voz gélida
e destemperada que nos afligia e arrepiava. No final estávamos todos ainda
demasiado abalados com toda aquela colossal avalanche decibélica que nos havia
devastado sem qualquer moderação. Kadavar
ao vivo foi uma violenta detonação de adrenalina que nos inquietara e
euforizara do primeiro ao último minuto. Foi demasiado fácil entrar em erupção
ao som de uma das actuações mais marcantes da presente edição do SonicBlast.
Aproximava-se o momento pelo qual tantos e tantos esperavam com crescente inquietação:
Earthless. Tal como acontecera com Causa Sui, já não experienciava Earthless ao vivo desde o verão
espanhol de 2009, e, portanto, transbordava de impaciência. Estes três titãs do
Heavy Psych californiano marcava
pela primeira vez presença num festival que desde o seu começo suspirava por
eles. Na plateia os corações rufavam de ansiedade e todos os olhares agarravam
o palco com firmeza. E foi debaixo de um aplauso ensurdecedor que a tão
carismática banda natural de San Diego
subiu a palco. “Uluru Rock” dava assim início a uma das performances mais
explosivas e arrebatadoras da história do SonicBlast.
O público ardia num intenso entusiasmo, e de olhar desfalecido, semblante caído
e oscilante embalava numa profunda e absorvente hipnose. E foi de instrumentos
apontados aos seus dois últimos álbuns (‘From the Ages’ e o recém-nascido ‘Black
Heaven’) que este assombroso e electrizante power-trio californiano nos envolveu, extasiou e disparou na vertiginosa
direcção dos mais distantes e solitários astros do Cosmos narcotizante. Uma
estonteante e incrível odisseia que nos embacia e exorciza a lucidez e nos
atesta a alma de prazer. Estávamos todos aprisionados a este impetuoso vórtice
que rodopiava e engolia tudo à sua volta. Era impossível demover o olhar e os
ouvidos do guitarrista/vocalista Isaiah
Mitchell que nos presenteava com veneráveis riffs conduzidos a flexibilidade, sentimento, destreza e lubricidade,
superava-se e esgotava-se em estupendos solos que nos inflamavam e extenuavam
só de os ouvir e diligenciar, e afagava-nos com a sua voz melosa, relaxante,
limpa e harmoniosa. Testemunhava-se uma enlouquecedora masturbação da guitarra,
desprendendo todas as conjugações possíveis de notas e provocando em nós toda
uma implosão consciencial. O espantoso baterista Mario Rubalcaba de baquetas firmemente empunhadas manifestava-se
numa selvática performance de propensão ofensiva, ateando e esporeando toda a vulcânica
sonoridade de Earthless com a sua magnetizante,
redentora, despachada e empolgante ritmicidade, enquanto que o recatado Mike Eginton dirigia o seu baixo com
base em linhas pulsantes, robustas, flexíveis e serpenteantes nunca perdendo o riff-base de vista. Estávamos mesmo na
presença de três músicos fabulosos que se conhecem e completam como poucos. Uma
perfeita simbiose que nos manteve a eles atrelados do primeiro ao último tema.
Depois de pouco mais de uma hora de actuação, a banda elevou os instrumentos
aos céus e teve de enfrentar toda uma audiência ruidosa que não se conformava
com o término do concerto. Os amplificadores deixados ligados sugeriam um encore e assim aconteceu. Para gáudio de
todos nós, os Earthless regressavam
ao altar para que os pudéssemos adorara durante mais algum tempo. Com a
reprodução de mais três temas, entre os quais o já fetiche “Cherry Red” (repescada
aos clássicos britânicos The Groundhogs)
e a surpreendente interpretação de “Communication
Breakdown” (solicitada aos célebres Led
zeppelin) a dar como finalizada toda aquela sónica efervescência em que todos
nós mergulhámos e da qual não mais regressamos à superfície.
No final estava já bastante combalido e as minhas pernas sugeriam que reaprendesse a caminhar. Foi já com a negra alquimia dos portugueses The Black Wizards – superiormente posta em prática no palco principal – que regressei ao conforto da tenda. TBW pareciam representar o epílogo perfeito para dar como terminada esta 8ª edição do SonicBlast, emoldurados por uma densa mancha humana que parecia não querer arredar pé do recinto. Já é tradição (meritória, entenda-se) assumir o crescendo qualitativo deste festival à beira mar plantado, e por isso não tenho a mais pequena reserva em admitir que esta foi a minha edição favorita. Um line-up extraordinário aliado a um ambiente tremendamente especial fazem desta edição, uma edição da qual é impossível regressar. Que comece a contagem decrescente para a próxima peregrinação a Moledo, pois é lá onde esta imensa minoria se sente verdadeiramente feliz.
