De olhar embriagado,
respiração congestionada, semblante boquiaberto e espírito intensamente petrificado.
É nesta condição deixada pela ressaca que se seguira à digestão do novo
trabalho de Cheval Sombre – nome artístico do poeta e compositor
nova-iorquino Chris Porpora – que me encontro. Oficialmente lançado no final do
passado mês de Fevereiro pela mão da companhia discográfica britânica Sonic
Cathedral nos formatos físicos de CD e vinil (ambos, sem surpresa, já esgotados),
este quimérico e inspirador ‘Time Waits for No One’ vem orvalhado, esbatido e
aromatizado por um onírico, etéreo e morfínico Psychedelic Folk de formosura
pastoral e catártica candura sessentista que nos desmaia as pálpebras,
afaga a alma e massaja o cerebelo. A sua sonoridade enfeitiçante, ataráxica e
deslumbrante mergulha o ouvinte num profundo estado zen que o climatiza,
reconforta e eteriza do primeiro ao derradeiro tema. Leve e gentilmente sussurrado
por nove arejadas, angelicais e fluídas baladas de composições originais, e ainda uma embrumada,
doce e aveludada versão cover de “No Place to Fall” (tema originário do carismático músico norte-americano Townes Van Zandt) este nirvânico sonho acordado tem a capacidade de nos
embaciar a lucidez e prostrar num febril estádio de embriaguez. A sua
sonoridade fluída, frágil e relaxada – pincelada a pálida e imaculada luminescência
– movimenta-se aérea e vagarosamente em compassos envolventes, repetitivos e
minimalistas de padrões alucinógenos, meditativos e utopistas. Reféns de um
mélico torpor que nos paralisa os membros e alcooliza os sentidos, somos cortejados
e deslumbrados por uma profética voz de tez ecoante, espectral e magnetizante,
uma guitarra trovadora de apetitosos, enternecedores e sedosos acordes graciosa e cuidadosamente dedilhados a irretocável beatitude, e ainda mágicos teclados que – com o seu
imersivo e criativo experimentalismo de idioma alienígena – revestem os céus de
‘Time Waits for No One’ com um macio e nimboso manto cósmico. Este é um
álbum verdadeiramente arrebatador. Um registo sereno e transcendente, detentor
de uma edénica toxicidade que nos desmaia e recosta nos braços da ataraxia. Bronzeiem-se e canonizem-se na sagrada resplandecência tenuemente bafejada por um Sol bocejante, debruçado nas montanhas que recortam o inatingível firmamento de um sempiterno crepúsculo de Verão, e testemunhem toda
a mística e ritualística essência de um mavioso, idílico e lustroso álbum lavrado e emoldurado a caprichosa
ternura. Vai ser demasiado fácil reencontrar esta consumada obra de Cheval
Sombre perfilada entre a listagem dos melhores trabalhos florescidos em 2021.
Links:
➥ Facebook
➥ Bandcamp
➥ Sonic Cathedral
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