Review: 🥃 Dan's Revival - 'Blues for the People' (2023) 🥃

★★★★

Depois do auspicioso álbum de estreia ‘Back on Track’ nascido na Primavera de 2019 (aqui desconstruído e elogiado), o power-duo transmontano Dan’s Revival apresenta agora o seu segundo trabalho de longa duração, intitulado ‘Blues for the People’ e lançado não só em formato digital, como numa ultra-limitada edição de autor em formato CD. Electrificado e locomovido por um ardente, ritmado, condimentado e irreverente Blues Rock de atrevida e agitada atitude Garage Rock e um forte odor vintage, ‘Blues for the People’ representa um admirável salto olímpico no que ao processo de maturação sonora dos irmãos Esteves diz respeito. Fruto de uma inquebrável, harmoniosa e adorável simbiose – factor determinante para o sucesso de uma formação conduzida apenas a duas mãos – este novo registo do dueto natural da pequena cidade de Mirandela transpira um misto de irresistível sensualidade, vibrante fogosidade, purificante rusticidade e genuína simplicidade que não deixará nenhum ouvinte indiferente. De pé martelante, cabeça meneante e anca baloiçante, embarcamos numa transformadora viagem – de clima veraneio, sem freio e sentimentos à flor da pele – pelas poeirentas estradas que sulcam as virgens planícies transmontanas. Uma revitalizante jornada principiada por uma odorosa, breve e airosa introdução de estética desértica – a fazer recordar o inigualável Ry Cooder ao volante da trilha sonora para a carismática obra-prima cinematográfica ‘Paris, Texas’ (1984, Wim Wenders) – onde testemunhamos os errantes, ébrios e enleantes uivos de uma guitarra reflexiva a serem varridos pela brisa e esbatidos no firmamento crepuscular, mas que depressa é tomada de assalto pela libidinosa fervura de entusiasmantes galopadas desdobradas a rédeas firmemente empunhadas e esporas ensanguentadas. Na composição deste mélico e fogoso bourbon que deve ser comungado sem moderação, é combinada a lascívia de uma guitarra invertebrada – fervida em arenosa e urticante distorção – que ziguezagueia oleosos, elásticos e sinuosos riffs e se espreguiça em solos ácidos e efervescentes, a soltura de uma bateria gingona compenetrada numa batida estimulante, acrobática e contagiante, e a frescura de uma voz sóbria, límpida e megafónica que dissemina doutrinas revolucionárias. Neste ‘Blues for the People’ a irmandade Dan’s Revival dá cor e vigor às amarelecidas melodias Delta-Blues colhidas e trazidas das margens do Rio Mississippi, revestindo-as com uma roupagem contemporânea de cunho bastante pessoal. Com influências bebidas de referências clássicas como Robert Johnson, Son House, B.B. King, Muddy Waters, Taste e ZZ Top, e outras dos tempos que correm tais como Seasick Steve, The White Stripes, The Picturebooks, The Black Keys, Left Lane Cruiser e DeWolff, indiscretamente engatilhadas na palheta e nas baquetas, os Dan’s Revival continuam a dar firmes passos no seu processo evolutivo que se deseja prolífico e duradouro, e este ‘Blues for the People’ é, seguramente, um álbum-bandeira que deve ser hasteado com envaidecimento pela banda mirandelense. É Blues lustroso, fumegante, crocante e cheiroso, de receita revivalista, para o povo degustar e dançar sem qualquer inibição. Bailem-no até caírem redondos no chão.

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Review: 👻 Kadabra - 'Umbra' (2023) 👻