*Fotografias da
autoria de Miguel Raimundo
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
quarta-feira, 15 de agosto de 2018
terça-feira, 14 de agosto de 2018
🌊 SonicBlast Moledo 2018: Dia 1
Expectativas, a chegada e as reverberações
veraneias vindas da Piscina
Pela 7ª vez consecutiva
obedeci ao chamamento daquela que há muito considero tratar-se a meca ibérica
do Doom, Stoner e Psych Rock: o
já carismático festival SonicBlast
Moledo. Para a presente edição, a organização apresentava uma irresistível
ementa sonora não só capaz de agradar a gregos e troianos como de motivar toda uma
enchente nunca antes testemunhada na pequena e convidativa freguesia minhota de
Moledo (Caminha, Viana do Castelo).
O SonicBlast esgotava a bilheteira pelo
3º ano consecutivo, coroando as 2.600 pessoas portadoras do ingresso, mas
também deprimindo outras tantas pela impossibilidade de comungarem esta oitava
edição do festival. Adivinhava-se, portanto, uma cerimónia de contornos épicos
e assim se materializou. No final da manhã de sexta-feira fazia-me à estrada de
alma a transbordar de expectativas e olhar incendiado pelo entusiasmo de rever
bandas como Causa Sui, Earthless, Kadavar, e Samsara Blues
Experiment, bem como estrear-me frente a formações como Purple Hill Witch, Nebula e Naxatras. Assim
que cheguei a Moledo, foi-me imediatamente perceptível a azáfama que o SonicBlast provocara nesta simpática localidade
costeira beijada pelo oceano Atlântico. E isso foi preponderante para que –
pela primeira vez – optasse por ancorar a tenda num parque privativo a poucos
metros do recinto do festival, de forma a evitar a extenuante e duradoura
procura de um local razoavelmente agradável na intimidade de uma floresta completamente
apinhada de campistas. Com isso, queimei várias etapas e consegui entrar no
recinto da piscina ainda a tempo de assistir ao capítulo final da fascinante
odisseia desértica levada a cabo pelos portugueses Desert’Smoke. Munidos do seu incrível EP de estreia (review aqui)
executado em palco de forma irrepreensível, esta jovem banda natural da capital
lusitana empoeirou e conquistou toda uma plateia numerosa e ruidosa com o seu
místico Heavy Psych de textura
alucinógena e propensão espiritual. No recinto secundário da piscina vivia-se
uma atmosfera de perfeita simbiose entre a sonoridade exalada do palco e a
densa mancha humana que preenchia toda a zona envolvente. Era tempo de beber
umas cervejas geladas e desenvolver tertúlias com velhos e novos conhecidos da scene. O Sol transpirava uma bafagem
quente combatida pelas refrescantes e revitalizantes brisas sopradas pelo
oceano, resultando num clima verdadeiramente agradável. Os portuenses Astrodome subiam a palco para nos levitarem
juntamente com eles rumo aos mais enigmáticos domínios do negrume cósmico. E
foi com base no seu Heavy Psych de soberba
condução jazzística e uma apaixonante
ambiência sideral que sulfataram e eterizaram todas as nossas almas com uma
inebriante matéria estelar. As cabeças pendulavam à boleia da sua envolvente
ritmicidade, as pálpebras desmaiavam e os sorrisos imortalizavam-se no rosto.
Os Astrodome criaram e nutriram todo
um perfeito deslumbramento celestial ao qual ninguém se recusou comungar. Deles resultara uma
das performances mais aplaudidas e elogiadas vividas naquele palco. Seguia-se o
exotismo do tridente irlandês Electric
Octopus nas asas das suas hipnóticas, eróticas e dançantes jam’s sublimemente climatizadas e
governadas por um psicadelismo tribal de mãos dadas com uma provocante e contagiante vibração
Funk que nos obrigara a vivenciar
toda uma profunda e detida hipnose só interrompida com o desligar dos
amplificadores e o relaxar dos instrumentos. O dia começava a perder fulgor
dando início ao demorado ritual crepuscular. Era tempo de virar costas ao
recinto da piscina e estrear o recinto principal.
Vibrações douradas, noite ensolarada e a Lua maravilhada
Coube aos britânicos Conan a honrosa responsabilidade de
inaugurar o palco principal e o público acorreu em massa e celeridade. Mas como
havia visto esta formação (no Kristonfest)
há cerca de três meses em território Madrileno, optei por obedecer aos chamamentos
guturais do meu estômago e jantar na zona do festival dedicada a essa
finalidade. Seguiam-se os italianos Ufomammut
com o seu enigmático Psych Doom.
Este poderoso tridente de instrumentos soterrados no negrume estelar teve o dom
de hipnotizar, envolver e levitar toda uma plateia completamente absorvida pela
sua xamânica atmosfera. A sonoridade agressiva, possante, instigante e
intrusiva violentamente arremessada pelos Ufomammut
provocava e norteava todos aqueles corpos temulentos de punhos cerrados e
cabelos esvoaçantes. Um perfeito estádio de submissão que nos abraçara e
narcotizara ao longo de toda a actuação. Instrumentos ao alto, aplausos
ruidosos e os históricos Nebula em
palco. Esta carismática formação californiana liderada pelo Eddie Glass trazia consigo toda a
experiência resultada de uma carreira do tamanho de duas décadas inteiramente dedicadas ao desértico e poeirento Stoner Rock cozinhado e
estreado nos 90’s, e presentearam todos os presentes com um desempenho
proporcional às mais elevadas expectativas que lhes eram debitadas. Numa
passeata transversal pelo seu historial discográfico, os norte-americanos Nebula comoveram e exaltaram os seus mais fiéis seguidores com a
execução de clássicos como “To the
Center” e “Smokin’ Woman”. No
final sentia-se um envaidecido paladar de quem havia testemunhado uma das
bandas mais influentes desta esfera musical.
