Review: ⚡ All Them Witches - 'Nothing as the Ideal' (2020) ⚡

★★★★

É justo começar por confessar que o meu primeiro encontro com o muitíssimo ansiado novo álbum dos norte-americanos All Them Witches não tivera em mim o impacto que eu até então perspectivava, mas havia algo nele que reclamava para si próprio um prolongamento de paciência e consequente compreensão. E em boa hora não desisti dele, pois o mesmo acabara por se materializar num daqueles raros casos em que primeiro se estranha, depois entranha-se e reverencia-se. Com o acumular de frescas e renovadas audições, ‘Nothing as the Ideal’ foi-se agigantando em mim, e em mim cimentando a madura convicção de que se trata de um bonito álbum à altura de uma adorável banda detentora de uma admirável capacidade de se reinventar sem que a qualidade da sua musicalidade saia beliscada. Lançado na madrugada de Setembro pela mão da editora independente New West Records através dos formatos físicos de CD e vinil, este quinto álbum de estúdio da consagrada formação sediada na cidade de Nashville (capital do estado do Tennessee) ostenta uma fascinante hibridez que se balanceia entre composições trajadas a uma singeleza estilística e outras de uma ousada complexidade cerebral. Na fórmula deste colorido sortido sonoro temos toda uma constante mutação de intensos, apetitosos mas efémeros paladares que se desprendem e passeiam de um ensolarado, místico, afrodisíaco e embriagado Psychedelic Rock de mãos dadas a um meditativo, hipnótico e imersivo Krautrock de propensão astral que em coligação se desenvolvem, inflamam e revolvem num fibrado, dinâmico e oleado Progressive Metal, a um arenoso, nirvânico, pacífico e lustroso Country Blues de aura crepuscular que nos empoeira a alma de uma purificante fragância desértica. Num andar felino que – de forma cuidada, caprichada e elegante – se equilibra por entre fogosas, troantes e poderosas cavalgadas de instrumentos em debandada e a todo o vapor que nos sobreaquecem o motor, e atmosféricas, ociosas e lisérgicas baladas sublimemente dedilhadas a beleza e delicadeza que nos estarrecem o espírito sedento por experienciar algo assim, ‘Nothing as the Ideal’ recosta o ouvinte a um etéreo e imperturbável estádio de diluviana ataraxia que lhe massaja membros e sentidos. Embebidos neste balsâmico néctar, somos levemente embriagados e canalizados até às praias do transe espiritual. Recentemente metamorfoseados de quarteto para trio, os All Them Witches conduzem esta sua nova obra ao volante de uma primorosa guitarra que ruge vigorosos, garridos fragorosos Riffs e uiva comoventes, histéricos e atordoantes solos, um baixo pulsante de reverberação fluída, tonificada e dançante, uma bateria enfática de pratos flamejantes e timbalões acrobáticos, e uma liderante voz de tez açucarada, melodiosa e aveludada. ‘Nothing as the Ideal’ encerra uma sedutora, preclara e emancipadora quimera que nos entontece a lucidez e atesta de uma eufórica e melancólica embriaguez. Um dos melhores álbuns do ano está aqui, no mais recente rasgo criativo de uma das bandas merecidamente mais respeitadas e estimadas do momento.

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Review: ⚡ Madhouse Express - 'Surreal Meadow' (2020) ⚡

