terça-feira, 29 de outubro de 2019

Review: ⚡ Crypt Trip @ Barracuda, Porto ⚡

Os texanos Crypt Trip são hoje uma das grandes bandas da minha vida. Lembro-me de tropeçar no seu EP ‘Mabon Songs’ algures em 2016 e não mais ter recuperado da queda. No passado ano de 2018 lançavam o impecável ‘Rootstock’ (devidamente namorado aqui) que me forçara mesmo a considerá-lo como o melhor álbum desse ano (listagem completa aqui), e já no presente ano de 2019 apresentaram o seu tão (por mim) ansiado novo álbum ‘Haze County’ (copiosamente apreciado aqui) e que até ao momento se perfila como o meu álbum de eleição deste prolífico ano (no que à quantidade e qualidade da produção musical diz respeito) que caminha a passos largos para o crepúsculo da sua existência. Foi – portanto – com um vibrante empolgamento que digerira a tão apetecida notícia de que este Outono os Crypt Trip viriam a Portugal pela primeira vez com duas datas agendadas para as cidades de Porto e Lisboa, através da promoção conjunta entre a editora discográfica italiana Heavy Psych Sounds e a influente promotora portuguesa Garboyl Lives. Sendo transmontano e vivendo em território transmontano, foi-me demasiado simples eleger a cidade do Porto como o destino escolhido para me estrear frente a uma banda que causa em mim todo um titânico impacto emocional. Não só me estreava apenas a experienciar Crypt Trip ao vivo, como pisava também pela primeira vez o novo espaço Barracuda – que promete futuramente ser o anfitrião portuense de tantas e tantas outras bandas do universo underground da música Rock – e o meu olhar atento e curioso – assim que entrara no bar – comprovava isso mesmo. Depois de algumas cervejas brindadas e muitas conversas partilhadas com os tantos rostos amistosos que por ali atracavam, o talentoso e apaixonante power-trio texano subia a palco debaixo de um barulhento aplauso e encorajadoras palavras gritadas por uma pequena plateia completamente incendiada e tomada pelo entusiasmo. Fora do palco sofria-se por antecipação, mas com a inabalável convicção de que se avizinhava algo para não mais esquecer (pelos melhores motivos, é claro).

E assim aconteceu: de baquetas firmemente empunhadas, instrumentos amplificados, microfone ajustado e alguns olhares envergonhados na direcção do público, os Crypt Trip estavam finalmente prontos para redecorar e metamorfosear o Barracuda num perfeito e poeirento Saloon fielmente trazido do carismático velho oeste. E assim que as rédeas foram agarradas e as esporas pontapeadas nas coxas, iniciou-se uma irrepreensível performance que certamente levarei e recordarei pelas restantes estações da minha vida. Descendentes de lendárias referências como Doug Sahm, Captain Beyond, James Gang, The Allman Brothers Band e The Grateful Dead, estes três jovens naturais de San Marcos (cidade localizada no estado norte-americano do Texas) presentearam todos os seus ouvintes com um populoso e original sortido sonoro de inspiração sessentista e setentista, de onde facilmente se apalada e saboreia um primitivo Texas Blues em erótica harmonia com um elegante Classic Rock, um dançante Southern Rock, um agradável Country Rock e ainda um electrizante Heavy Psych. Numa irretocável simbiose que enlaçava e oxigenava todos os instrumentos, os Crypt Trip balancearam a sua curta mas impoluta exibição numa adorável e fluída alternância entre desenfreadas, estonteantes, euforizantes e alucinadas galopadas que imediatamente aceleravam e atropelavam os nossos batimentos cardíacos, atestavam a nossa alma de adrenalina e desprendiam furiosamente as nossas cabeças rodopiantes no seu encalço, e melodiosas, relaxadas e sumptuosas baladas às quais ninguém se negava a bater o pé de sorriso sincero e olhar distante e sonhador. A plateia respirava plena satisfação pela calorosa sonoridade transpirada do palco, e a banda sentia e investia toda essa motivação numa performance inteiramente talhada e norteada a talento, ardência e sentimento. A guitarra simultaneamente trovadora e impetuosa – de provocantes, tórridos e serpenteantes Riffs que desaguam e se perdem na ciclónica comoção de atordoantes, furiosos, majestosos e ziguezagueantes solos de elevada toxicidade – é perseguida e sombreada bem de perto pela quente e eloquente reverberação bafejada por um baixo deliciosa e criativamente Krauty de linhas pulsantes, hipnóticas, fibróticas e possantes, e acicatada por uma provocante bateria locomovida a circenses acrobacias temperadas a desarmante subtileza e impressionante destreza que ganhara e conquistara total protagonismo no derradeiro tema do concerto quando de forma decidida e ousada arrancara para um desconcertante, inventivo, selvático e contagiante solo à boa moda do polvoroso e espalhafatoso John Bonham, que nos deixara a todos de olhos bem arregalados, ouvidos salivantes e semblantes boquiabertos. De destacar ainda a voz tanto melosa e revoltosa que se ambienta na perfeição aos mais variados climas de Crypt Trip.

