sábado, 31 de agosto de 2019
quinta-feira, 29 de agosto de 2019
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
terça-feira, 27 de agosto de 2019
segunda-feira, 26 de agosto de 2019
sábado, 24 de agosto de 2019
sexta-feira, 23 de agosto de 2019
Review: ⚡ Dead Feathers - 'All is Lost' (2019) ⚡
A espera terminou e a ânsia esvaziou. Depois de
algures no já distante ano de 2015 ter conhecido, experienciado e
consequentemente salivado o fabuloso EP de estreia do quinteto
norte-americano Dead Feathers (fixado em Chicago, Illinois),
hoje foi finalmente lançado o seu primeiro trabalho de longa duração e eu não
poderia ter avançado para a sua escuta integral com maior dose de entusiasmo e
motivação. Promovido pelo imparável selo discográfico californiano Ripple
Music sob a forma física de CD e vinil, ‘All is Lost’
presenteia o ouvinte com um refrescante, mélico, edénico e afagante Psych
Rock que tanto se aquieta, suaviza e eteriza num admirável, idílico e
apaixonante Folk de fascinante narrativa campesina, como se metamorfoseia,
engrandece e obscurece num pantanoso, vagaroso, narcotizante e sonolento (no
sentido elogioso da palavra) Heavy Psych à boa moda de Dead Meadow.
A sua sonoridade de beleza sublimada, apurada e consumada – que se espreguiça
do carismático território revivalista ao mais contemporâneo – remete o ouvinte
para um deslumbrante universo visual onde tímidos raios solares pincelam de luz,
desvendando cuidadosa e paulatinamente todos os contornos da bucólica e nebulosa
madrugada que climatiza uma orvalhada paisagem outonal, tingida e envelhecida a
sépia. Embriagados de uma maviosa e caramelizada melancolia que nos massaja todos
os membros e sentidos, somos forçados a ceder perante a dominante gravidade
exercida por ‘All is Lost’ que nos envolve, enfeitiça e sepulta nas
vertiginosas profundezas de uma quimérica ambiência onírica. De pálpebras tombadas,
cabeça baloiçante e corpo dormente, somos hipnotizados, mumificados e embalados
numa prazerosa letargia tricotada por duas encantadoras guitarras de afectuosos,
anestésicos, delicados e harmoniosos acordes dedilhados e condimentados a pura e
estarrecedora formosura, que indiscreta e progressivamente se avolumam e
sombreiam em poderosos riffs de onde florescem e se envaidecem uivantes,
ácidos e intoxicantes solos, uma cativante bateria que evolui de uma leve e
intimista percussão de natureza tribalista e ritualista para desenfreadas e
desembaraçadas galopadas incendiadas a empolgamento, um murmurante baixo de reverberação
conduzida a linhas pulsantes, flexíveis, magnéticas e dançantes, e capitaneada
por uma tonificante e aliciante voz feminina de tez charmosa, melódica, aveludada
e fibrosa que se hasteia, glorifica e pavoneia com destacada lubricidade. De louvar
ainda o fantástico artwork – superiormente ilustrado pelo facilmente
identificável e de talento inesgotável Adam Burke – que confere toda uma emblemática misticidade visual a este irresistível ‘All is Lost’. Tanto dele esperava e tudo ele me trouxe. Este álbum de estreia de Dead
Feathers representa o alcançar de um imaculado estádio de espantosa maturação
que desculpa todos estes anos remetidos ao silencioso jejum discográfico. ‘All
is Lost’ é um álbum deveras arrebatador que nos corteja do primeiro ao
derradeiro tema. São 48 minutos completamente absorvidos por uma desarmante e purificante melosidade que nos enleva sem qualquer timidez. Um registo atestado de uma refinada inspiração que me impactara e conquistara
de forma muito singular. Estamos mesmo na presença de um dos mais aprumados
discos nascidos em 2019. Banhem-se neste balsâmico néctar sonoro e vivenciem com
toda a entrega e devoção um dos álbuns (por mim) mais aguardados dos últimos
anos.
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quinta-feira, 22 de agosto de 2019
quarta-feira, 21 de agosto de 2019
Review: ⚡ The Black Wizards - 'Reflections' (2019) ⚡
Os The Black Wizards
habituaram todos os seus crescentes apreciadores a testemunharem por cada novo registo
lançado um passo em frente no caminho da maturação enquanto banda, mas este
terceiro e novo álbum não representa um passo evolutivo – quando comparado com
o seu antecessor – mas um verdadeiro salto olímpico na escala qualitativa que o
firmara não só como o trabalho mais completo da banda minhota até à data, mas como
um dos melhores álbuns que ouvi neste já farto ano de 2019. Depois de ‘Lake
of Fire’ de 2015 (review aqui), ‘What the Fuzz!’
de 2017 (review aqui), este talentoso quarteto prepara-se agora
para apresentar ‘Reflections’ – mantendo o seu já habitual
intervalo temporal de dois anos a balizar cada álbum – que tem o seu nascimento
oficial agendado para a próxima sexta-feira (23 de Agosto) pela mão da já
influente editora portuguesa Raging Planet (em formato de CD) e pelo fértil
selo germânico Kozmik Artifactz (em formato de vinil, repartido em variadas
edições ultra-limitadas a poucas dezenas de cópias físicas existentes). Ainda
assim, foi-me dada a irrecusável oportunidade de experienciar na íntegra e com
antecedência este seu novo álbum, e o que se segue é o mais fiel reflexo
vertido do universo emocional para o domínio textual de tudo o que o mesmo em
mim provocara e despertara.