★★★★

Da cidade-capital de Praga (República Checa) chega-nos o maravilhoso álbum de estreia sublimemente formulado pelo quarteto Madhouse Express. Lançado na viragem da primeira para a segunda metade do presente mês de Novembro sob a forma digital e ainda em formato de vinil, ‘Surreal Meadow’ equilibra-se por entre uma efervescência vulcânica que nos sobreaquece de ardente euforia, e uma nebulosidade melancólica que nos arrefece de inebriante letargia. A sua obcecante sonoridade, orvalhada a purificante misticismo, texturizada a transbordante psicadelismo e trajada a extravagante revivalismo, desprende o floral aroma primaveril de um intoxicante, solarengo e extasiante Neo-Psychedelic Rock de estirpe sessentista, e a refrescante brisa salgada suspirada por um extravagante, serpenteado e dançante Surf Rock de ritmos Garageiros, ventos Western'eanos e arábicos devaneios. Influenciado por carismáticas referências dos vistosos 60's tais como The Doors, Jefferson Airplane e Ultimate Spinach, e climatizado por uma atmosfera onírica que nos mergulha num profundo estádio de imperturbável sonambulismo, este primeiro trabalho de longa duração hasteado pela refinada formação checa liberta toda uma mágica profusão de toxinas. De olhar semi-selado, narinas dilatadas, sorriso perpetuado no rosto, e cabeça bamboleada de ombro a ombro somos farolizados e cortejados por duas guitarras ácidas que rubricam caleidoscópicos, deslumbrantes e utópicos acordes de beleza principesca, e vomitam ecoantes, delirados e esvoaçantes solos de embriagante exotismo, um magnético baixo de bafagem pulsante, densa e flutuante, uma bateria tribal de ritmicidade hipnótica, acrobática e estimulante, sidéricos teclados de enfeitiçante alquimia superiormente musicada, e vocais joviais de simetria aristocrática, burlesca e profética que chefiam com eloquente distinção toda esta nirvânica e colorida digressão aos alucinantes anos 60. ‘Surreal Meadow’ amortalha e embala o ouvinte numa prismática, majestática e enlouquecedora narcose tingida a LSD. São 44 minutos de pura sinestesia que nos escancara as portas da percepção e esvaia toda a nossa consciência pelos infindáveis desertos da introspecção. Não vai ser fácil – ou sequer desejado – regressar deste lúcido sonho sulfatado a etérea toxicidade. Recostem-se confortavelmente, respirem pausada e profundamente, relaxem os membros, e desmaiem neste encantado universo sensorial de Aldous Huxley. Uma das mais impactantes surpresas sonoras desta ponta final de ano está aqui, na estética, religiosa e enteogénica digressão de Madhouse Express pelos desdobráveis firmamentos da nossa endeusada espiritualidade. Comunguem-no sem qualquer moderação, vivenciem-no sem qualquer inibição e reverenciem-no sem qualquer condição.

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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Review: ⚡ Luna Cruise - 'Sand Reckoner' EP (2020) ⚡

★★★★

Proveniente de Jacksonville – a cidade mais populosa do estado norte-americano da Flórida – chega-nos o novo EP do jovem quinteto Luna Cruise. Florescido em território veraneio e sob o exclusivo formato digital, ‘Sand Reckoner’ balanceia-se, envaidece-se e esperneia-se entre um melódico, embriagante, provocante e caleidoscópico Psychedelic Rock de solarenga melosidade e roupagem revivalista, e um dominante, nebuloso, resinoso e atordoante Psychedelic Doom banhado a cega negrura e intensamente fervido num Fuzz fogoso, crepitante e arenoso. A sonoridade sublimada, edénica, profética e multifacetada deste maravilhoso EP combina a fresca, colorida e perfumada leveza com a vulcânica, mastodôntica e obscura rudeza, a mélica, radiosa e melancólica letargia com a vibrante, calorosa e purificante euforia. De cabeça meneante, narinas dilatadas, espírito arrebatado e um petrificado olhar de expressão sonhadora, somos extasiados e embalados nesta esplendorosa infusão de deliciosas secreções e alquimistas combustões à etérea boleia de duas guitarras eróticas que se mareiam em Riffs cremosos, comoventes e charmosos, e serpenteiam em solos borbulhantes, tóxicos e delirantes, um baixo ondeante, hipnótico e pulsante de reverberação conduzida a enfeitiçante volúpia, uma bateria groovy de ritmicidade cuidada, altiva e criativa, um mágico teclado que orvalha toda a atmosfera do EP com uma mística, revitalizante e aromática bruma, e ainda uma voz simpática, harmoniosa e aristocrática – de postura vocal a evocar o célebre Jim Morrison (The Doors) – que lidera com vistosa eloquência todo este elegante, exótico e magnetizante cabaret. São 22 minutos integralmente inundados e chamejados por uma reflexiva comoção que tanto nos ancora e adormece nos abismos de uma nirvânica introspecção, como sacode e implode num desgovernado estádio de pura excitação. Deixem-se absorver e embevecer no nostálgico, temulento, ternurento e seráfico psicadelismo soberbamente musicado pelos Luna Cruise, e saboreiem sem qualquer moderação este sumarento néctar de ingestão auditiva. Não vai ser nada fácil despertar deste lúcido sonho farolizado a luzência lunar e oxigenado a utopia. Um dos mais sumptuosos EP’s do presente ano está aqui, na afrodisíaca excelência deste singular ‘Sand Reckoner’. Salivem-no e reverenciem-no abundantemente do primeiro ao derradeiro minuto.