No final estávamos todos suados, perplexos e embriagados pela enlouquecedora montanha-russa que havia sido a honrosa experiência de vivenciar Crypt Trip acima de palco. O olhar luzidio de todos os presentes dizia tudo aquilo que a boca muda não conseguia soletrar e exteriorizar. As gigantescas expectativas previamente maturadas estavam então integralmente saciadas, e os três músicos devidamente congratulados. Foi um concerto do tamanho da desmedida admiração que nutro pela banda e um dos mais especiais e tocantes da minha vida. O meu sentido agradecimento a todos os responsáveis por tornarem isto possível.

* Fotografias gentilmente cedidas pela
downclose.

Review: ⚡ The Dues - 'Ghosts of the Past' (2019) ⚡

Depois de em 2017 ter ficado pasmado com ‘Time Machine’ (devidamente reverenciado aqui), premiando-o mesmo como um dos melhores álbuns nascidos nesse mesmo ano (listagem completa aqui), o talentoso tridente suíço The Dues acaba de lançar hoje mesmo o seu novo álbum apelidado de ‘Ghosts of the Past’ e promovido em formato digital e sob a forma física de CD e vinil pela mão das editoras discográficas locais Sixteentimes Music e Czar of Crickets Productions. Tratando-se de um dos registos por mim mais aguardados de 2019, prontifiquei-me sem demoras a experienciá-lo na íntegra e devo já antecipar que o mesmo extravasara largamente as mais altas e elogiosas expectativas a ele previamente dedicadas. Natural de Winterthur (Zurique) este fascinante e entusiástico power-trio incendeia-se num poderoso, chamejante, afrodisíaco e ostentoso Heavy Blues de roupagem e fragância revivalistas, que homenageia – de forma irrepreensível e exemplar – velhas e carismáticas referências como Rory Gallagher, Ten Years After, ZZ Top, Cactus, Cream, Led Zeppelin ou The Jimi Hendrix Experience. A sua sonoridade fervorosa, requintada, irresistível e vistosa passeia-se envaidecida e graciosamente por uma equilibrada conjugação entre o dinamismo, a imaginação e o tecnicismo. De olhar semi-cerrado, sorriso imperturbável e cabeça baloiçada de ombro a ombro, somos enfeitiçados, contagiados e abalados pela apurada e sublimada virtuosidade que este fabuloso ‘Ghosts of the Past’ transpira e destila por todos os seus poros. Nesta lasciva combustão de destreza, subtileza e emoção vem ao de cima a desarmante destreza de uma guitarra endeusada que se mexe e remexe na apaixonante condução de majestosos, presunçosos, expressivos e espirituosos Riffs de onde germinam e florescem voluptuosos, serpenteantes, alucinantes e espalhafatosos solos, a dançante reverberação de um baixo diligente que se movimenta por entre linhas torneadas, sinuosas, vaidosas e sombreadas, a inquietante sagacidade de uma bateria circense que se enleva e sobressai à boleia de provocantes, aparatosas, revoltosas e estonteantes acrobacias, e ainda a fresca vivacidade de uma voz avinagrada, melódica e enregelada que confere uma isolada acidez à vulcânica efervescência borbulhada pelo instrumental. ‘Ghosts of the Past’ é um álbum movido, fervido e nutrido a um intenso e saturado entusiasmo que nos liberta e atesta de adrenalina. Um disco previsivelmente pensado e forjado à minha imagem e que certamente estará perfilado por entre os mais venerados e elogiados registos lançados no presente ano.

