segunda-feira, 13 de maio de 2024

Review: ☄️ Black Pyramid - 'The Paths of Time are Vast' (2024) ☄️

★★★★

Despertado de uma longa e muda hibernação com mais de uma década de duração, este mastodôntico vulcão volta a acender as suas incandescentes fornalhas, a cuspir faúlhas em chamas e a entrar em barulhenta erupção. ‘The Paths of Time are Vast’ é o muito ansiado quarto e novo álbum do potente tridente norte-americano Black Pyramid que vê finalmente a luz do dia pela mão do selo discográfico francês Totem Cat Records sob as formas LP, CD e digital. De instrumentos apontados ao místico território astral, ‘The Paths of Time are Vast’ é um revolto caldeirão em borbulhante ebulição onde é remexida a pesada, espessa e possante sonoridade de intensa fogosidade – patenteada nos seus trabalhos antecessores – e a mesma condimentada com um colorido, arejado e sofisticado experimentalismo que a desconstrói, desoprime e desafoga. Aprisionados e baloiçados numa dança orbital – de consagração espiritual, expansão sensorial e emancipação consciencial – em torno de um montanhoso, oleoso e enérgico Stoner Metal, um sísmico, ritualístico e carregado Doom Metal e ainda um efervescente, erodente e intoxicante Heavy Psych, tanto somos obscurecidos, intimidados e trucidados pela colossal potência de diabólica impetuosidade que nos inflama de incontida euforia, como ocasionalmente somos comovidos, anestesiados e conduzidos a um nirvânico estádio de reflexiva letargia. Um constante pêndulo que vagueia entre a sufocante turbulência e a relaxante dormência. De olhos cravados no horizonte cósmico, embarcamos numa imaginativa, enfeitiçante e criativa odisseia extraterrestre, driblando o abraço gravitacional dos pálidos e solitários astros que vêm à tona das abissais profundezas do oceano espacial, empoeirando a nossa alma por entre fantasmagóricas nebulosas que explodem e espalham colorações caleidoscópicas nos negros céus da eterna noite sideral, e escorregando pelos alucinantes túneis de vorazes buracos negros que descoordenam o espaço-tempo. A sua musicalidade complexa, heterogénica e cinematográfica – que partilha o ADN sonoro com bandas como Zoroaster, Elder, YOB, REZN e Mastodon – é superiormente orquestrada por uma imperiosa guitarra de pronúncia Iommi’esca – consumida por uma distorção crocante, crepitante e corrosiva – que hasteia monstruosos, rugosos, viscosos e chamejantes riffs de onde serpenteiam ecoantes, ácidos, translúcidos e uivantes solos em sónica debandada, um baixo massivo de linhas nervudas, obscuras, asfixiantes e sisudas, uma bateria explosiva de açoitadas altivas, intempestivas, violentas e abrasivas, teclados litúrgicos de mugidos dramáticos, melancólicos e enigmáticos, e uma voz vampírica de tez avinagrada, urticante e assanhada e lírica dedicada a temas como a guerra, o oculto, o esotérico e a alienação da raça humana. São 70 minutos de um poderoso cataclismo com a força de abalar e renovar consciências. Nunca a sedação e a agitação viveram tão próximas uma da outra. Apertem bem os cintos para melhor lidarem com galopadas vertiginosas, travagens bruscas e passagens celestiais desdobradas em slow-motion. Depois de dantescas tempestades seguidas de miraculosas bonanças, no final reina a febril narcose que nos deixa à deriva na infinita vacuidade sideral. ‘The Paths of Time are Vast’ representa o regresso triunfante de uma banda muito estimada por todos os velhos apreciadores dos géneros em que a mesma se engaveta. Que este vulcão trazido à vida continue a vomitar lava durante muitos, muitos anos, pois cá estaremos para surfá-la.

