Da insuspeita Austrália
– mais concretamente da artística cidade de Melbourne – chega-nos uma das
mais deliciosas iguarias sonoras confeccionadas no presente ano de 2021. Lançado
muito recentemente pela mão do selo discográfico germânico Kozmik Artifactz
em formato físico de vinil, ‘Sonic Mantras’ é o novo e segundo
álbum do talentoso e apaixonante colectivo australiano The Black Heart Death
Cult, e vem pincelado e aureolado por um lustroso, edénico e milagroso misticismo
de resplandecência estival e fragância oriental de onde facilmente se apalada
um refrescante, mélico, magnético e deslumbrante Shoegaze pautado a imersivos
e cativantes ritmos Krauty e tingido a diluviano e caleidoscópico
psicadelismo, que se desenvolve, agiganta e revolve num mântrico, fogoso,
venenoso e profético Heavy Psych de carregadas feições Doom’escas.
A sua sonoridade nirvânica, melíflua, sedosa e talismânica tem o dom de nos
farolizar, enternecer e canalizar pelas mais erógenas zonas da nossa
espiritualidade, ancorando-nos e perpetuando-nos num ébrio estádio de sublimado
e inesgotável encantamento. De pálpebras rebaixadas, olhar embaciado, ouvidos salivantes,
semblante petrificado e espírito reconfortado pela inefável doçura que este ‘Sonic
Mantras’ respira e transpira, somos embrumados e namorados pela bucólica,
etérea e afrodisíaca radiação de The Black Heart Death Cult, e acordados
no meio de um faustoso, expressivo e aparatoso bazaar. Usando e
ostentando ainda vistosos adereços vintage de indiscreta inspiração sessentista,
um negro véu onde florescem luminosas e chamejantes fornalhas estelares, e toda
uma ataráxica religiosidade de imediata veneração, ‘Sonic Mantras’
afunila e viaja o ouvinte numa labiríntica, prismática e inescapável hipnose de estímulo
sensorial. Deixem-se enfeitiçar e dominar pelas eróticas danças brilhantemente
coreografadas pelas dialogantes guitarras que se manifestam em pérsicos,
sinuosos, gloriosos e estéticos Riffs apimentados pelo rosnante e
crepitante efeito Fuzz, e delirantes, uivantes, tóxicos e serpenteantes solos
avinagrados a alucinógena acidez, pela murmurante reverberação pesadamente bafejada
por um baixo fibrótico, denso, tenso e elástico, pelos ritualísticos tambores
de uma bateria provocante, hipnótica, enfática e tribalista, pelos enigmáticos,
extensos e cósmicos mugidos vocalizados por um mágico, fantasioso e litúrgico órgão,
pela doce harmonia desprendida dos maviosos, caramelizados, espectrais e deleitosos
vocais de temperos celestiais, e ainda pelo xamânico exotismo de uma adornada, balsâmica,
messiânica e elaborada cítara que tricota de forma colorida e ziguezagueante o
derradeiro tema desta irretocável obra-prima. De estender ainda elogiosas apreciações
ao escultural artwork de requintadas, faraónicas e pormenorizadas texturas,
superiormente edificado pelo inventivo e habilidoso designer gráfico Adam Pobiak de
créditos há muito firmados. ‘Sonic Mantras’ é um álbum mutuamente
morfínico, delicado, ousado e eufórico. Um registo ensolarado a imaculada
beatitude que resvala nas costuras fronteiriças da perfeição, e reclama para si
mesmo toda a nossa fascinação. Deixem-se incensar nas suas sumptuosas melodias oxigenadas
a tocante e desarmante subtileza, e derretam-se nas abissais profundezas deste catártico,
ascético e sumarento néctar. Estamos seguramente na honrosa presença de um dos
grandes álbuns florescidos este ano.
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