De raízes soterradas num atraente,
perfumado, poeirento e excitante Heavy Blues – à boa moda de All Them
Witches mas com um vincado cunho pessoal – que conjuga na perfeição a sua carismática essência rudimentar trazida dos velhos campos de algodão lavrados na região delta do Mississippi, com um electrizante paladar a modernidade, a complexa e apaixonante sonoridade de ‘Reflections’ passeia-se por entre incandescentes, dinâmicas, vulcânicas e comoventes galopadas brilhantemente
esporeadas e inflamadas a efeito fuzz, e estarrecedoras baladas sublimemente
dedilhadas a um suavizante, ataráxico e inebriante Folk de inspiração Western
que prontamente nos remete para a xamânica solitude num anoitecer desértico
onde só os uivantes coiotes preenchem o purificante silêncio. De olhar
semicerrado, sorriso paralisado, cabeça e tronco bamboleantes e alma
completamente tomada por uma imperturbável sensação de pura fascinação, somos
incessantemente instigados por duas guitarras inspiradas que se entrelaçam em prazerosos,
místicos, arábicos e ostentosos riffs, e desenlaçam em borbulhantes,
ácidos e delirantes solos, um sombreado baixo balanceado a linhas sussurrantes,
fluídas e serpenteantes, uma inventiva bateria de toque polido, esmerado, cintilante
e cuidado nos pratos, e talentosas, tribalistas e desembaraçadas acrobacias a
trote da tarola e dos timbalões, e uma adorável voz de tonalidade melodiosa, cristalina,
ecoante e voluptuosa que – afagada e aureolada por um vocal coro celestial – se
balanceia entre plácidos, aveludados e reconfortantes momentos regados a desarmante
requinte e outros atiçados a uma megafónica, anárquica e amotinada irreverência. É-me ainda essencial
arremessar elogiosos sentimentos para com o colorido, berrante, vibrante e
exótico artwork de créditos facilmente reconhecidos e apontados à peculiar
ilustradora Jbwizard. Num movimento pendular que me desloca de uma doce e
sagrada paralisia até uma saturada e ardente euforia, chego ao final deste
irretocável ‘Reflections’ de lucidez entorpecida, esgotada e distorcida.
Um alucinante vórtice espelhado a texturas caleidoscópicas pelo qual escorregamos
sem vontade dele regressar. Com este álbum de beleza consumada e meteórica projecção, os The Black
Wizards alcançam uma invejável – mas inteiramente meritória – posição de
grande destaque no que ao panorama português da música Rock diz
respeito. Um registo que resvala nas tão ambicionadas fronteiras da perfeição e
que em mim hospedara todo um intenso e ofuscante deslumbramento impossível de
contrariar.
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terça-feira, 20 de agosto de 2019
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 3 ⚡️
Depois de um primeiro dia
chuvoso e ventoso, e um segundo pardacento, mas com vistosas melhorias, para o
terceiro e derradeiro dia do SonicBlast estavam apontadas risonhas
previsões climatéricas e a manhã tratara bem cedo de as converter em
inabaláveis certezas. O Sol estava de regresso a Moledo, a brisa
esmorecia e aquecia, e a abertura do palco da piscina estava também assegurada.
Não haveria melhor forma de finalizar esta 9ª edição do festival. Calendarizado
em território veraneio, o SonicBlast é um festival pensado para decorrer
debaixo de Sol e abraçado pelo calor, e este seu último dia garantira
finalmente todas essas condições.
Mexicanos em alta rotação e uma piscina em borbulhante ebulição.
Depois de um imprevisto que
me fizera deslocar até à cidade de Viana do Castelo – tendo por lá almoçado –
foi já com o power-trio berlinense Maggot Heart em palco que
acorrera ao recinto da piscina. Tempo para combater o crescente calor – que se
expressava com vivacidade – de cervejas empunhadas e cabeças esvoaçadas à
boleia do irreverente, intenso e ardente Post-Punk destes germânicos.
Mas a piscina não demorava a conhecer o seu ponto alto do dia com a subida a
palco do duo mexicano Cardiel. Por mim elogiados em 2017, aquando do
lançamento do seu exótico EP ‘Aloha From Fuzz’ (review aqui),
esta era(-me) uma das bandas mais imperdíveis do festival. Munidos de uma
sonoridade camaleónica e de paladar tropical, que se distende de um vertiginoso
Punk Rock com indiscretas aproximações a um revoltoso Hardcore,
passando pelos negros, densos e lamacentos domínios do Sludge de
roupagem Doom’esca, e desaguando num acalorado, dançante, festivo e
inesperado Reggae de sensual condução Funky. E se todo este
sortido de géneros pode na teoria parecer indigesto, a verdade é que a ousada
receita musical sugerida pelos Cardiel resultara numa piscina lotada,
conquistada e em plena ebulição. Na plateia vivia-se um clima de saturada
euforia que contagiara não só os corpos secos que se tumultuavam em prazerosas
convulsões, como os tantos molhados que no interior da piscina faziam da mesma
um autêntico caldeirão em borbulhante exaltação. Uma performance
verdadeiramente irrepreensível que tomara de assalto todo um auditório pasmado
e enfeitiçado pela epidémica energia transpirada do palco. De coração
entusiasmado e corpo salpicado pelo muito participado mosh pit aquático,
dirigia-me agora na direcção do campismo para renovadas tertúlias condimentadas
a cerveja.
A frescura californiana, o (in)tenso negrume
e a consagração da Alma.