★★★★

Depois de comungado o impactante álbum de estreia ‘Ultra’ – lançado no Outono de 2021 e aqui desavergonhadamente reverenciado –, o electrizante power-trio Kadabra apresenta agora o seu segundo trabalho de longa duração, intitulado ‘Umbra’ e editado pela incansável companhia romana Heavy Psych Sounds nos formatos LP, CD e digital. Se já havia ficado de espírito petrificado e queixo tombado com a mesmérica feitiçaria que governa toda a intrigante atmosfera do primeiro álbum produzido por este tridente localizado na cidade norte-americana de Spokane (Washington), o seu segundo registo replica o efeito. Baseado num enigmático, sorumbático, ocultista e litúrgico Proto-Doom de negros ecos Black Sabbath’icos e num pantanoso, magnetizante, delirante e venenoso Heavy Psych de inflamada toxicidade que mistura influências de Dead Meadow, Uncle Acid & the Deadbeats e Holy Serpent, este dominante ‘Umbra’ assume a forma de uma mastodôntica, assombrosa e fantasmagórica avalanche que atropela e sepulta o ouvinte nas profundezas abissais de uma poderosa narcose. A sua sonoridade de natureza cerimonial, visão celestial e coloração outonal dilata as nossas pupilas, empalidece o nosso semblante e trava a nossa respiração numa intensa explosão de indestrutível sedução capaz de nos mumificar do primeiro ao derradeiro tema. São 47 minutos norteados por possantes cavalgadas de acrimoniosa fragância tumular que nos escaldam numa vulcânica euforia, e anestesiantes baladas de miraculosa beleza crepuscular que nos dissolvem nas pesadas águas da letargia. Esporeado e desdobrado a duas velocidades e dois pesos, ‘Umbra’ tanto se arrasta vagarosamente pelos nimbosos, mudos e nebulosos pântanos, como se liberta numa explosiva, vertiginosa e incisiva propulsão pela boca do Cosmos adentro. Sintam as fortes rajadas psicotrópicas de uma imponente guitarra – gaseificada a abrasiva distorção – que se agiganta em obesos, coesos e gordurosos riffs em alta rotação e serpenteia em solos escorregadios, ácidos e fugidios, a sufocante reverberação de um quente baixo balanceado a linhas fibrosas, ensombradas e montanhosas, as queimantes chicotadas de uma pujante bateria de baquetas em chamas a trote de uma ritmicidade alucinante, enérgica e retumbante, a diáfana brancura radiada pelos vocais andróginos de pele esbranquiçada, gelada e espectral que nos farolizam e hipnotizam, e ainda os místicos mugidos de um órgão etéreo que nos deixa a pele arrepiada. Este é um álbum de naturezas antagónicas, que tanto liberta uma populosa e raivosa manada de búfalos na nossa direcção, como nos recosta num confortável oásis espiritual de corpo massajado e sentidos adormecidos. Participem nesta nova e imersiva eucaristia – superiormente celebrada pelos Kadabra – de preces arremessadas ao esoterismo, e testemunhem toda a dominação de um dos melhores álbuns brotados em 2023.

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 Heavy Psych Sounds

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Review: 🥜 Fuzzy Grass - 'The Revenge of the Blue Nut' (2023) 🥜

★★★★

Cinco anos volvidos após o lançamento do seu álbum de estreia ‘1971’, o quarteto francês Fuzzy Grass está finalmente de regresso com o seu muito aguardado sucessor. Gravado de forma analógica, denominado ‘The Revenge of the Blue Nut’ e exteriorizado sob as formas de LP (pela mão da companhia discográfica berlinesa Kozmik Artifactz), CD (numa edição de autor) e digital, este novo álbum da banda enraizada na cidade sulista de Toulouse enfeitiça e inflama o ouvinte com uma electrizante descarga de elegante, fogoso e picante Heavy Blues, e intoxicante, ciclónico e alucinante Heavy Psych. A sua sonoridade condimentada, odorosa e inquietante – envelhecida a um amarelecido tom vintage – passeia-se e galanteia-se por entre misteriosas, caramelizadas, sedutoras e sumptuosas baladas Led Zeppelin’escas fervidas em lume brando, e estonteantes, selváticas, buliçosas e extravagantes galopadas trauteadas a alta rotação que nos atropelam a lucidez e sobreaquecem de embriaguez. Partilhando o ADN de referências clássicas como The Jimi Hendrix Experience, Rory Gallagher (ao volante de Taste) e os São Franciscanos Shiver, assim como de outras nascidas em território contemporâneo como Radio Moscow, JOY e os helvéticos The Dues, os Fuzzy Grass são um psicotrópico vulcão em salivante erupção que nos banha e escalda sem qualquer moderação. Na composição desta deliciosa bebida espirituosa gravitam entre si uma liderante voz de ar aristocrático, lírica romanesca e pele aveludada, hidratada e fresca, uma narcotizante guitarra de sotaque Jimi Hendrix’eano que se enfurece na dinâmica condução de fulgurantes, maleáveis e excitantes riffs e enlouquece na sónica libertação de efervescentes, ácidos e rodopiantes solos que nos desaparafusam a cabeça do tronco, um baloiçante baixo suavemente murmurado a linhas sombreadas, fluídas e enigmáticas, e uma expressiva bateria desembaraçada a espalhafatosas, esfuziantes e circenses acrobacias John Bonham’eanas que nos esporeia e afogueia sem misericórdia. São 39 minutos de flamejante fascinação que nos atrelam à psicotrópica musicalidade de Fuzzy Grass do primeiro ao derradeiro tema. Um indomável vendaval de endorfinas que nos balanceia o corpo e incendeia a alma de uma euforia contida. Provem o mélico, ardente e aromático trago de ‘The Revenge of the Blue Nut’ e vivenciem de espírito conquistado e olhar embriagado todo o irresistível fulgor de um registo intensamente tentador. Um dos mais grandiosos álbuns do ano está aqui, na terna aspereza, doce amargura, divina diabrura, colorida palidez, fria fervura e boémia nobreza de Fuzzy Grass.

