segunda-feira, 27 de março de 2023

Digger Barnes - "What Will We Do" (2014)

Review: 🪐 Acid King - 'Beyond Vision' (2023) 🪐

★★★★

Do alto dos seus trinta anos de existência – onde esta histórica banda de São Francisco, Califórnia desovara seis álbuns e cimentara uma invejável reputação – os titânicos Acid King acabam de lançar o seu muitíssimo ansiado 7º trabalho de longa duração, gravado pelo afamado produtor Billy Anderson (responsável pela produção de vultosas bandas como Sleep, The Melvins, High on Fire, Neurosis, e Orange Goblin), intitulado ‘Beyond Vision’ e promovido pela mão do selo americano Blues Funeral Recordings nos formatos LP, CD e digital. Relegando para segundo plano o fumarento, fogoso, acrimonioso e bolorento Stoner Doom que governara a sós estas três décadas de Acid King, o remodelado quarteto californiano aventura-se agora – pela primeira vez e, devo antecipar, de forma triunfante – na enigmática negrura cósmica de um enfeitiçante, místico, ritualístico e embriagante Psychedelic Doom que nos dilata as pupilas e as narinas, empalidece o semblante, tomba o queixo e catapulta para os insondáveis territórios do espaço alienígena. Banhada por uma pretura sufocante e magicada por um experimentalismo intoxicante, a hipnótica, xamânica e intrigante sonoridade de ‘Beyond Vision’ enterra a alma sedada do ouvinte numa profunda narcose e fá-la peregrinar – sonâmbula – pelos embrumados e incensados trilhos serpenteados por um fumegante, bailante e sagrado turíbulo. Encarvoados e ofuscados pela intensa pretura de Acid King, somos farolizados e canalizados para os domínios meditativos da nossa espiritualidade. Uma admirável liturgia astral, de odor oriental, que nos seduz e prontamente converte em seus fiéis discípulos. Toda uma evasão consciencial à medula do espaço sideral, driblando o abraço gravitacional de colossais astros moribundos e naufragando pela sempiterna vacuidade cósmica. Deixem-se engolir pela pantanosa toxicidade de uma guitarra druídica que se agiganta em monolíticos, morfínicos, sísmicos e poderosos riffs locomovidos em slow-motion e de onde são vertidos cortantes, ácidos, cintilantes e atordoantes solos de corpos reptilianos, pela obscura ressonância bafejada por um impiedoso baixo de linhas volumosas, densas, tensas e polposas, pela explosiva impetuosidade de uma bateria tribal, vergastada a batidas vigorosas, altivas, incisivas e estrepitosas, pela luzência bruxuleante de uma voz messiânica, melódica e ecoante, e ainda pela sónica alquimia exorcizada de teclados e sintetizadores. A magnífica ilustração, onde os nossos olhos se perdem e embalam na vertigem, aponta os seus créditos autorais ao inconfundível artista neerlandês Maarten Donders, que traduzira com espantosa exactidão para o campo visual tudo aquilo que a música de ‘Beyond Vision’ edifica no imaginário do ouvinte. Este é um álbum verdadeiramente demolidor que nos encarcera num febril estádio de alucinógeno torpor. Uma obra sublimemente catártica e transformadora que não deixará ninguém indiferente. Que regresso!

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 Blues Funeral Recordings

quarta-feira, 22 de março de 2023

🎁 Soft Machine - 'Bundles' (22/03/1975)

☕️ Lee Hazlewood - 'Requiem for an Almost Lady' (1971)