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 Totem Cat Records

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Review: 🌲 Freeways - 'Dark Sky Sanctuary' (2024) 🌲

★★★★

Quatro anos volvidos após o nascimento do seu glorioso álbum de estreia ‘True Bearings’ (aqui trazido e imoderadamente elogiado), o quarteto canadiano Freeways – domiciliado na cidade de Brampton (Ontário, Toronto) – regressa agora com o lançamento do seu tão aguardado sucessor. Intitulado ‘Dark Sky Sanctuary’ e carimbado editorial da discográfica germânica Dying Victims Productions (companhia fielmente dedicada ao lado underground da música Metal) através dos formatos LP, CD e digital, este segundo trabalho de longa duração produzido por esta muito estimada formação norte-americana dissemina a doce fragância de um dourado revivalismo – tingido a comovente nostalgia – que combina um lubrificado, harmonioso, libidinoso e condimentado Hard Rock de roupagem clássica resgatado da segunda metade da década de 1970, e um melodioso, refinado, abrasado e amistoso Heavy Metal de estirpe tradicionalista locomovido à boa moda dos 80’s. Com influências comungadas de carismáticas referências dos géneros como Scorpions, UFO, Blue Öyster Cult, Thin Lizzy, April Wine, BudgieDef Leppard, Journey, Skid Row, Montrose, Saxon, Aerosmith, Eagles e Whitesnake, bem como de outras mais contemporâneas como as suecas Hypnos e Svartanatt, a irresistível sonoridade de Freeways transporta-nos no tempo e no espaço para uma descontraída viagem rodoviária de punho firmemente cerrado no volante e o outro a embater entusiasticamente no tejadilho de um velho Ford Bronco de 1980 pelas terrosas, solitárias e sinuosas estradas rurais que estriam densas florestas montanhosas que conservam nevões de uma brancura nívea e todo um esplendor invernal, e se desdobram debaixo da vigilância apertada de alaranjados céus crepusculares que resistem à chegada da noite. ‘Dark Sky Sanctuary’ é aquela cassete perdida, esquecida durante decénios no interior do velho carro do teu pai, agora finalmente encontrada e devolvida à vida. Sintonizados nesta preciosa estação de rádio nostalgia.fm que nos incendeia o olhar, desabrocha o sorriso e faz suspirar, embarcamos numa emocionante, inesquecível e reconfortante viagem à comovente boleia de uma voz liderante de pele melodiosa, açucarada, encerada e refrescante, duas guitarras siamesas que se redemoinham em sensuais danças de voluptuosos, viciantes, maleáveis e apetitosos riffs e esvoaçantes, escorregadios, fugidios e deslumbrantes solos em vertiginosa debandada, um baixo ondulante de bafo fibroso, palpável, quente e umbroso, e uma empolgante bateria com a irrepreensível precisão de um relógio suíço que tiquetaqueia todo este fabuloso álbum a um galope constante, bem-disposto e magnetizante. Este é um registo imensamente cativante que nos obriga a reproduzi-lo vezes sem conta. São 34 minutos integralmente passados na agradável companhia de uma musicalidade elegante, melíflua, lustrosa e apaixonante – de fácil digestão e ardente tentação – que nos seduz e conduz – de olhar lançado na direcção do passado e o coração atestado de um transbordante sentimento de pura nostalgia – pelas aventurosas estradas de Freeways. Calcem aquelas texanas enrugadas, vistam aquelas velhas calças de ganga rasgadas, aquela grossa camisa de flanela desbotada e aquele negro casaco de cabedal esfolado, e saltem para as irrequietas costas deste álbum. Um dos meus discos favoritos de 2024 está aqui.

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 Dying Victims Productions

terça-feira, 30 de abril de 2024

🎺 International Jazz Day

Thin Lizzy - "Ray Gun" (1971)

