Review: 🍂 Siena Root - 'Revelation' (2023) 🍂

★★★★

Com cerca de 25 anos de frutífera carreira onde se contam duas mãos cheias de álbuns, a camaleónica formação escandinava Siena Root habita hoje os píncaros de um dourado estado de invejável maturidade, e o seu mais recente trabalho de longa duração – intitulado ‘Revelation’ e lançado nos formatos físicos de CD e LP pela mão da editora discográfica germânica Atomic Fire – é prova disso mesmo. Com uma inegociável fidelidade para com o clássico movimento sonoro Roots Rock, que abraça um adornado, afrodisíaco, místico e apimentado Blues Rock de enleantes serpenteios e alta costura, um radioso, perfumado, colorido e formoso Psychedelic Rock de clima primaveril e intensa doçura, e ainda um verdejante, rústico, crepuscular e reconfortante Folk Rock luzência sessentista, o apaixonante quarteto sueco enraizado na cidade-capital de Estocolmo continua a trilhar a sua bonita jornada pelas artérias musicais que o celebrizaram. Embrulhada numa aura de desarmante beleza fabular, a sedosa, enfeitiçante e glamorosa sonoridade de ‘Revelation’ vive da sensibilidade e dos detalhes. Contando ainda com vestígios de um fresco, reflexivo e romanesco Progressive Rock de aragem nórdica, sagrados mantras de deslumbrante paladar indiano e uma elegante camada jazzística a condimentar todos os seus temas, este 10º álbum de Siena Root é uma inspiradora ode revivalista – com uma indelével marca de autenticidade – que aquietará as marés da nossa alma, massajará o nosso cérebro e colocará a nossa espiritualidade de vento em popa. Baloiçado entre açucaradas baladas acústicas e afogueadas desgarradas à boa e velha moda de Siena Root, este cuidado, aprimorado e balsâmico registo da banda promete saciar os mais ousados desejos dos mais auspiciosos sonhadores. De corpo bamboleado, sorriso desabrochado, rosto corado e olhar desmaiado, somos levados à fascinante boleia de uma voz soberbamente encerada que – com um enternecedor e sublimado glamour –  se passeia e galanteia livremente, uma guitarra trovadora que floresce em airosos, esplendidos e deleitosos acordes de onde trepam solos ziguezagueantes, luminosos e vagueantes, um baixo saltitante de linhas pulsantes, flácidas e ondeantes, uma adorável bateria tiquetaqueada a refinada precisão e virtuosa emoção, um teclado litúrgico de polposos, enigmáticos e seráficos mugidos. Como instrumentos convidados estão ainda uma quimérica sitar de frondosos devaneios, um exótico clavinet animadamente swingado a transpirada sedução e ainda uma refrescante flauta de sopros acetinados. ‘Revelation’ é um álbum verdadeiramente mirífico e transformador que nos rodeia e encandeia com o seu deífico resplendor. Percam-se na magnificência miraculosa de Siena Root e encontrem-se relaxadamente recostados num real oásis de afago sensorial e consagração espiritual.

 

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 Atomic Fire

Review: 🚀 Dead Shrine - 'The Eightfold Path' (2023) 🚀

★★★★

É ainda de alma sedada, cabeça pesada e visão turva que escrevo estas inebriadas palavras na ressaca da experiência transcendental que foi comungar o álbum de estreia de Dead Shrine – o novíssimo projecto a solo do virtuoso multi-instrumentista neozelandês Craig Williamson, mentor de outros projectos de grande relevância como Datura, Lamp of the Universe e Arc of Ascent – intitulado ‘The Eightfold Path’ e lançado hoje mesmo sob a forma digital e numa ultra-limitada edição em CD de apenas 300 cópias físicas disponíveis com o carimbo do seu selo discográfico caseiro Astral Projection. Incensado por um resinoso, libidinoso e intoxicante Heavy Psych de odor canábico que se embrulha harmoniosamente num montanhoso, vigoroso e flamejante Heavy Rock de ressonâncias setentistas, este primeiro passo discográfico (um grande salto, na verdade) de Dead Shrine solta as amarras conscienciais e catapulta a alma do ouvinte para um sónico escapismo pelas costuras fronteiriças de um rodopiante Cosmos em caótica ebulição. A sua sonoridade euforizante, efervescente e magmática – remexida num borbulhante caldeirão consumido pelas intensas lavaredas – provoca em nós toda uma inapagável combustão espiritual de propulsão astral. Embalados na vertigem desta redentora odisseia que penetra o brumoso tecido cósmico, somos insanamente centrifugados por uma guitarra – locomovida a alta rotação e ensopada numa urticante, fogosa e crocante distorção – que se serpenteia em Riffs viscosos, polposos e efervescentes de onde são vertidos alucinados, embriagados e caleidoscópicos solos temperados a uma acidez psicadélica, sombreados pela pesada reverberação de um baixo nervudo, sisudo e monolítico, açoitados pelas rutilantes baquetas de uma bateria pautada a explosiva, altiva e incisiva robustez, e ainda farolizados pela voz xamânica, melódica e refrescante que vagueia livremente por este revoltoso mar de chamas. ‘The Eightfold Path’ é uma sísmica erupção de vibrante adrenalina que nos agarra pelos colarinhos. Um mastodôntico tsunami de endorfinas que nos engole. Apertem bem os cintos, cerrem os maxilares e agarrem firmemente o trémulo volante de um barulhento e trepidante muscle car que arranca furiosamente a duas rodas e se perde a alta velocidade pelos desdobráveis firmamentos das autoestradas estelares sem nunca olhar para trás.