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Review: ⚡ Causa Sui - 'Szabodelico' (2020) ⚡

★★★★

Depois de toda uma discografia pautada pela vulcânica efervescência psicadélica (com excepção da paradisíaca trilogia ‘Summer Sessions’), os abundantemente apreciados Causa Sui ajustam agora a sua bússola na inexplorada direcção da ataráxica envolvência de reconfortante efeito letárgico suspirada pelo eterno crepúsculo de um verão já findado. ‘Szabodélico’ – oficialmente lançado hoje mesmo pela insuspeita El Paraiso Records sob a forma física de CD e vinil, e ainda nas extensões digitais de MP3 e FLAC para download – representa essa subtil metamorfose de uma banda que nunca desilude quem nela se refugia. Florescido de intuitivas, espaçadas, arejadas e imaginativas improvisações, este novo álbum de estúdio soberbamente musicado pela prolífica formação dinamarquesa encerra um verdadeiro oásis de afago sensorial e deslumbramento espiritual que é oxigenado por utópicas paisagens de natureza ambiental, anestésica, mística e experimental. Combinando um contemplativo, hipnótico, vaporoso e imersivo Krautrock de paladar oriental, e um ensolarado, edénico, profético e perfumado Psychedelic Rock de clima tropical, ‘Szabodélico’ serpenteia-se, flutua e formoseia-se de forma expansiva, sedutora e evolutiva pelas aveludadas, cálidas e bronzeadas dunas de um balsâmico deserto que se espreguiça até onde desmaia a esmorecida ondulação de um cristalino oceano de luzência azul turquesa. De olhar selado pela corada resplandecência solar, rosto embriagado pela fresca brisa, pés lambidos pelas línguas espumantes do mar, e um sabor salino colado aos lábios, somos embalados pela sumarenta sonoridade de ‘Szabodélico’ à afrodisíaca boleia de uma guitarra endeusada que se ziguezagueia e esperneia em solos vistosos, caleidoscópicos, pérsicos e airosos, um sussurrante baixo bafejado a linhas onduladas, leves, suaves e aveludadas, um quimérico sintetizador de esfíngicos bailados condimentados e embrumados a cósmico misticismo, e uma bateria jazzística de toque polido, preciso, lustroso e acrobático que, em concordância com uma tribalista, ritualista e carnavalesca percussão de suor latino, tiquetaqueia toda esta sagrada peregrinação pelos intermináveis desertos da introspecção. Num plano secundário soergue-se ainda uma exótica flauta transversal indiana (aka Bansuri) com os seus sopros errantes, sedosos, faustosos e esvoaçantes que sobrevoam dois dos treze temas presentes no álbum. De destacar ainda o artwork minimalista de créditos apontados ao peculiar Jakob Skøtt (baterista da banda e ilustrador residente na editora El Paraiso Records) que de forma imaculada transpusera para o universo visual toda a veraneia vibração que a música de ‘Szabodélico’ transpira no imaginário de quem a vivencia. São 64 minutos de uma sedutora fluidez que nos cativa a dança-la de forma compenetrada e fascinada. Um perfeito jacuzzi onde nos relaxamos, absorvemos e extasiamos sem a mais pequena réstia de inquietação. Tal como o seu nome sugere, ‘Szabodélico’ representa uma esmerada homenagem de Causa Sui ao sofisticado, poético e consumado guitarrista húngaro Gábor Szabó, que faroliza todas estas aventurosas, nirvânicas e espirituosas digressões. Balanceiem o vosso corpo enfeitiçado, de membros flácidos e sentidos sedados, ao sabor deste radioso regresso de uma das mais singulares bandas da minha vida, e degustem um dos cocktails sonoros mais deliciosos de 2020. O paraíso aqui tão perto, à distância de uma audição. Banhem-se e bronzeiem-se neste autentico Éden ventilado a quietude, doçura e beatitude.

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Review: ⚡ White Dog - 'White Dog' (2020) ⚡