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 Kozmik Artifactz

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Review: 🏄 Futuropaco - 'Fortezza di Vetro vol. 1' (2023) 🏄

★★★★

Cinco anos depois de lançado o homónimo álbum de estreia, Futuropaco – projecto liderado a solo pelo talentoso multi-instrumentista californiano Justin Pinkerton – apresenta agora o seu segundo trabalho de estúdio intitulado ‘Fortezza di Vetro volume 1’ e editado pela insuspeita companhia discográfica dinamarquesa El Paraiso Records através dos formatos LP, CD e digital. Esta suculenta primeira parte da sessão que promete prosseguir prazenteia o ouvinte com um sumarento cocktail sonoro de onde se apalada e saboreia um dançante, magnético, exótico e contagiante Afrobeat de suor latino em erótica simbiose com um serpenteante, carnavalesco, caleidoscópico e deslumbrante Psychedelic Rock de doce sabor tropical. A sua musicalidade lustrosa, tribalista, epicurista e melosa – inesgotável fonte de vitamina D e aspergida pela salgada brisa oceânica – remete-nos para as paradisíacas praias havaianas nos dourados anos 60 onde aventureiros surfistas de cabelos loiros e pele bronzeada golpeiam as grandiosas e espumosas ondas de um mar azul-turquesa debaixo de um reluzente Sol de bafo quente. Um verdadeiro oásis sensorial – de clima estival – que nos massaja o corpo e a mente ao longo dos seus multicoloridos 38 minutos de duração. Das veraneias praias do Pacífico Norte aos céus crepusculares da velha Pérsia, viajamos ao sabor de Futuropaco, sublimados e aureolados por um vistoso arco-íris de boas vibrações. Libertos de qualquer inibição e embalados no radioso, libidinoso e irresistível groove – soberbamente musicado por uma guitarra sultana de faustosa caligrafia árabe que se envaidece num afrodisíaco ziguezaguear, um baixo elástico de linhas grossas e oleosas, uma bateria funky de absorventes ritmos tribais, e um mesmérico sintetizador de serpenteios banhados num condimentado misticismo trazido do Médio Oriente – bailamos de cabeça meneante, olhos selados e dentes cravados no lábio inferior os nove temas que compõem esta delícia de álbum. ‘Fortezza di Vetro volume 1’ é um registo infinitamente fascinante que cruza mares de brilho diamantino e desertos de fervura religiosa. Uma enfeitiçante dança do ventre, irrepreensivelmente coreografada por instrumentos invertebrados que se enlaçam e desenlaçam em esponjosas, jubilosas e movediças harmonias capazes de purificar, colorir e entusiasmar o mais melancólico e pedrogoso dos corações. Um autêntico parque de diversões que não deixará ninguém de mãos nos bolsos. Bronzeiem-se e relaxem nas solarengas praias de Futuropaco, e experienciem todo o mágico esplendor de um álbum oxigenado a pura ataraxia. Vai ser demasiado fácil reencontrá-lo por entre os mais medalhados discos de 2023.