Review: 🌩️ Full Earth - 'Cloud Sculptors' (2024) 🌩️

★★★★

Proveniente da cidade cultural de Oslo (capital da Noruega) chega-nos o impactante álbum de estreia do quinteto experimental Full Earth (formado pelos membros dos prolíficos Kanaan). Denominado ‘Cloud Sculptors’ e lançado pela já histórica companhia discográfica germânica Stickman Records nos formatos LP, CD e digital, este primeiro trabalho da turma norueguesa é norteado por uma exótica fusão musical onde prosperam um dominante, monstruoso, umbroso e enfeitiçante Heavy Prog vigiado por sombrias, carregadas e sisudas nuvens Doom’escas, um enfático, extravagante, empolgante e bombástico Jazz-Rock – de excêntrica caligrafia Avant-Garde – sarapintado por pulsantes e caleidoscópicas colorações psicadélicas, e ainda um desregrado, intuitivo, explorativo e sónico experimentalismo de alquimia electrónica. A magnética, camaleónica e sideral sonoridade de ‘Cloud Sculptors’ baloiça-se entre maravilhosas, odorosas, ventiladas e astrais paisagens aureoladas por uma placidez virginal que nos hipnotiza e eteriza com o seu absorvente minimalismo, e vertiginosas, turbulentas, barulhentas e fervorosas galopadas inflamadas por um clima infernal que nos sacode e explode de intensa euforia. Uma dançante, labiríntica e estonteante espiral onde gravitam influências como Manuel Göttsching (Ash Ra Tempel), Terry Riley, Elephant9, Krokofant, Sleep, Elder, Mastodon, BaronessHigh On Fire e os próprios Kanaan. São 84 minutos que encerram uma fantástica odisseia pela infindável vacuidade cósmica, condimentada por visões proféticas, contos mitológicos e explosões pirotécnicas que desabrocham no negro solo estelar.  Na composição desta imaginativa, surrealista e propulsiva viagem de longa duração pelos inexplorados territórios alienígenas, dialogam entre si uma guitarra altiva de intoxicantes, monstruosos, rugosos e impressionantes riffs – incendiados pelo urticante, espinhoso e electrizante efeito Fuzz – de onde se libertam ácidos, venenosos, viscosos e translúcidos solos, um baixo sufocante de linhas massivas, densas, tensas e invasivas, uma bateria endiabrada de ritmicidade pautada a espalhafatosa tecnicidade e desconcertante velocidade, e toda uma aquosa profusão de teclados futuristas que – tricotando toda uma complexa teia de encaracolados loops que se encavalitam entre si – vagueiam de velas içadas ao sabor do abstracionismo por melancólicas, cósmicas e fabulares passagens de sublimada beleza que nos mergulham nas profundezas da introspecção. Este é um álbum matematizado por inventivas composições cerebrais e subjugado pela tempestade e a bonança. Uma colorida colagem de incontáveis peças que juntas formam este sensacional puzzle musical. Fiquem na marcante, irreverente e gratificante companhia de Full Earth durante este dia internacional do Jazz, e vivenciem com inapagável fascinação um dos álbuns mais bizarros (no sentido elogioso da palavra) lançados até ao momento em 2024.

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 Stickman Records

segunda-feira, 22 de abril de 2024

🌠 Ahkmed - 'Distance' (2009, Elektrohasch)

🎆 Blue Cheer // Fillmore East, 1968

Review: ⚡️ High On Fire - 'Cometh The Storm' (2024) ⚡️

★★★★

Com cerca de vinte e cinco anos de produtiva (e barulhenta) actividade, os titânicos High On Fire continuam a dar mostras de uma vitalidade invejável. Despertado de um inédito jejum discográfico de cinco anos, este pujante, indomável e electrizante tridente californiano – sediado na cidade de Oakland e liderado pelo célebre Matt Pike (Sleep) – acaba de detonar o seu novíssimo, infernal e potentíssimo ‘Cometh The Storm’ através dos formatos LP, CD e digital carimbados pela editora nova-iorquina MNRK Heavy. Resultante de um tenso, renhido e relampejante braço de ferro rivalizado entre um mastodôntico, intoxicante, euforizante e ciclónico Stoner Metal que ocasionalmente se enlameia nos nimbosos pântanos do Sludge Metal, e um poderoso, combativo, altivo e furioso Heavy Metal de vertiginosa pedalada Punk, a eruptiva, escaldante, excitante e agressiva sonoridade de ‘Cometh The Storm’ representa – com excepção do fresco, bonanceiro e romanesco tema “Karanlik Yol” que se meneia numa vistosa, relaxada e libidinosa dança de mística fragância turca, manifestando-se como que refrescante e revitalizante chuva neste argiloso e impiedoso deserto – uma destravada, endiabrada e demolidora locomotiva que tudo varre à sua frente. São cinquenta e oito minutos galopados na máxima rotação e electrificados a alta tensão que colocam à prova a robustez dos alicerces da nossa sanidade mental. Um intenso lança-chamas que nos inferniza, consome e carboniza sem qualquer misericórdia. Um impetuoso bulldozer que nos persegue, atropela e esmaga repetidas vezes. Banhem-se nesta fogosa ferocidade onde ruge uma voz felina de temperamento raivoso e tez corrosiva, rouquenha e urticante, troveja uma monolítica guitarra de ventosos, gordurosos, opressivos, e tormentosos riffs de onde ziguezagueiam apressados, lampejantes, ácidos e trepidantes solos, bafeja pesadamente um baixo obeso de linhas quentes, tensas, densas e sufocantes, e crepita uma enérgica bateria em polvorosa de açoitadas retumbantes, explosivas, incisivas e fulminantes. A admirável ilustração que confere rosto a este trevoso, sangrento, bolorento e furioso clamor aponta os seus créditos ao inconfundível Arik Roper. Este é um álbum extremamente vigoroso, aparatoso e contagiante – de efervescência vulcânica e liderança tirânica – que em nós causa um violento sismo impossível de domar. Obedeçam ao chamamento dos troantes tambores de guerra, gritem selvaticamente aos cerrados e carregados céus, desembainhem as vossas espadas sedentas e avancem, decididos e destemidos, na direcção deste fervoroso e acintoso furacão que rodopia sem travão. Depois de ter vivenciado “in loco” e pela primeiríssima vez toda a brutal e inextinguível potência de High On Fire na velha edição de 2018 do festival espanhol Kristonfest, avizinha-se agora o nosso reencontro calendarizado para o verão português no reputado festival SonicBlast.