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Review: 🏜 Rotor - 'Sieben' (2023) 🏜

★★★★

Com 25 anos de existência e oito álbuns lançados, os germânicos Rotor são hoje uma incontornável referência Rock dentro do panorama musical alemão, ainda que para lá das fronteiras da Alemanha e apesar da sua vitalidade, fiabilidade e qualidade inegáveis, o quarteto sediado na cidade-capital de Berlim, continue – estranhamente, devo confessar – a passar despercebido aos olhos de quem promove os mais conceituados festivais europeus que alimentam e consagram o circuito underground. Conheci a banda há já sensivelmente 15 anos e, desde então, não mais os perdi de vista. Em 2015 escrevia aqui elogiosas palavras ao seu fabuloso ‘Fünf’ (muito provavelmente o meu registo favorito de Rotor), e hoje trago à mesa o seu novíssimo trabalho, intitulado ‘Sieben’ e lançado sob a forma física de LP e CD com o carimbo editorial da insuspeita Noisolution, que se junta lado a lado com o registo anteriormente citado no que ao grau da minha preferência diz respeito. Tendo como seus principais combustíveis um fogoso, rugoso empolgante e arenoso Desert Rock de inspiração Kyuss’eana e um sinuoso, dançante, cativante e oleoso Prog Rock de serpenteios enleantes, os Rotor arrancam – de motor barulhento, escape fumarento e a alta rotação – pelas poeirentas estradas de um infindável deserto bronzeado pelo dourado Sol poente. Atrelados a esta alucinante boleia que tanto nos centrifuga e incendeia em ciclónicas, pesadas e turbulentas rajadas fervidas a euforia, como embriaga em maravilhosas paisagens pinceladas a cores crepusculares e oxigenadas a uma ataráxica acalmia, somos facilmente conquistados pela sua calorosa sonoridade instrumental de fácil digestão e imediata fascinação. Balanceado entre a condensada, ardente e pesada negrura que nos asfixia, e a contemplativa, ensolarada e imersiva lisergia que nos eteriza, ‘Sieben’ é governado por uma bipolaridade climática que nos mantém seduzidos do primeiro ao último tema. Varrido por duas guitarras liderantes – electrificadas a urticante e efervescente distorção – que se agigantam na hipnótica condução de polposos, nervudos e inflamantes Riffs incensados a edénicas fragâncias arábicas de onde florescem maravilhosos, espirituosos e intoxicantes solos de psicotrópica acidez, aquecido pelo reverberante bafo de um baixo obeso orientado a linhas densas, tensas e ondeantes, e escoiceado por uma excitante bateria de pratos flamejantes e timbalões retumbantes, este sétimo álbum de estúdio dos Rotor é carburado a exultante, apimentada e transbordante paixão. São 37 minutos de um inquebrável magnetismo que nos dilata as pupilas e abana o corpo. Deixem-se viajar e canalizar pelas artérias de ‘Sieben’ e experienciem com imoderado deleite todo o esplendor de um álbum verdadeiramente arrebatador.