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Review: 🌌 Zone Six - 'Full Mental Jacket' (2023) 🌌

★★★★

Com mais de 25 anos de existência e quase 30 registos lançados, os cosmonautas germânicos Zone Six prosseguem a sua aventurosa indagação espacial com um novo capítulo intitulado ‘Full Mental Jacket’ e editado pelo insuspeito selo alemão Sulatron Records através dos formatos físicos de LP (limitado a 500 cópias) e CD (limitado a 300 cópias). De satélites apontados a um experimental, delirante e celestial Space Rock de propulsão sónica à la Hawkwind, um alucinante, etéreo e intoxicante Psychedelic Rock de colorida acidez, e um hipnótico, enfeitiçante e galopante Krautrock cadenciado à boa moda germânica, este fascinante tridente desenrola narcotizantes, intuitivas, evolutivas e deslumbrantes jams de essência instrumental, capazes de desenraizar a consciência terrestre do ouvinte e içá-la rumo às infinitas profundezas do Cosmos. São três longas faixas – condimentadas a um caleidoscópico psicadelismo e bronzeadas a um esotérico misticismo – que nos mumificam numa inescapável teia sonora. De pupilas dilatadas, sonâmbulos, embriagados e de espírito desamarrado, levitamos na vertiginosa direcção dos astros pulsantes e gravitamos em torno de um inapagável estádio de pleno transe. Num constante baloiçar entre a vulcânica efervescência e a gélida dormência, driblamos o abraço gravitacional dos solitários planetas que se revelam no horizonte, penetramos a labiríntica e poeirenta malha de fantasmagóricas nebulosas que vagueiam livremente pela vacuidade cósmica, sobreaquecemos quando atravessamos as incandescentes fornalhas estelares que flagram na pretura sideral, e escorregamos a toda a velocidade pelo interior dos buracos negros que distorcem as coordenadas do espaço-tempo. Engolidos por uma poderosa hipnose, tricotada por padrões repetitivos que se encavalitam entre si e orientada por uma guitarra messiânica de riffs exóticos e solos desvairados que nos mergulha num caótico e borbulhante psicadelismo, um baixo viçoso de linhas elásticas de nos obrigam a sussurrá-las, uma bateria estimulante de trote tribalista que nos liberta numa compenetrada dança corporal, ritualísticos teclados que nos fazem comungar toda uma enigmática liturgia astral, um sintetizador de idioma alienígena que nos descarrila a lucidez com recurso a toda uma estonteante profusão de experimentalismo quimérico, e ainda um contemplativo saxofone de sedutora ambiência “noir” e uivos melancólicos que ecoam pela eterna noite cósmica. De velas içadas ao sabor dos etéreos ventos de Zone Six, somos conduzidos a zonas do Universo nunca antes exploradas. São 40 minutos de um intenso encantamento. Uma fantástica odisseia que nos viaja ao lado mais obscuro do espaço. ‘Full Mental Jacket’ é – muito provavelmente – o meu álbum favorito destes alemães que desde 1997 apontam os seus instrumentos ao lado eclipsado da Lua. Um registo esponjoso, ébrio e nebuloso que assume os controlos da nossa espiritualidade e a (e)leva ao trono do Nirvana. Não vai ser fácil – ou sequer desejado – acordar disto.