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 MNRK Heavy

terça-feira, 16 de abril de 2024

🎺 Ian Carr with Nucleus - "Belladonna" (1972)

Review: 🦋 Tom Penaguin - 'Tom Penaguin' (2024) 🦋

★★★★

O talentoso e ambicioso multi-instrumentista francês Tom Penaguin (guitarrista de Djiin e organista em Orgöne) acaba de surpreender todos os verdadeiros apóstolos do Prog Rock e do Jazz Fusion com o lançamento do seu belíssimo álbum de estreia – gravado de forma analógica no seu estúdio caseiro – pela mão do selo discográfico espanhol Á MARXE nos formatos CD e digital. Sonhado, arquitectado e maturado durante vários anos, este primeiro passo discográfico a solo de Tom Penaguin representa – com admiráveis maestria e ousadia – muito daquilo que mais me apraz encontrar na música contemporânea: uma indiscreta influência clássica aliada a um cunho pessoal que lhe confere um indelével traço original. Pincelada, aromatizada e norteada por um melodioso, serpenteante, enleante e sumptuoso Prog Rock de ensolarada e colorida magia Canterbury’esca, e um cerebral, exótico, estético e sensacional Jazz Fusion de elegante estilo vintage, a ambiental, bucólica, onírica e orquestral sonoridade deste fenomenal registo – polida e encerada por edénicas, cénicas e deslumbrantes composições – persegue a messiânica luz de carismáticas e incontáveis referências colhidas nos anos 70 como Soft Machine, YES, King Crimson, National Health, Hatfield and the North, Caravan, Egg, Mahavishnu Orchestra, Brand X, Focus, Camel, Soft Heap, Pierre Moerlen’s Gong e Popol Vuh, assim como inala de pulmões bem abertos os frescos e revitalizantes ares noruegueses soprados por bandas da actualidade como Needlepoint, Soft Ffog, Wobbler e Jordsjø. Na sagrada constituição desta sedutora, majestosa e inspiradora obra, que vive do principesco detalhe, da graciosa subtileza e de uma desarmante beleza, dialogam entre si uma virtuosa guitarra – discípula de John McLaughlin, Allan Holdsworth, Jan Akkerman e John Abercrombie – que se centrifuga em exuberantes, hipnóticos e apaixonantes riffs e expurga num vendaval de esvoaçantes, angulosos e enfeitiçantes solos, um baixo elástico de reverberação ondulante, pulsante e baloiçada, uma bateria deliciosamente jazzística que se desdobra entre secos rufos na tarola, o toque preciso e cintilante nos pratos flamejantes, e galopantes acrobacias a trote dos timbalões, e toda uma quimérica profusão de sublimes teclados – aureolados por um misticismo fabular que nos abrilhanta o olhar de pirotecnia estelar – que tanto se amainam em embriagantes, sonhadoras e transcendentes passagens de uma encantadora lisergia, como rodopiam a toda a velocidade numa profunda espiral de magnéticos, sidéricos e estonteantes bailados. Tom Penaguin edifica no nosso imaginário todo um esverdeado, refrescante e arborizado tapete campesino, estriado por marulhantes riachos de águas translúcidas, sobrevoados por suaves brisas e vigiados de perto por vastos céus banhados de um forte azul turquesa, que se espreguiça e desdobra na longínqua e vertiginosa direcção de um Sol calmoso, profético e lustroso. Este é um álbum extraordinariamente radiante, cativante, divinal e glorioso, de afago mental e beatitude imortal, que em nós causa todo um apego impossível de quebrar e uma imensa permeabilidade emocional. Um catártico bálsamo de lívida brancura que nos inunda e cega de devota fascinação, e reconforta nos agradáveis braços da plena e deífica jubilação. Quando o derradeiro tema se entrega ao silêncio e este sonho soberbamente musicado nos permite finalmente pestanejar, damos por nós mergulhados num imperturbável e anestésico estádio mesmérico de onde não mais desejamos regressar. Satisfaçam nele todo o vosso desejo de requinte, e testemunhem toda a inesgotável majestosidade de um dos álbuns mais refinados do ano.