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 Noisolution

Review: 🙏 DeWolff - 'Love, Death & In Between' (2023) 🙏

★★★★

Com pouco mais de quinze anos de actividade pautada pela inesgotável fertilidade discográfica e uma constante mutação da equação que recorta e costura a sua musicalidade, o talentoso trio holandês DeWolff acaba de lançar o seu 15º trabalho de longa-duração, intitulado ‘Love, Death & In Between’ e carimbado pela mão da companhia discográfica independente Mascot Records nos formatos LP, CD e digital. De carvão incandescente e chaminé fumegante, esta harmoniosa locomotiva neerlandesa viaja pelos territórios de um espirituoso, colorido, aprumado e charmoso Psychedelic Rock de fragância vintage, e um dançante, apaixonante, festivo e contagiante Rhythm and Blues (R&B) que nos faz bater o pé e estalar os dedos, sempre farolizada pela cândida luminosidade da irresistível música Soul. Tendo como principal inspiração a impactante experiência que fora comungar um comovente sermão litúrgico liderado pelo enérgico reverendo Al Greene na sua igreja localizada em Memphis (cidade musicalmente abastada, plantada na margem do rio Mississippi, e a mais populosa do estado do Tennessee, EUA), ‘Love, Death & In Between’ ostenta uma sonoridade aureolada, ensolarada, ritmada e bem-disposta que fará o ouvinte sorrir, salivar e bailar do primeiro ao derradeiro tema. Com cerca de 60 minutos de duração e uma deífica, diluviana e salvífica luzência que nos inunda o coração, este novo álbum de DeWolff presentei-nos com um vibrante, radiante e garboso desfile carnavalesco que nos rouba a atenção, ofusca de sedução e sacode de exultação. Graciosamente baloiçado entre apetitosas, relaxantes e açucaradas baladas impróprias para diabéticos e apimentadas, entusiásticas e fervorosas galopadas de instrumentos em aparatosa ebulição, ‘Love, Death & In Between’ é um disco tremendamente afável, oxigenado a atmosfera cabaresca, que não deixará ninguém indiferente. Na órbita deste reinante tridente – constituído por uma pomposa guitarra de acordes condimentados e solos encaracolados, uma bateria soberbamente jazzística de estimulante vitalidade rítmica, um polposo teclado divertidamente groovy e swingado, e uma voz melosa, melodiosa e acetinada, escoltada de perto por um jovial e luminoso coro vocal de brilho Gospel – vagueia toda uma profusão de músicos convidados, onde facilmente se reconhecem os reverberantes murmúrios de um baixo sombreado, os queimantes, enfáticos e dialogantes sopros combinados entre um saxofone, um trompete, um trombone e uma flauta, e as cativantes acrobacias de uma percussão tribal, que confere a esta opulenta obra superiormente musicada toda uma adornada estética orquestral. ‘Love, Death & In Between’ é um registo bem-humorado, educado, bamboleante e perfumado que nos deslumbra e bronzeia de uma nirvânica religiosidade. Batizem-se nele.

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Mascot Records

Review: 🩸 Cancervo - 'II' (2023) 🩸

★★★★

O tridente italiano Cancervo está de regresso com o lançamento do seu segundo trabalho de longa duração ‘II’ pela mão da discográfica, sua conterrânea, Electric Valley Records através dos formatos LP e digital. Inspirados e fascinados pelas fantásticas lendas e tradições seculares do Monte Cancervo (uma icónica montanha rochosa, localizada na província italiana de Bergamo, com quase dois mil metros de altura) que os locais foram doutrinando e propagando de geração em geração, o intrigante e hermético power-trio Cancervo encarvoa-se agora na intensa e crua pretura de um bolorento, críptico, decrépito e sarnento Doom Metal de estirpe setentista e crença ocultista, deixando, assim, para trás o obcurantista Heavy Psych que adubara o seu álbum de estreia. Adensando e vagueando toda uma melancólica, fúnebre, trevosa e vampírica escuridão que nos abraça, empalidece o rosto, encova as órbitas oculares, profana a alma, e faz cair numa perversa tentação, estes três cavaleiros do apocalipse convertem a sua enigmática sonoridade numa demoníaca liturgia onde ninguém se recusará a comungar. De religiosidade eclipsada, semblante tombado sobre o peito e soterrados num inquebrável estado de sonambulismo, seguimos – devotos – uma despótica guitarra de monolíticos, atemorizantes, opressivos e enfeitiçantes riffs de onde serpenteiam solos luzidios, azedados e esguios, um baixo sisudo de reverberação modorrenta, obscura e corpulenta, uma frígida bateria obsessivamente vergastada a uma ritmicidade continuada, tribal e compassada, e uma voz monocórdica de postura severa, autocrata e sacerdotal. São 35 minutos mumificados por uma lúgubre caligem de fragância mântrica. Uma musicada oração ao paganismo. Uma peregrinação, de olhos vendados, pelos abismos – tingidos a saturada negrura e oxigenados pelo silêncio sepulcral – da nossa mente. ‘II’ é um álbum amargurado que deve ser escutado, prostrados, na penumbra. Um registo hipocondríaco, portador de uma elegíaca atmosfera onde a esperança deífica e salvífica não medra. Refugiem-se no interior do sombrio manto de Cancervo e desventurem-se nos amaldiçoados meandros do seu calvário.

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 Electric Valley Records