Quase nove anos depois, tinha finalmente a oportunidade de rever aquela que se
perfila como uma das grandes bandas da minha vida: Causa Sui. Os dinamarqueses subiam a palco e o público fervia num
crescente entusiasmo. Vivia-se um clima generalizado de total crença em como
aquele seria um dos concertos mais impactantes do festival e estávamos todos
certos. Assim que ouvidos e imediatamente reconhecidos os primeiros acordes de “Homage”, toda a numerosa plateia
mergulhara num estado de profundo e imperturbável transe que subsistiu muito
para lá do corpo temporal daquela actuação. Resultante de uma prazerosa
conjugação entre um ensolarado, ofuscante, deslumbrante e adocicado Psych Rock e um lenitivo, envolvente,
atraente e narrativo Krautrock, a
sua sonoridade veraneia – de empolgante condução jazzística – bronzeara, massajara e extasiara todos aqueles a quem
as vibrações douradas de Causa Sui
alcançavam. Os nossos corpos transpirados serpenteavam-se numa libidinosa,
magnética e ostentosa dança, as nossas pálpebras rendiam-se e desmaiavam e o
nosso olhar debatia-se para se manter focado no palco, o sorriso era esculpido
e eternizado, a nossa alma afagada e bafejada por um suspiro epicurista. Nada
nem ninguém conseguia contrariar toda aquela intensa e deslumbrante ataraxia
que nos embaciava a lucidez, manuseava os membros e deleitava os sentidos. Causa Sui ao vivo foi verdadeiramente
sublime. Num pêndulo que tanto nos enterrava numa doce e relaxante lisergia,
como nos detonava de uma intensa e emancipadora euforia, fomos levados a
orbitar uma edénica ode de onde não mais saímos. Temas do passado como “El Paraiso” (provavelmente o meu
favorito da banda), "Red Valley" e “Soledad” (que
preenchera todo um encore desejado e
gritado pelo público com toda a fogosidade) elevaram-me a um perfeito estádio
de combustão espiritual que me vomitara de encontro às mais distantes costuras
do Cosmos interior. No final do concerto estávamos todos atordoados e
incrédulos com o que havíamos testemunhado. As pessoas sorriam entre si numa
mistura de cumplicidade, assombro e leviandade. Sabíamos que à boleia de Causa Sui havíamos alcançado tudo
aquilo que o ser humano mais cobiça no universo musical: o paraíso mental. Concerto
de uma vida.
De presença reiterada no
alinhamento do SonicBlast Moledo (haviam
estado presentes na já longínqua segunda edição, em 2012), os germânicos Samsara Blues Experiment – entretanto
transfigurados de quarteto para trio – eram os responsáveis pela próxima
ocupação do palco principal, e deles perspetivava-se uma exibição incensurável,
capaz de dar continuidade ao arrebatamento em nós causado e deixado pelos Causa Sui. Esta ilustre formação
sediada na cidade-capital de Berlim
vergou a audiência com os seus poderosos riffs
superiormente edificados por uma guitarra vigorosa, possante e majestosa,
enegrecidos e tonificados por um baixo de linhas pulsantes, tensas, torneadas e
dançantes, empolados e esporeados por uma bateria flamejante, dinâmica e
retumbante, e ainda perfumados pela mágica extravagância exalada por um sintetizador
de idioma alienígena capaz de nos catapultar na vertiginosa direcção estelar. E
se a esta equação ainda acrescentarmos os vocais vistosos, sólidos e melodiosos
temos a fórmula acabada de como nos desprendermos da gravidade terrestre e
deambularmos pela infinidade espacial. O público revirava os olhos e sacudia a
cabeça na instintiva resposta a esta portentosa avalanche decibélica. Samsara Blues Experiment deram um
concerto de natureza inatacável, essencialmente sustentado no lado mais Doom’esco do seu tão característico e
místico Heavy Blues.
Foi já com a intrigante, cáustica e vibrante ardência Sludgy do insano power-duo alemão Mantar a intensificar o negrume dos céus que vestiam a noite de Moledo, que me dei por derrotado numa delongada batalha contra o cansaço e avancei decidido, mas cambaleante, na direcção da minha tenda. Aquele primeiro dia prometia deixar em mim toda uma ressaca de longa validade, e ainda esta renovada experiência SonicBlast’eana estava apenas no intervalo.
*Fotografias da autoria de Miguel Raimundo
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