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sexta-feira, 12 de abril de 2024

☀️ Causa Sui - 'Free Ride' (2007)

♨️ Warm Dust - "Warm Dust" (1972)

🌑 Moonstone - "Emerald" (live session)

🎁 John Kay // Steppenwolf (12/04/1944)

©️ PF Bentley

🎁 Herbie Hancock (12/04/1940)

Review: 🦂 White Dog - 'Double Dog Dare' (2024) 🦂

★★★★

Depois de em 2020 ter ficado de queixo completamente caído ao deparar-me com o brilhante e irretocável álbum de estreia dos texanos White Dog (aqui devidamente escalpelizado e, mais tarde, aqui naturalmente premiado como um dos melhores registos nascidos nesse mesmo ano), regresso agora com renovadas palavras elogiosas destinadas ao seu tão aguardado sucessor, denominado ‘Double Dare Dog’ e captado de forma inteiramente analógica, que acaba de sair à rua pela insuspeita mão do influente selo londrino Rise Above Records através dos formatos físicos LP e CD. Com uma formação transfigurada (a substituição de vocalista e o acréscimo de um teclista) mas mantendo a sua roupagem clássica, o agora sexteto, enraizado na grande cidade de Austin (capital do estado norte-americano do Texas), continua a trilhar a sua gloriosa jornada musical com a bússola apontada ao dourado território setentista. Numa agradável, relaxada, ensolarada e adorável viagem – debaixo de uma intensa e amarelecida luzência vintage – que atravessa as deslumbrantes paisagens rurais de um apimentado, ritmado, invertebrado e afrodisíaco Blues Rock de condimentado sabor Tex-Mex, um empolgante, tórrido, suado e dançante Southern Rock de vaidade sulista, e ainda de um musculoso, fogoso, lustroso e torneado Hard Rock sarapintado por vibrantes colorações de um caleidoscópico psicadelismo californiano, ‘Double Dare Dog’ passeia o ouvinte – de texanas calçadas, pernas cruzadas, chapéu de aba larga reclinado na cabeça e um palito mordiscado na boca – pelas verdejantes pastagens que se desdobram até onde a vista pode alcançar, ajardinando toda uma nostálgica época há muito enterrada pelas areias do tempo. Homenageando os autóctones ZZ Top e bebendo influências de outras bandas carismáticas como Lynyrd Skynyrd, The Allman Brothers Band, Creedence Clearwater Revival, The Marshall Tucker Band, James Gang, The Outlaws, Quicksilver Messenger Service e Grateful Dead, assim como direccionando os holofotes para outras mais obscuras como Highway (Minnesota, EUA), Lightning (Minneapolis, EUA) e os canadianos Aaron Space, a quente, swingada, atraente e atrevida sonoridade de White Dog é como que uma fresca brisa de aroma oceânico que perfuma e aviva o ar seco e soalheiro do deserto. De olhar enternecido, sorriso desabrochado e espírito embevecido, embalamos à apaixonante, idílica e contagiante boleia de duas guitarras siamesas que florescem harmoniosos, veneráveis e cheirosos acordes de onde serpenteiam requintados, estonteantes e rendilhados solos, um baixo gingão de bafo pulsante, magnetizante e palpável, um carismático teclado Hammond bailado a polposos, melódicos e sumptuosos mugidos, uma afável bateria de sensibilidade jazzística, galopada, sem esporas, a um ritmo leve, solto e descontraído, e uma voz polida, aveludada e felina. A bonita arte gráfica que confere rosto a esta viciante iguaria texana tem como seu autor o talentoso ilustrador local Taylor W. Rushing‘Double Dog Dare’ é um western soberbamente musicado. Um registo tremendamente irresistível, pensado e executado à minha imagem, que decerto não dará descanso aos demais concorrentes pela acesa luta ao título de melhor álbum do ano. Entrem, ousados, neste poeirento e barulhento saloon com forte odor a pólvora – de coldre desapertado, dedo indicador repousado no gatilho e debaixo de olhares desconfiados que se erguem acima dos ombros – e beberiquem este mélico bourbon. Cinco cintilantes estrelas para estes temidos pistoleiros de fama firmada e disseminada por todo o tapete arenoso do velho oeste. Depois de dois disparos certeiros no meu coração, já salivo pelo terceiro.