Finalizando o tridente de
referências repescadas a San Diego, o fascinante colectivo Sacri
Monti – em parceria com os seus conterrâneos Earthless e Petyr
– trazia a Moledo todo o seu majestoso, embriagante e esplendoroso Prog
Rock tingido a revivalismo e ainda com uma forte influência de um primoroso,
ensolarado e copioso Heavy Psych superiormente executado à boa moda
californiana. Depois de em 2016 terem apresentado ao vivo o seu tão aguardado álbum
de estreia (review aqui), este quinteto norte-americano
regressava agora à Praia de Moledo com o recém-lançado segundo trabalho
de longa duração (review aqui) e tudo em mim me empurrava na
direcção do recinto principal para repetir a catártica experiência que representa
vivenciar Sacri Monti em palco. De olhares cravados na já vasta plateia
que se ia posicionando e consolidando à sua frente, sorrisos tímidos no rosto e
instrumentos empunhados, os Sacri Monti iniciavam a sua maravilhosa
performance para um público entusiasta. Com todos os temas da sua ainda curta
discografia bem reconhecidos e presentes em mim, ia acompanhando e sussurrando no
meu universo imaginário não só os Riffs elegantes, tóxicos e delirantes
como os incessantes, torrenciais, siderais e alucinantes solos – muitas vezes
apanhados em contramão – desprendidos por duas guitarras endeusadas que se
entrelaçavam em empolgados diálogos com um adorável órgão de envolventes e
eloquentes bailados de atmosfera sonhadora, um vigoroso e ostentoso baixo de
linhas flutuantes, fibróticas e magnetizantes, uma entusiástica bateria de desembaraçadas
e talentosas acrobacias John Bonham’eanas, e ainda uma carismática
voz que balanceia entre a textura delicada e melodiosa e a encrespada e
revoltosa. Ninguém mostrava a mais pequena indiferença perante todas as sublimes
composições de beleza arquitectónica que os Sacri Monti conduziam a requintada
e inspirada excentricidade. No final e depois de um demorado aplauso aos
californianos, encaminhei-me na direcção do merchandising para trazer debaixo
do braço aquele que seria a última cópia física em CD do seu último ‘Waiting
Room for the Magic Hour’ ali presente para venda.
O negro manto da noite começava a arrastar-se e a afirmar-se pelo dia adentro, e a luminosidade em palco de tonalidade púrpura não enganava nenhum dos ali presentes: os tão aguardados Windhand estavam aí. Naturais da histórica cidade de Richmond (capital do estado norte-americano da Virgínia) os Windhand são hoje uma das mais consagradas referências da música Doom contemporânea, e depois de terem cancelado a sua presença numa das edições passadas do SonicBlast Moledo, recolhiam hoje a si uma das maiores fatias da expectativa trazida pelos festivaleiros que atestavam a presente edição. Pressentia-se que deles viria uma das mais inolvidáveis performances do festival e assim se materializou. Debaixo de um crescente coro de aplausos ruidosos e gritos motivantes, os Windhand iniciavam o seu emblemático ritual de adoração pagã, levando com eles toda uma extensa plateia de alma sedada e olhar petrificado pelos eclipsados, enigmáticos, sorumbáticos e misantrópicos territórios do Psych Doom. Uma monolítica avalanche de denso negrume varria o público, soterrando-o numa mélica, nebulosa, poderosa e psicotrópica melancolia impossível de contrariar. De alma enlutada, sentidos desmaiados e corpo lentamente balanceado, respondíamos de forma instintiva à pesada, vigorosa, dominante e delongada reverberação ocultista destilada e exorcizada da cerimonial sonoridade de Windhand. E foi nas asas de uma profana guitarra de Riffs encorpados, tensos, densos e amaldiçoados, e solos delirantes, gélidos, ácidos e penetrantes, um baixo massivo de linhas monstruosas, torneadas, violentas e rumorosas, uma bateria galopante de ritmicidade trovejante, explosiva, altiva e rutilante, e ainda uma voz espectral, translúcida, cristalina e melódica – a contrastar com o veemente negrume instrumental – que de olhar cerrado e semblante tombado sobre o peito nos deixámos envolver e embevecer neste brumoso, sombrio e tumultuoso oceano da mais pura lisergia e misantropia. Não foi fácil despertar de toda esta luciférica liturgia e contrariar o espesso torpor que nos corria pelas veias. Windhand foram verdadeiramente titânicos em palco e a ressaca dos mesmos ameaça em mim subsistir até que a futura memória se esqueça de os recordar. Era tempo de silenciar os rugidos estomacais na zona de restauração, relaxar os cansados músculos das pernas e regressar a tempo de comungar todo o misticismo de OM.
Esta era a terceira vez que experienciaria o sagrado rito deste trio superiormente liderado pelo profético druida Al Cisneros, mas o meu coração comportava-se como se da primeira tratasse. Assim que reconhecidos em palco, o imenso auditório explodira num colossal bramido a uma só voz entusiasmada e arremessada na direcção destes três monges fielmente devotos ao lado mais religioso do Mantra Doom. Imediatamente convertidos em seus fiéis discípulos, assim que os primeiros acordes foram dedilhados e exorcizados do carismático baixo Rickenbacker, e por nós todos pressentidos e reconhecidos, embalámos numa demorada e consagrada peregrinação pelos incomensuráveis desertos da nossa espiritualidade. De olhar eclipsado e alma canonizada, as nossas cabeças contorciam-se até onde a extensão de cada nota alcançava. Estávamos todos integralmente absorvidos pela santificada missa rezada pelos OM e o palco principal representava agora um verdadeiro altar ao qual todas as mais elogiosas venerações eram arremessadas. Numa harmoniosa digressão pelos derradeiros álbuns que adornam esta prestigiada banda norte-americana, os OM emanciparam em Moledo todas as suas divinas ressonâncias com base num rumoroso, expressivo e portentoso baixo de linhas ungidas a coesão, fluidez e robustez, uma bateria circense de extravagantes, habilidosas e incessantes acrobacias, um intrigante sintetizador criador de uma atmosfera climatizada a devoção, e uma voz messiânica que lidera com apaixonante e hipnotizante lirismo toda esta sacra romaria destinada ao tão almejado e imaculado transe religioso. Vivia-se um ofuscante e universal estádio de profundo bem-estar que nos desencorajava a tentação de abrir as pálpebras e despertar de todo aquele sonho acordado. Foi demasiado fácil deixarmo-nos glorificar e canalizar pela terapêutica infusão de OM e desaguar num perfeito oásis mental que nos banhara e extasiara do primeiro ao último tema. OM foi toda uma endeusada imersão à qual ninguém se recusou comungar. No final – quando todos os instrumentos se calaram e perpetuaram no silêncio – estávamos todos órfãos daquela mística reverberação que nos desobstruíra todos os caminhos de encontro ao Paraíso. Não foi fácil aceitar que a eucaristia havia terminado, mas reinava em cada um de nós a completa e irrefutável sensação de que havíamos testemunhado algo de verdadeiramente purificador. Corações ao alto, o nosso coração esteve em OM.