Review: ⚡ Screamer - 'Highway of Heroes' (2019) ⚡

Da muito prolífica região nórdica chega-nos ‘Highway of Heroes’, o quarto e novo álbum do titânico quinteto sueco Screamer, que se estreia assim nas fileiras do já muito conceituado selo discográfico local The Sign Records com este seu ainda fumegante lançamento nos formatos físicos de CD e vinil. Escudado num dominante, majestoso, ostentoso e triunfante Heavy Metal de matriz tradicionalista onde facilmente se apalada e reconhece uma indiscreta inspiração trazida dos memoriosos Judas Priest, este imponente ‘Highway of Heroes’ reacendera a minha crescente fascinação pelo consagrado movimento NWOTHM (New Wave of Traditional Heavy Metal) hasteado na segunda metade dos 70’s e desdobrado pela primeira dos 80’s. Screamer – referência contemporânea do Heavy Metal que exemplarmente homenageia os carismáticos primórdios do género onde Iron Maiden e Judas Priest são as suas principais estrelas orientadoras – acaba de celebrar uma década de existência, e este seu novo álbum não poderia representar melhor o elevado grau de maturação que esta banda alcançara ao fim de dez anos. A sua sonoridade de armadura ostensiva, epopeica, imperiosa e combativa é carburada por uma incansável, destemida e inesgotável galopada imprópria para cardíacos que esporeia e afogueia o ouvinte com uma intensa torrente de ardente euforia. São 35 minutos atestados e lavrados por uma transpirada adrenalina superiormente norteada por duas guitarras gémeas que se enfurecem no corrosivo rugido de portentosos, incandescentes, ciclópicos e alterosos Riffs, e se enlouquecem na orgásmica emancipação de ziguezagueantes, principescos, romanescos e atordoantes solos, um forte baixo de reverberação canalizada em linhas pujantes, maciças, fibróticas e magnetizantes, uma enérgica e destravada bateria a trote de uma vertiginosa, turbulenta e aparatosa ritmicidade, e uma monstruosa voz de tonalidade voluptuosa, melódica, corpulenta e oleosa que lidera com pasmosa distinção toda esta cavalaria pesada. ‘Highway of Heroes’ é um disco forjado a desarmante comoção que prazerosamente me estremecera e agitara do primeiro ao derradeiro tema. Berrantes pinturas faciais, rédeas e escudos firmemente empunhados, espadas e esporas afiadas, e olhar desassossegado e sedento cravado no horizonte. Preparem-se para ouvir o sobranceiro grito de guerra de ‘Highway of Heroes’ que vos encorajará e arremessará para o incessante turbilhão de toda esta ode bélica ardentemente vociferada por Screamer.

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Review: ⚡ Nap - 'Ausgeklingt' (2019) ⚡