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 Sulatron Records

Review: 🌈 The Bures Band - 'Birds Nest' (2023) 🌈

★★★★

Da cidade costeira de Perth – capital da Austrália ocidental – chega-nos ‘Birds Nest’, o apaixonante álbum de estreia de The Bures Band, editado a três mãos pelas companhias discográficas Cardinal Fuzz (encarregue da distribuição na Europa e Reino Unido), Echodelick Records (responsável pela distribuição nos EUA) e We, Here & Now (a operar a distribuição no Canadá) em formato vinil. Nidificado nos folhentos ramos de clássicas influências como Creedence Clearwater Revival, Canned Heat, Crosby, Stills, Nash & Young, Grateful Dead e Relatively Clean Rivers, este primeiro álbum do jovem quinteto australiano, que faz do passado o seu presente e – espero eu – futuro, passeia-se livre e harmoniosamente pelas verdejantes e arejadas planícies de um odoroso, rústico, bucólico e radioso Folk Rock de clima primaveril, pelos arenosos e bronzeados desertos de um caseiro, idílico, jovial  e aventureiro Country Rock de moldura Western, e ainda pelas edénicas praias de um rural, meloso, lustroso e estival Psychedelic Rock de brilho west-coast e coloração caleidoscópica. A sua sonoridade enternecedora, leve, relaxante e sonhadora, produzida de forma analógica e tingida a doce nostalgia, convida-nos a observar – através de um filtro sépia no velho formato cinematográfico de 16 mm – todo o seráfico esplendor da natureza virginal, sobrevoando ajardinados campos estriados por marulhantes riachos de águas refrescantes e cantarolados pelo alegre chilrear dos pássaros, tapetes de areia dourada que se distendem por entre rochas argilosas e imponentes cactos que se espreguiçam na direcção dos céus desanuviados, e toda a incomensurável vastidão de um oceano de tintura azul-turquesa, suspiros salgados, fragância pelágica e gaivotas grasnantes. Um paraíso naturista, de beleza intimista e aura revivalista, soberbamente musicado por três guitarras que se entrançam e florescem acordes harmoniosos, agradáveis e deleitosos, um baixo de swing dançante, morno e ondeante, uma bateria de galope simplista, simétrico e estimulante, uma flauta de serpenteados, aveludados e romanescos sopros, e vocais sedosos, melodiosos e joviais. De sorriso desabrochado no rosto, olhar pavimentado por uma imperturbável expressão sonhadora, cabeça baloiçante e ombros saltitantes vivenciamos uma sensação de pleno bem-estar que em nós habita do primeiro ao derradeiro tema. São 38 minutos farolizados por uma candura que nos seduz e conduz a uma nirvânica época de amor e paz. ‘Birds Nest’ é um álbum verdadeiramente encantador, detentor de um carisma vintage que me conquistara sem demoras. Um vistoso arco-íris de boas sensações. Deixem-se cortejar pela pureza, doçura e gentileza de The Bures Band, e inspirem toda a beatitude sonora de um dos meus registos favoritos do ano. Quero viver neste álbum para sempre.

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 Echodelick Records
 We, Here & Now

Review: ⚓ Graveyard - '6' (2023) ⚓

★★★★

Devo começar por confessar que sempre que a produção de um novo álbum de Graveyard é noticiada, desejo secretamente que a mesma esteja a ser tricotada com as mesmas linhas que desenharam e trajaram o primeiro álbum (que é, de longe, o meu favorito) da consagrada banda sueca, mas essa expectativa tem sido continuamente defraudada desde o lançamento do seu terceiro álbum ‘Lights Out’ de 2012. Por isso, os cinco degraus discográficos de Graveyard têm representado – para mim – uma escadaria que percorro no sentido descendente (no que ao meu grau de satisfação nutrida pelos escandinavos diz respeito). Depois de um período de cinco anos de jejum – que se seguira após o álbum ‘Peace’ de 2018 – os Graveyard regressam agora com um novíssimo álbum debaixo do braço (mais concretamente, e como o respectivo título assim sugere, o seu sexto registo de longa duração), publicado pela mão da poderosa companhia discográfica germânica Nuclear Blast nos formatos físicos de LP e CD. Já um tanto órfão da moribunda esperança de ver Graveyard dar continuidade à quente, áspera e atraente sonoridade do seu irretocável registo homónimo de intrigantes ares Witchcraft’eanos e, de certa forma, até conformado com essa tendência aparentemente irreversível, embarquei, sem bússola e de velas içadas ao sabor do vento, nas grisalhas e encaracoladas águas de ‘6’ de mente completamente desanuviada, disposto a absorver tudo aquilo que esta obra tem a dizer. E se depois de uma primeira audição senti haver ali algo que não me permitia desistir dele, com o acumular de renovadas explorações esse sentimento de apego foi amadurecendo e crescendo, culminando no exacto momento em que redijo estas sinceras e enamoradas palavras a ele dedicadas. Pendulando entre chuvosas, ternas e lamentosas baladas – delineadas a um inefável requinte que nos respira e condimentadas a uma permeabilidade emocional – que afagam o nosso desgosto e devem ser comungadas para lá do Sol posto, e ritmadas, curtas e apimentadas galopadas que fervilham em lume brando e nos surpreendem pela ousadia de perturbar aquele anestésico estado de etérea bonança que governa a maior fatia do seu espaço temporal, ‘6’ é um apaixonante registo de feições adultas e vestes outonais que ostenta o melhor lado daquele que considero ser o lado menos apelativo de Graveyard. É o agasalho perfeito para noites frias, melancólicas, de olhar nostálgico e ouvidos acordados pelo uivo da coruja. A sua sonoridade trovadora, refinada, caramelizada e conquistadora, por onde escorrem sentimentos genuínos que contagiam os nossos, passeia-se livre e graciosamente pelos meandros de um elegante, nocturno e aconchegante Blues Rock de roupagem clássica, um acalorado, odoroso e torneado Hard Rock de moldura vintage e até de um deslumbrante, lascivo e purificante Soul de luzência seráfica. De personalidade bipolar, onde de um lado é mostrada a suavidade, doçura e ligeireza, e do outro a rugosidade, amargura e diabrura, ‘6’ floresce e colora bonitas composições sulcadas por duas guitarras de tonalidade quente que se entrelaçam em acordes bailantes, majestosos e cativantes, e desenlaçam em solos esguios, serpenteantes e luzidios, um baixo movediço de pulsação estética, magnética e ondeante, uma deliciosa bateria – acrobática e expressiva – de tambores galopantes e pratos flamejantes, um garboso piano de teclas saltitantes, melodiosas e tocantes, e liderantes vocais tanto felinos, fogosos e urticantes, como límpidos, amaciados e melosos. Este é álbum adornado a primor que vive do detalhe e da sensibilidade. Um registo que mistura sorrisos e lágrimas, detentor de uma secreta beleza que só com o acumular de variadas audições se descobre e apalada por inteiro. Uma obra que nasce do lado mais romancista, reflexivo e intimista de Graveyard, reside na penumbra, e deixa no lado lunar do ouvinte pequenos rastilhos de luz e esperança. Este é o mais franco testemunho de quem acaba de ser reconquistado por uma banda que outrora tudo lhe deu e daqui em diante – acredito – continuará a dar. Um dos álbuns mais enternecedores do ano está aqui. Refugiem-se nele.