O negro manto da noite começava a arrastar-se e a afirmar-se pelo dia adentro, e a luminosidade em palco de tonalidade púrpura não enganava nenhum dos ali presentes: os tão aguardados Windhand estavam aí. Naturais da histórica cidade de Richmond (capital do estado norte-americano da Virgínia) os Windhand são hoje uma das mais consagradas referências da música Doom contemporânea, e depois de terem cancelado a sua presença numa das edições passadas do SonicBlast Moledo, recolhiam hoje a si uma das maiores fatias da expectativa trazida pelos festivaleiros que atestavam a presente edição. Pressentia-se que deles viria uma das mais inolvidáveis performances do festival e assim se materializou. Debaixo de um crescente coro de aplausos ruidosos e gritos motivantes, os Windhand iniciavam o seu emblemático ritual de adoração pagã, levando com eles toda uma extensa plateia de alma sedada e olhar petrificado pelos eclipsados, enigmáticos, sorumbáticos e misantrópicos territórios do Psych Doom. Uma monolítica avalanche de denso negrume varria o público, soterrando-o numa mélica, nebulosa, poderosa e psicotrópica melancolia impossível de contrariar. De alma enlutada, sentidos desmaiados e corpo lentamente balanceado, respondíamos de forma instintiva à pesada, vigorosa, dominante e delongada reverberação ocultista destilada e exorcizada da cerimonial sonoridade de Windhand. E foi nas asas de uma profana guitarra de Riffs encorpados, tensos, densos e amaldiçoados, e solos delirantes, gélidos, ácidos e penetrantes, um baixo massivo de linhas monstruosas, torneadas, violentas e rumorosas, uma bateria galopante de ritmicidade trovejante, explosiva, altiva e rutilante, e ainda uma voz espectral, translúcida, cristalina e melódica – a contrastar com o veemente negrume instrumental – que de olhar cerrado e semblante tombado sobre o peito nos deixámos envolver e embevecer neste brumoso, sombrio e tumultuoso oceano da mais pura lisergia e misantropia. Não foi fácil despertar de toda esta luciférica liturgia e contrariar o espesso torpor que nos corria pelas veias. Windhand foram verdadeiramente titânicos em palco e a ressaca dos mesmos ameaça em mim subsistir até que a futura memória se esqueça de os recordar. Era tempo de silenciar os rugidos estomacais na zona de restauração, relaxar os cansados músculos das pernas e regressar a tempo de comungar todo o misticismo de OM.
Esta era a terceira vez que experienciaria o sagrado rito deste trio superiormente liderado pelo profético druida Al Cisneros, mas o meu coração comportava-se como se da primeira tratasse. Assim que reconhecidos em palco, o imenso auditório explodira num colossal bramido a uma só voz entusiasmada e arremessada na direcção destes três monges fielmente devotos ao lado mais religioso do Mantra Doom. Imediatamente convertidos em seus fiéis discípulos, assim que os primeiros acordes foram dedilhados e exorcizados do carismático baixo Rickenbacker, e por nós todos pressentidos e reconhecidos, embalámos numa demorada e consagrada peregrinação pelos incomensuráveis desertos da nossa espiritualidade. De olhar eclipsado e alma canonizada, as nossas cabeças contorciam-se até onde a extensão de cada nota alcançava. Estávamos todos integralmente absorvidos pela santificada missa rezada pelos OM e o palco principal representava agora um verdadeiro altar ao qual todas as mais elogiosas venerações eram arremessadas. Numa harmoniosa digressão pelos derradeiros álbuns que adornam esta prestigiada banda norte-americana, os OM emanciparam em Moledo todas as suas divinas ressonâncias com base num rumoroso, expressivo e portentoso baixo de linhas ungidas a coesão, fluidez e robustez, uma bateria circense de extravagantes, habilidosas e incessantes acrobacias, um intrigante sintetizador criador de uma atmosfera climatizada a devoção, e uma voz messiânica que lidera com apaixonante e hipnotizante lirismo toda esta sacra romaria destinada ao tão almejado e imaculado transe religioso. Vivia-se um ofuscante e universal estádio de profundo bem-estar que nos desencorajava a tentação de abrir as pálpebras e despertar de todo aquele sonho acordado. Foi demasiado fácil deixarmo-nos glorificar e canalizar pela terapêutica infusão de OM e desaguar num perfeito oásis mental que nos banhara e extasiara do primeiro ao último tema. OM foi toda uma endeusada imersão à qual ninguém se recusou comungar. No final – quando todos os instrumentos se calaram e perpetuaram no silêncio – estávamos todos órfãos daquela mística reverberação que nos desobstruíra todos os caminhos de encontro ao Paraíso. Não foi fácil aceitar que a eucaristia havia terminado, mas reinava em cada um de nós a completa e irrefutável sensação de que havíamos testemunhado algo de verdadeiramente purificador. Corações ao alto, o nosso coração esteve em OM.