★★★★

Proveniente da cidade de Austin (capital do estado norte-americano do Texas) chega-nos o perfumado, ensolarado e poeirento revivalismo do talentoso e refinado quinteto White Dog, com o seu muitíssimo ansiado álbum de estreia. Carimbado com a designação homónima e oficialmente lançado na segunda metade do passado mês de Setembro pela mão da histórica gravadora independente sediada em Londres Rise Above Records nos formatos físicos de CD e vinil (este último fragmentado em variadas edições de prensagens ultra-limitadas a parcas centenas de cópias disponíveis), ‘White Dog’ traz-nos toda a carismática autenticidade da música Rock fabricada nas douradas décadas de 1960 e 1970. Tingida de coloridas reminiscências eternizadas por distintas referências clássicas tais como The Allman Brothers Band, Captain Beyond, Lynyrd Skynyrd, Wishbone Ash, James Gang, Aaron Space, The Marshall Tucker Band, Black Oak Arkansas, Josefus, Quicksilver Messenger Service e Grateful Dead, a estival, primitiva, lasciva e rural sonoridade destes texanos apaixonados pela nostálgica era analógica passeia-se livre e graciosamente pelas verdejantes planícies de um aprumado, aliciante, contagiante e ornamentado Classic Rock com pitadas de um rústico Country Rock, um educado Blues Rock e ainda um tórrido Southern Rock. A sua musicalidade conjugada no pretérito, oxigenada pelos aromas primaveris e trajada a decoração vintage, causara em mim todo um imperturbável estádio de ofuscante deslumbramento, ou não fosse eu um incurável fanático pelo revivalismo dos géneros supracitados. Nas asas de duas guitarras soberbamente rendilhadas e magistralmente dedilhadas que se entrelaçam em majestosos, dialogantes, apaixonantes e charmosos acordes, e desenlaçam em solos trepidantes, ácidos, líricos e serpenteantes, um baixo murmurante de linhas ondeantes, magnéticas, estéticas e pulsantes, uma bateria libertina, acrobática e galopante de toque cintilante, polido, delicado e flamejante, e uma voz simpática, aristocrática e liderante, somos bronzeados, cativados e maravilhados pela elaborada tapeçaria de White Dog. Esta é uma obra bem-disposta, de esplendor pastoril e beleza consumada, que me forçara a reverenciá-la sem qualquer moderação. Um álbum de estirpe tradicionalista, gosto a purificante liberdade e inteiramente processado à minha imagem, forjado por uma banda que faz do passado, o seu presente e futuro. Um dos meus registos predilectos de 2020 está aqui, na gloriosa estreia destes cinco cowboys contemporâneos.

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Review: ⚡ Pimmit Hills - 'Heathens & Prophets' EP (2020) ⚡

★★★★

Da pequena e pacata região de Pimmit Hills (localizada no estado norte-americano da Virgínia) chega-nos o EP de estreia do quarteto que se auto-denomina pelo nome da localidade onde reside. Lançado em meados de Setembro através do formato digital, que poderá ser ouvido e descarregado através da sua página de Bandcamp, bem como na forma física de CD, através de uma edição autoral que poderá ser adquirida no seu Bigcartel oficial, este ‘Heathens & Prophets’ trata-se de um registo de curta duração, fácil digestão e ininterrupta excitação. Motorizado por um picante, vulcânico, erótico e inflamante Heavy Blues de roupagem setentista, em harmoniosa coligação com um musculoso, potente, veemente e oleoso Hard Rock de carregada, intrigante e sombreada bafagem Proto-Doom’esca, a intoxicante sonoridade de Pimmit Hills equilibra-se por entre a desarmante elegância de uns The Flying Eyes, o afrodisíaco fervor de uns ZZ Top, e a encarvoada ressonância de uns Black Sabbath. São cerca de 30 minutos inteiramente lavrados e urticados por uma chamejante, vibrante e dançante lubricidade que nos tomba as pálpebras, serpenteia o corpo, e sacode a cabeça de ombro a ombro. Pendulando entre a contemplativa lisergia e a eruptiva euforia, somos contagiados e detonados pela extravagância de uma guitarra bronzeada que hasteia majestosos, desdobráveis, adoráveis e fibrosos Riffs encrostados pelo sulfuroso efeito Fuzz, e vomita solos uivantes, ácidos, alucinados e atordoantes, pelos rugidos felinos de uma escarpada, melódica e tonificada voz temperada a Whiskey, pela vagueante reverberação vociferada por um baixo soberbamente groovy de linhas inchadas, sinuosas e empoladas, pela provocante ritmicidade de uma bateria troteada a habilidade, destreza, e enérgica vivacidade, e ainda pela enigmática densidade mugida por um litúrgico, aromatizado e ritualístico teclado. ‘Heathens & Prophets’ é um portentoso EP que me fascinara e extasiara logo na primeira audição que lhe dedicara. Entrem em prazerosa combustão à emocionante boleia de toda esta efervescente comoção, e vivenciem como puderem a psicotrópica ardência destilada deste primeiro, mas enfático, passo discográfico da muito promissora formação norte-americana Pimmit Hills.

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