No verão de 2016 escrevia com fiel e incontida emoção toda a profunda admiração sentida pelo maduro e impactante álbum de estreia do power-trio germânico Nap designado de ‘Villa’ (Review aqui), e hoje – depois de experienciar detida e repetidamente o seu tão aguardado segundo e novo álbum ‘Ausgeklingt’ – vejo-me forçado a replicar o elogioso e meritório protagonismo apontado a esta fantástica banda enraizada na cidade nortenha de Oldemburgo. Oficialmente lançado no início do presente mês de Outubro pela mão do selo discográfico alemão Nois-O-Lution na forma física de CD e vinil, este novo registo de Nap encerra um provocante, entusiástico, psicotrópico e inflamante Heavy Psych de propensão estelar (a fazer recordar a motorizada rotação dos seus compatriotas Rotor) que tanto se aproxima de um dançante, ritmado, ensolarado e refrescante Surf-Rock de ares Garage, como de um poderoso, tirânico, sombrio e vultoso Proto-Metal de inspiração trazida do final dos anos 70. A sua sonoridade – de complexas composições, onde variadas atmosferas se conjugam, dialogam e harmonizam com admirável fluidez – causa no ouvinte todo um crescente estádio de uma intensa e imersiva fascinação que o envolve e revolve sem a mais pequena amarra de timidez. É numa ardente, arrebatada e eloquente dinâmica locomovida a distintos pesos, velocidades e proporções que este ‘Ausgeklingt’ se ostenta e afirma ao longo dos oito temas que preenchem as costuras dos seus 44 minutos de duração. Na composição deste tridente clássico está uma extraordinária guitarra que se inquieta e esbraseia com os seus serpenteantes, fibróticos, místicos e extasiantes Riffs de onde se expressam e desenvolvem gritantes, cristalinos, alucinógenos e ecoantes solos arremessados na vertigem cósmica, um baixo diligente e sussurrante de linhas pulsantes, oleadas, vigorosas e ondulantes, uma incansável e chamejante bateria de ritmicidade ofegante, atiçada, agitada e empolgante, e ainda a parca manifestação de uma enigmática e avinagrada voz que acidifica e lenifica a fogosa robustez transpirada e baforada por todos os poros de ‘Ausgeklingt’. Este novo trabalho de longa duração – soberbamente arquitectado e executado por Nap – confirma a tão apetecida sequência da entusiástica virtude já patenteada no seu álbum de estreia e consequentemente reforça o status da banda dentro da muito consagrada scene alemã.

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Review: ⚡ The Munsens - 'Unhanded' (2019) ⚡

De Denver – a cidade mais populosa do estado norte-americano do Colorado – chega-nos ‘Unhanded’, o desconcertante álbum de estreia do tridente The Munsens. Lançado no já distante mês de Fevereiro sob a forma física de vinil (repartido em duas edições distintas) através do jovem selo discográfico local Sailor Records, este poderoso e pesaroso registo vem assombrado por um fulminante, misantrópico, luciférico e pujante Black Metal – esporeado e ritmado a alta rotação Punk / Hardcore, e enlameado por um lodacento, nocivo e musguento Sludge Metal de elevada toxicidade – que se esmorece e entristece num sepulcral, prostrado e outonal Doom Metal pincelado a trágica melancolia. A sua provocante, ácida e intrigante sonoridade pendula entre uma cáustica, obscura e monolítica avalanche locomovida a intensa ferocidade, e taciturnas passagens tristemente belas que nos embalsamam e estacionam num profundo estádio de doce inércia. E é este acentuado contraste entre duas emoções tão díspares e antagónicas – onde a violenta tempestade e a distópica bonança caminham lado a lado – que faz deste ‘Unhanded’ um álbum tremendamente fascinante que nos encarcera do primeiro ao derradeiro tema. São 37 minutos chamejados de uma raivosa e tenebrosa soturnidade superiormente capitaneada por uma voz exasperada, corrosiva, acrimoniosa e denteada, uma sinistra guitarra de Riffs lutuosos, enigmáticos, ritualísticos e pavorosos, e escassos solos lampejantes, gélidos, cortantes e ostentosos, um baixo encorpado de linhas possantes, densas, tensas e hipnotizantes, e uma bateria rutilante, incisiva, ofensiva e fumegante que chicoteia e incendia toda esta fatídica, sorumbática e esconjurada ambiência dos tirânicos The Munsens. É de alma profundamente consternada e sentidos embriagados que alcanço o final desta demoníaca e angustiante liturgia. ‘Unhanded’ é um álbum de natureza dominante que enegrece, deprime e esvazia de esperança todo aquele que nele se reconfortar. Um disco verdadeiramente impactante, trovador de narrativas dramáticas e sombrias, propício a ser experimentado na penumbra de dias chuvosos e pardacentos. Pois nem só na sorridente luminância e quentura da Primavera e Verão é vivida a existência do Homem. Soterrem-se nele.

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