sábado, 17 de agosto de 2019
sexta-feira, 16 de agosto de 2019
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 2 ⚡️
Depois de uma noite de sono
intranquilo – diversas vezes importunado pelas profusas tertúlias incessantemente
conduzidas pelos mais variados idiomas – as minhas pálpebras recolhiam aos
primeiros raios solares da manhã. Num movimento brusco e decidido –
contrariando o ócio de quem ainda se esperneia na cama – desafoguei a cabeça
sonolenta do interior da tenda e de narinas bem dilatadas inalei os frescos e
vivificantes ares bafejados pelo oceano. O segundo dia de SonicBlast
trazia a tão ansiada esperança de que pudesse decorrer num cenário climatérico
contrastando (para melhor, é claro) com aquele que marcara uma vincada presença
no dia anterior. Os incisivos ruídos dos fechos zíper das tendas iam
golpeando a plácida atmosfera matinal que governava no campismo, e as geleiras
eram arrastadas para o exterior. Avizinhavam-se os já habituais planos de
revitalização na preparação física e mental para o segundo dia de festival: um
demorado passeio pelo paredão à beira-mar e um relaxado almoço pelas principais
artérias de Moledo.
Da Califórnia à velha Pérsia em Skate
E foi já ao crescente som do
colectivo português O Bom, o Mau e o Azevedo que iniciámos a caminhada
de aproximação ao recinto do festival. Munida de um envolvente, despreocupado, aromatizado e
eloquente Surf Rock de adorável e afável ambiência Western
fora do coldre, a fresca, campesina e agradável sonoridade deste peculiar
quarteto de origem lusitana tem o dom de no nosso imaginário erigir e dirigir toda
uma imersiva narrativa cinematográfica, que nos coloca a trote pausado de um cavalo cansado pelo
arenoso solo de um infindável deserto bronzeado pelo intenso e ofuscante Sol
poente que se debruça e esbate no inalcançável horizonte. Uma musicalidade deveras
inspiradora, arrebatadora e visual – a fazer recordar os californianos Spindrift – à
qual nem o Quentin Tarantino ficaria indiferente. Lamentei profundamente
ter chegado ao recinto já quando estes quatro cowboys abandonavam o saloon
– deixando no seu interior um forte odor a pólvora, whiskey vertido e incontáveis corpos caídos de armas empunhadas – e se
perdiam no chamejante horizonte desértico. Seguia-se o volumoso, enérgico e
tumultuoso Skate Punk dos bracarenses Mr. Mojo que motivava nova
reaproximação da plateia até à frente do palco principal. E foi à instigante boleia
de duas guitarras erosivas, um baixo possante, uma bateria galopante e uma voz
gutural que os primeiros headbanging’s do dia ganhavam um aparatoso
protagonismo. Uma empolgante performance exemplarmente orientada a uma só
velocidade que atestara de adrenalina todos aqueles aos quais a poderosa ressonância
de Mr. Mojo alcançava. Um aplauso motivador a esta jovem banda portuguesa
que se adjectivara como o aperitivo perfeito para o que aí vinha: Petyr.
É justo começar por admitir que este quarteto californiano – sediado na
carismática cidade de San Diego e superiormente liderado pelo Riley Hawk (filho do
lendário pro-skater Tony Hawk) – recolhia para ele mesmo o estatuto
de banda que eu mais ansiava experienciar não só naquele segundo dia, mas no
conjunto dos três dias de SonicBlast. De influências apontadas aos
míticos Black Sabbath e aos norte-americanos Witch, os jovens Petyr
escudam-se num euforizante, tóxico, nebuloso e alucinante Heavy Psych
com indiscretas aproximações a um titânico, obscuro, luciférico e messiânico Proto-Doom
de tração setentista. Depois de em 2017 ter reverenciado o seu homónimo álbum
de estreia (review aqui), premiando-o mesmo com o título de melhor
registo lançado nesse mesmo ano (listagem aqui), e de no passado ano de
2018 ter replicado toda esta minha fascinação ao seu segundo trabalho de longa
duração ‘Smolyk’ (review aqui), era com o coração
taquicardíaco e membros convulsionados pela ansiedade que me firmava em frente
ao palco de olhar incendiado em entusiasmo. E o que se seguiu foi uma selvática
cavalgada esporeada por duas guitarras que se consolidavam na ascensão de intrigantes,
portentosos, rumorosos e inflamantes Riffs arábicos e dialogavam em trepidantes,
desvairados, excitados e atordoantes solos, um pulsante e possante baixo de
linhas sombreadas e carregadas a um hipnótico misticismo, uma bateria explosiva,
acrobática e altiva de ritmicidade imprópria para cardíacos, e uma voz ácida, ecoante,
penetrante e diabrina que emergia das abissais profundezas desta psicotrópica
absorção. Petyr ao vivo foi um implosivo petardo que brotara em cada um
de nós. Uma constante e sónica vertigem à qual tudo em mim obedecia. De
destacar ainda a inspirada reinterpretação de “Satori III” – originária
dos nipónicos Flower Travellin' Band (‘Satori’, 1971) que – aos meus
ouvidos – supera a original. Ao irrepreensível som de Petyr – num admirável
equilíbrio entre a pujança, a agilidade e o virtuosismo – foi-me demasiado
fácil imaginar Black Sabbath sobrevoarem os crepusculares céus da velha
Pérsia e por ela se deixarem influenciar. No final do concerto encontrava-me de
corpo cambaleante, visão embaciada, alma integralmente pasmada e expectativa
largamente saciada. Depois de todo aquele violento e exuberante exorcismo
sensorial que me fizera rasgar as vestes da lucidez, era tempo de regressar ao
campismo e procurar no conforto da tenda – bem como no fundo da geleira – toda a
estabilidade que Petyr me subtraíra e tardava em devolver.