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segunda-feira, 8 de abril de 2024

❂ Screaming Trees - "Black Sun Morning" (1989)

Review: 🪐 Iron Blanket - 'Astral Wanderer' (2024) 🪐

★★★★

Da cidade australiana de Sydney chega-nos a incandescente lava vulcânica expelida pelo jovem e irreverente quinteto Iron Blanket, que acaba de lançar o seu impactante álbum de estreia denominado ‘Astral Wanderer’ e editado a duas mãos pela britânica Copper Feast Records e pela grega Sound Effect Records nos formatos digital e LP. Combinando as dominantes forças gravitacionais de um musculoso, enérgico, titânico e polposo Heavy Rock de luciféricos ecos Green Lung’escos, de um quente, arenoso, fogoso e efervescente Desert Rock de alta octanagem a fazer recordar os suecos Dozer, e ainda de um montanhoso, pantanoso, sombrio e impiedoso Psychedelic Doom de incensos morfínicos e um pesado galope Sleep’eano num vistoso, admirável e glorioso bailado, ‘Astral Wanderer’ é um álbum imponente – tomado por ácidas e negras lavaredas que cospem crepitantes faúlhas – capaz de abalar e naufragar o ouvinte num revolto mar de vulcânica euforia. Não dispensando misteriosas incursões nocturnas pelo lado mais intrigante, letárgico, ritualístico e intoxicante do mastodôntico Proto-Doom de tração setentista e uma imersiva pretura Black Sabbath’ica, este triunfante primeiro trabalho dos australianos Iron Blanket simboliza uma monolítica, granítica e demolidora avalanche sonora que nos profana a alma, anoitece o espírito e enfeitiça do primeiro ao derradeiro tema. Uma torrencial chuva de estrelas chamejantes que cruzam os céus enquanto que relampejantes fissuras golpeiam o solo espasmódico. Embarquem nesta selvática, bombástica e vertiginosa alucinação à empolgante boleia de duas guitarras endemoninhadas – fervidas em crocante, espinhoso e electrizante efeito Fuzz – que conduzem abrasivos, rugosos, majestosos e invasivos riffs de onde esvoaçam solos luzidios, escorregadios, salgados e fugidios, um hipnótico baixo de linhas palpáveis, obesas, coesas e intimidantes, uma bateria enérgica de ritmos explosivos, provocantes, fulgurantes e altivos, e de uma voz assanhada e diabrina – de tez ácida, melódica, magnética e gélida – que contrasta com a ardência infernal do instrumental. São 45 minutos capitaneados por um groove contagiante que ziguezagueia entre a potência e a indolência, a luminosidade e a obscuridade, a agitação e a prostração. ‘Astral Wanderer’ é um álbum verdadeiramente vultoso, assombroso e desconcertante que, decerto, não deixará ninguém indiferente.

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