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Review: 🔥 Cloud Catcher - 'Return from the Cauldron' (2023) 🔥

★★★★

Da histórica cidade de Denver – capital do Colorado, EUA – chega-nos ‘Return from the Cauldron’, o novíssimo álbum dos cowboys Cloud Catcher, editado com o carimbo autoral nos formatos LP e digital. De esporas ensanguentadas, rédeas firmemente empunhadas e coldre desapertado, este electrizante power-trio cavalga furiosa e impiedosamente pelos territórios do fogoso, alucinante, trepidante e poderoso Heavy Metal forjado nos anos 80 e que nos remete para os primórdios de Iron MaidenMetallica, do musculado, fibroso, glorioso e lubrificado Hard Rock locomovido à boa moda de Spirit Caravan, e do enfeitiçante, esotérico, maléfico e intrigante Proto-Doom de intimidantes ecos Black Sabbath’icos. A sua sonoridade intensamente abrasiva, efervescente, erodente e altiva tem o dom de capturar, inflamar e espevitar o ouvinte, obrigando-o a cerrar os maxilares, rebaixar as pálpebras, rodopiar a cabeça e hastear os punhos cerrados ao alto. Uma galopada infernal, desdobrada a alta rotação, pelas sépias e poeirentas estradas do ensolarado velho oeste que estriam o deserto. Com o doce aroma do bourbon alojado na boca, narinas dilatas a aspirar o forte odor da pólvora, olhar fulminante e o coração em chamas, ingressamos nesta transpirada, alucinante e desenfreada correria à vertiginosa, electrizante e sinuosa boleia sonora de Cloud Catcher. Afogueado por uma guitarra vulcânica de flexuosos, urticantes, resinosos e montanhosos riffs que desaguam em solos escorregadios, ácidos, desvairados e fugidios, metralhado por uma incansável bateria vergastada a ritmicidade esmagadora, explosiva, incisiva e libertadora, sombreado por um despótico baixo de bafo nervudo, sísmico, asfixiante e sisudo, e capitaneado por uma vistosa voz de tez rugosa, rouquenha, jupiteriana e harmoniosa, ‘Return from the Cauldron’ é um titânico ciclone que nos enlouquece e abastece de pura adrenalina. Um indomável e selvático rolo compressor que tudo varre à sua frente. É impossível enfrentar o todo-o-poderoso Riff de Cloud Catcher e sair vitorioso do duelo. São 44 minutos sovados e chamuscados por este inesgotável lança-chamas. Banhem-se na incandescente lava deste fumacento e revoltoso caldeirão em borbulhante erupção, e vivenciem com total entrega e comoção um dos álbuns mais euforizantes do ano.

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