Esquizofrenia, doce Paralisia e a pesada Volumetria
E como nem só de música é
feito o SonicBlast, a minha consciência despiu o seu traje arbitrário e
permitiu – sem sequentes juízos lesivos – que preenchesse as próximas horas com
entretidas e fraternas conversas entre novos e velhos amigos. Caras conhecidas
de almas aparentadas cruzavam-se comigo e a circunstância imposta pelo acaso
obrigava à enriquecedora troca de palavras e afectos. E não fosse a minha
imutável vontade de experienciar ao vivo pela segunda vez os finlandeses Kaleidobolt,
ainda agora lá estaria completamente sorvido nas estimulantes e movimentadas conversações.
O meu passo apressado locomovia-me na direcção do recinto principal à mesma
velocidade que os instrumentos deste dinâmico power-trio eram
executados. Depois de ter desconstruído e devidamente reverenciado os seus três
álbuns (‘Kaleidobolt’, ‘The Zenith Cracks’ e o seu
recentíssimo ‘Bitter’) e de no outono de 2017 os ter ouvido ao
vivo pela primeira vez na abertura para o concerto do tridente californiano Radio Moscow (review
aqui) estava novamente entusiasmado por testemunhar este mirabolante
embate entre um poderoso, furioso, enérgico e vigoroso Hard Rock de
influência clássica e um empolgante, oleado, rebuscado e magnetizante Heavy
Prog de essência setentista. E assim aconteceu. Iguais a si próprios,
os Kaleidobolt avançaram para uma performance verdadeiramente irrepreensível
onde a maestria foi executada a uma ferocidade estonteante e a uma agilidade
vertiginosa. A sua sonoridade intensamente extravagante – saturada de inesperadas
alternâncias rítmicas – é balanceada entre pacíficos momentos condimentados a
uma luxuriosa orientação jazzística que nos convidam a desmaiar as
pálpebras e a levitar a espiritualidade, e outros momentos atestados de pura e
desenfreada adrenalina que nos agridem, revolvem e centrifugam a alma. Contando
ainda com a inlusão da prontamente reconhecida e apaladada cover de “21st
Century Schizoid Man” (pertencente aos clássicos King Crimson,
1969) os Kaleidobolt despediram-se de Moledo de instrumentos ao
alto e debaixo de uma calorosa, ruidosa e merecida ovação. Repetentes no SonicBlast,
os polacos Belzebong subiam a um palco que bem conhecem com o seu
fumarento, pestilento, psicotrópico e luciférico Doom Metal embrumado e
enlameado por uma carregada sonoridade de tonalidade pantanosa, nebulosa, morfínica
e tenebrosa que provoca no ouvinte efeitos em tudo semelhantes aos do Tetraidrocanabinol
(mais comumente catalogado de THC). De semblantes pálidos, olhares
distanciados e troncos balanceados, a plateia respondia como podia perante toda
aquela tensa e monolítica reverberação transpirada do palco. Depois da impressionante
e inesgotável galopada promovida pelos enérgicos Kaleidobolt, os Belzebong
anestesiaram-nos e arrastaram-nos consigo para o lado eclipsado do empolgamento.
Submersos numa intensa e permanente narcose que nos climatizara e inebriara do
primeiro ao derradeiro tema, não foi nada fácil aceitar que o concerto havia já
terminado, seguindo-se uma demorada reactivação da lucidez sensorial. Tempo
para uma descontraída incursão até à zona de restauração e de regresso ao
recinto agendado para os históricos Orange Goblin. Capitaneada pelo impetuoso
colosso Ben Ward, esta incontornável banda londrina é desde há muito uma
das mais consagradas referências dentro do universo Stoner europeu, e o
concerto que se seguiu fez – uma vez mais – jus a esse título que merecidamente
ostenta. Foi com base no seu potente, expressivo e vibrante Stoner Metal
de vigorosa e estrondosa dimensão que o SonicBlast se transformara numa autêntica
arena onde populosos, ciclónicos e tumultuosos Mosh Pit’s borbulhavam dentro
daquele vulcânico caldeirão humano, enquanto que o Crowd Surf também era
uma válida manifestação na instintiva exteriorização do que é vivenciar todo o fulgor
de um concerto de Orange Goblin. De punhos cerrados e cervejas ao alto,
o eloquente vocalista Ben Ward acicatava todo um público afogueado pela exaltação.
Do palco eram libertados motorizados Riffs de fácil digestão e veneração,
e fora dele o ambiente era de um selvático frenesim. A par do que acontecera em
2017 aquando da sua estreia em Moledo (review aqui), o
quarteto inglês mostrou-se irredutível na arte de entusiasmar toda uma plateia
sedenta de algo assim. Com o apoteótico final de Orange Goblin, o meu
segundo dia de festival estava também findado.
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
terça-feira, 13 de agosto de 2019
⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 1 ⚡️
Apesar das fortes previsões
de vento e chuva destinadas à freguesia de Moledo, raiava em mim todo um crescente e esplendoroso entusiasmo coligado com a inabalável convicção de que se avizinhava mais uma
inolvidável edição do festival SonicBlast Moledo. No final da manhã de
quinta-feira – de mochila atestada até ao limite das suas costuras, mala do
carro totalmente guarnecida, olhar cravado no firmamento em que o asfalto se
desdobrava até onde as pupilas perdem vivacidade, e num compenetrado processo
de auto-aceitação em relação à inevitabilidade de perder Jesus the Snake
– regressava a Moledo, renovando a sagrada peregrinação que desde há
muito se repete sem qualquer interrupção. Findados os cerca de 230 quilómetros
que separam a minha residência da meca ibérica do psicadelismo, debaixo
de um céu esperançoso onde tímidos raios solares tocavam ao de leve e aqueciam o negro alcatrão,
os meus receios climatéricos ganhavam uma monolítica volumetria na chegada à então pardacenta aldeia minhota. Sobrevoado e intensamente vigiado por uma opaca e
sisuda nebulosidade com credíveis promessas de fortes aguaceiros, o primeiro dia de SonicBlast
estava irremediavelmente fadado a decorrer numa atmosfera outonal em pleno mês
de Agosto. Depois de instalada a tenda num pequeno e pacato campismo privativo
próximo do recinto do festival, onde já muitos campistas se haviam antecipado e colhida a pulseira de acesso ao mesmo,
abatera-se uma repentina e incessante chuva diluviana que apanhara todos de
surpresa. Num misto de comodidade e empolgamento, e desconforto e prostração, a
crescente mancha de festivaleiros que se aglomerava à entrada do recinto principal
(onde por culpa da tempestade e pela primeira vez na história do festival
decorreriam todas as actuações do dia) ia dando sinais de uma evolutiva adaptação perante
aquele cenário adverso.
Com o céu embaciado e o solo molhado, o Verão abrigou-se no palco.
Foi já com as suecas MaidaVale
em palco – entregues à imerecida tarefa de rivalizar com a chuva e vento pela
conquista do protagonismo – que avancei até ao interior do recinto principal. Apreciador
confesso do seu magnífico álbum de estreia ‘Tales Of The Wicked West’
lançado em 2016 (review aqui) mas sem os mesmos sentimentos de
fascinação pelo seu sucessor, este quarteto de total dominação feminina e sediado
na cidade de Estocolmo era(-me) uma das principais atracções da tarde.
Com uma plateia ainda muito descompactada e descaracterizada, MaidaVale
não deixou de acalorar e perfumar os húmidos ares de Moledo com seu dançante, entusiástico,
bem-disposto e contagiante Psychedelic Rock de curvaturas serpenteantes e
essência revolucionária, motivando a aproximação ao palco dos mais audazes festivaleiros
a quem a chuva não parecia importunar. Uma performance de curta duração –
castrada pelo vigor da intempérie – mas que nos enfeitiçara e persuadira com o
seu místico manto primaveril. Seguiam-se os nipónicos Minami Deutsch com
o seu hipnotizante, meditativo e deslumbrante Krautrock que forçaram
todos os presentes a uma ligeira e entretida hipnose de cabeça pendulante e olhar
envidraçado sem permissão para pestanejar. Uma actuação que – a par da anterior
– ficara a perder não só pela pouca durabilidade da mesma, mas essencialmente
pelo défice de absorção que a sonoridade do colectivo japonês assim exige e lhe fora
ofuscada pela marcada presença do mau tempo.
Se não consegues derrotar o mau tempo, junta-te a ele.
Com o suave e indiscreto
decréscimo da luminosidade a celebrar a passagem crepuscular do dia para a noite, subiam a palco aqueles
que acabaram por perpetuar e coroar mesmo a sua exibição como uma das mais
singulares desta 9ª edição do SonicBlast: os noruegueses The Devil
and the Almighty Blues. A chuva parecia finalmente esmorecer e dar tréguas
perante os tantos impropérios a ela arremessadas pelos incontáveis
festivaleiros que lotavam a presente edição do festival. As nuvens de
tonalidade escurecida e feições ameaçadoras coligavam-se entre si, formando uma gigantesca, vaporizada e
fantasmagórica avalanche de nebulosidade que escorregava lentamente pelas proeminentes
montanhas circundantes para envolverem o palco principal. Amortalhados por essa
ambiência outonal, os The Devil and the Almighty Blues – munidos do seu
muito aclamado novo álbum ‘TRE’ (review aqui) –
arrancavam para uma performance verdadeiramente catártica. Fundamentados num majestoso,
obscuro, enigmático e cavernoso Heavy Blues de clara descendência Black
Sabbath’ica, estes vikings da era moderna hastearam em Moledo
todo um admirável repertório – revisitando todos os três cantos da sua
discografia – onde os seus característicos riffs oxigenados, entalhados
e conduzidos a uma enegrecida, desarmante e engrandecida nobreza, e em parceria
com os vocais melodiosos, roucos e liderantes forçavam todos os corpos
presentes a vergarem-se perante a sua vistosa soberania. Provavelmente o meu
concerto favorito do dia. Seguia-se a ocultista liturgia de Lucifer, mas
era hora de dar uso a um dos outros sentidos: o paladar. Deixando a intrigante
musicalidade desta banda multinacional (fundada em Berlim e
posteriormente transladada para Estocolmo) para segundo plano, avancei
de glândulas salivares em crescente actividade para a zona de restauração. A
chuva e o vento regressavam com impetuosidade, e a tensa e portentosa
reverberação Doom’esca dos escandinavos Monolord
teve de ser vivenciada num local afastado, abrigado e situado num ponto
sobranceiro e de visão privilegiada sobre todo o recinto principal, onde
dezenas de outros festivaleiros se refugiavam e reconfortavam. Iguais a si
próprios, os repetentes Monolord (no que a aparições em Moledo diz
respeito) desprenderam as suas pujantes, carregadas e colossais ressonâncias na
direcção da numerosa plateia que corajosamente subsistia em frente ao palco. Peso,
densidade e vigor representam a santa trindade que coroa a impactante
sonoridade deste possante trio sueco, e mesmo eu estando a uma considerável distância do
epicentro, termino o concerto integralmente embebido num intenso torpor.
Depois da tempestade, veio a bonança.
Earthless
motivava uma nova reaproximação dos muitos festivaleiros até então abrigados da
chuva, e eu não fui excepção. Presentes no line-up do SonicBlast
pelo segundo ano consecutivo, era de esperar que subissem a palco com uma setlist
alternativa à demonstrada na passada edição de 2018 (review ao concerto aqui)
mas os príncipes californianos acabaram por desdobrar uma exibição demasiado aparentada à
já ostentada aquando da sua estreia em Moledo. De suspeitas parcialmente
defraudadas, mas de espírito revigorado com o cessar da chuva, deixei-me
embalar à boleia da agitada ondulação corporal que as sónicas jam’s de Earthless
provocavam no populoso e revoltoso auditório. Numa eloquente performance
balanceada entre o ‘From the Ages’ (2013) e o seu mais recente álbum
‘Black Heaven’ (lançado em 2018 e elogiado aqui), este
influente tridente de San Diego presenteara todos aqueles festivaleiros
de coração palpitante e olhar chamejante com o seu excitante, portentoso e alucinante Heavy Psych
de onde se desenraíza e desabrocha todo um vendaval de solos ziguezagueantes, ciclónicos,
caóticos e atordoantes – de extensão e toxicidade a perder de vista – empolados
por uma habilidosa, frenética, estética e tumultuosa bateria de inesgotável
fôlego, e sombreados por um baixo hipnótico, fibrótico e diligente que assegura
que nenhum de nós se esquece de sussurrar as notas do Riff-base. De Earthless destilámos
uma imaculada, irrepreensível e renovada lição de sinergia, virtuosismo e
energia conjugados quase de forma erótica. Mas como a Escandinávia era
detentora da maior dose de protagonismo deste primeiro dia de festival, os tão
ansiados Graveyard perfilavam-se em palco de instrumentos empunhados e
sorrisos atirados na direcção de um público verdadeiramente extasiado. E foi embrulhados
no seu requintado, deleitoso, libidinoso e perfumado Heavy Blues de arranjos desarmantes e indiscretas feições revivalistas que nos deixámos dissolver, enfeitiçar e
enternecer na cuidada e sublimada musicalidade deste reverenciado quarteto sueco. De olhar
petrificado e semi-cerrado, cabeça pausadamente balanceada de ombro a ombro,
sorriso imortalizado no rosto, e alma ensolarada e mitigada pela melosidade
deste néctar via auditiva, fomos massajados e canonizados pela edénica e
embriagante suavidade dos acordes que sobrevoam os floridos territórios de Graveyard.
Um verdadeiro oásis sensorial onde todos nós nos banhámos e tonificámos depois
de um dia exaustivo. Assim que os instrumentos foram relegados ao silêncio,
deixei-me por fim derrotar às mãos do cansaço e verti todos os derradeiros resquícios de
lucidez num profundo universo onírico. O primeiro dia estava (para mim) esgotado e o segundo encerrava um renovado entusiasmo.segunda-feira, 12 de agosto de 2019
Review: ⚡ Warp - 'Warp' (2019) ⚡
Formada por integrantes de
outras bandas Punk locais, Warp afirma-se como mais um valor seguro por
entre a profusa e emergente cena underground hasteada em Tel Aviv.
Morada de referências como Ouzo Bazooka, Turkish Delight, Heavy
Stone, J A V A e The Great Machine, a populosa cidade
israelita continua a cimentar e consagrar a sua posição dentro do panorama Rock universal,
e o recém-formado tridente Warp são prova disso mesmo. Nascido em solo
invernal e promovido sob a forma física de CD pela mão da conceituada editora
discográfica local Reality Rehab Records (numa edição ultra-limitada a
apenas 100 cópias disponíveis) e ainda em vinil através do carismático selo
germânico Nasoni Records (numa prensagem limitada a 300 cópias
existentes), este impactante álbum de estreia (e que estreia!) vem assombrado e
incendiado por um poderoso, obscuro, denso e nebuloso Heavy Psych de intrigantes
e aterradoras feições Doom’escas, locomovido e esporeado a
duas velocidades muito contrastadas e com ousadas mas bem resultadas
aproximações a um ostentoso, vigoroso, luciférico e cavernoso Heavy Blues
de aroma setentista. Contando ainda com uma (in)discreta influência do irreverente
Punk Rock na sua engrenagem rítmica, a ácida, implacável, intensa e
entusiástica fogosidade de ‘Warp’ balanceia-se por desenfreadas,
alucinantes e destravadas galopadas à rédea solta, e lentas, lisérgicas e lamacentas
exalações de elevada toxicidade. São cerca de 29 minutos completamente
saturados de uma vulcânica e selvática efervescência que nos sacode e implode sem
qualquer moderação. De maxilares cerrados, coração taquicardíaco, respiração
ofegante e cabeça rodopiante somos enfeitiçados e amaldiçoados pelas enigmáticas
danças Black Sabbath’icas manifestadas por uma tirânica e
monolítica guitarra de extravagantes, sombrios, perversos e hipnotizantes riffs
tomados e agastados pelo urticante efeito Fuzz e de onde são desprendidos, florescidos
e soberbamente conduzidos majestosos, ziguezagueantes, penetrantes e vertiginosos
solos, uma excitante, enérgica e atordoante bateria executada e desembaraçada a
alta rotação, um baixo pulsante, volumoso e pujante de bafagem (in)tensa,
fibrótica e magnetizante, e ainda uma gélida, ecoante, diabrina e azedada voz que
completa na perfeição todo este arrojado ritual de vocação e adoração
ocultista. É de alma integralmente vencida e curvada à sombra deste monstruoso
e dominante ‘Warp’ que me encontro logo após a sua audição. Deixem-se
envolver e afoguear pela febril ferocidade de Warp, e vivenciar com pleno
fascínio e redenção toda a durabilidade de um dos álbuns mais provocantes e empolgantes
lançados neste abastado ano musical de 2019. Um registo praticamente esboçado e
talhado à minha imagem, e que estará certa e firmemente empenhado por entre o
pelotão final nas últimas etapas do ataque ao tão almejado título de disco do
ano.
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