Review: 🌋 Mike Vhiles - 'Mystic Dream Sequence' (2023) 🌋

★★★★

Da cidade portuguesa de Coimbra chega-nos o eruptivo e disruptivo álbum de estreia do electrizante power-trio Mike Vhiles, intitulado ‘Mystic Dream Sequence’, exteriorizado sob os formatos de CD e digital, e carimbado com o selo da editora discográfica bracarense Gig.Rocks. Consequência de um apimentado, intenso e pornográfico flirt entre um transpirado, fogoso, destravado e tumultuoso Garage Rock e um delirante, sónico, cósmico e intoxicante Heavy Psych, este primeiro passo discográfico (que, na verdade, se trata de um salto olímpico) da jovem banda conimbricense (no que ao lançamento de registos de longa duração diz respeito) vomita um bíblico dilúvio de lava polposa e incandescente, e tosse toda uma chuva torrencial de faúlhas fumarentas e chamejantes. Combinando o insurgente lado Punk-Rock de Nirvana, a demente descarga psicotrópica de Lecherous Gaze e a libidinosa ardência dos californianos Fuzz, a cáustica, vulcânica e excitante sonoridade de ‘Mystic Dream Sequence’ mergulha e dilui o ouvinte numa efervescente, suja e febril acidez. Uma mastodôntica, selvática e impiedosa avalanche de endorfinas que nos morde os calcanhares do primeiro ao derradeiro tema. Banhem-se na escaldante euforia detonada por uma guitarra endemoninhada – consumida pela urticante, abrasiva e crocante distorção – que se agiganta em convulsivos, ciclónicos e resinosos riffs, e ziguezagueia em solos avinagrados, fantasmagóricos e vertiginosos, um baixo monolítico de bafo denso, tenso e sombreado, uma bateria inflamada de baquetas incisivas, convulsivas e relampejantes, e ainda vocais insanos, perversos e guturais que casam na perfeição com todo o estonteante rebuliço instrumental. Num plano secundário, surgem ainda os devaneios alienígenas de sintetizadores embriagados que condimentam e colorizam este intenso caos superiormente domesticado. São 44 minutos viajados a alta rotação. Mike Vhiles é pura adrenalina. Uma alucinante, acrobática e galopante montanha-russa imprópria para cardíacos. Deixem-se envolver, revolver e incinerar nas lavaredas infernais de ‘Mystic Dream Sequence’ e vivenciem com imoderado entusiasmo um dos mais sérios candidatos a melhor álbum português do ano.

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 Gig.Rocks

sexta-feira, 17 de março de 2023

Hawkwind - "Silver Machine" (1972)

Review: 🐍 Red Cloud - 'Red Cloud' (2023) 🐍

★★★★

De França chega-nos a flamejante, provocante e apimentada irreverência do quinteto parisiense Red Cloud com o seu impactante álbum de estreia. De designação homónima e lançado através dos formatos LP, CD e digital com o carimbo autoral (os formatos físicos podem ser adquiridos aqui), ‘Red Cloud’ vem entrançado e zebrado por um arenoso, oleado, torneado e libidinoso Heavy Blues de idoso e meloso aroma a whiskey e um inebriante, sumptuoso, charmoso e vibrante Classic Rock de intensa radiância setentista. De escape fumarento, rotações no máximo, motor ronronante e faróis apontados a carismáticas referências como Led Zeppelin, Deep Purple, Cactus e Rory Gallagher, estes franceses arrancam a alta velocidade pelas poeirentas artérias do deserto debaixo de uma ofuscante chuva de purpurina. A sua sonoridade apaixonante, fogosa, lustrosa e altamente contagiante força o ouvinte a cravar os dentes nos lábios, rebaixar as pálpebras, menear a cabeça, saltitar os ombros, estalar as pontas dos dedos e bater o pé ao absorvente ritmo deste brilhante, festivo e empolgante cabaret. De pele reluzente e transpirada, olhar sedutor e embriagado e corpos serpenteantes, embarcamos na irresistível tentação de Red Cloud à afrodisíaca boleia de uma guitarra felina que se bamboleia em estonteantes, sinuosos, majestosos e estimulantes riffs e incendeia em solos escorregadios, trepidantes, alucinantes e luzidios, um baixo hipnotizante de bafo quente, denso, tenso e pululante, uma bateria entusiástica a trote de uma ritmicidade galopante, animada, desinibida e cativante, um enfeitiçante órgão de mugidos e rodopios intrigantes, polposos, empolados e aparatosos, e uma voz harmoniosa, vistosa e caramelizada – tanto rouquenha como aveludada – que agarra firmemente as rédeas desta buliçosa cavalgada pelos crepusculares firmamentos do deserto. São 45 minutos de chamejante sedução e irresistível perversão que nos encandeiam e esporeiam sem qualquer moderação. Um dos mais formosos, libertinos e voluptuosos álbuns do ano está aqui, na retumbante, imaculada e triunfante estreia de Red Cloud. Deixem os vossos corações correr selvática e livremente ao glamoroso, redentor e aventuroso sabor desta jovem, mas muitíssimo promissora banda francesa, pois como disse o hollywoodesco Humphrey Bogart no intemporal clássico do Cinema “Casablanca” (Michael Curtiz, 1942): «Teremos sempre Paris!».

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segunda-feira, 13 de março de 2023

🦅 Julie Newmar, 1969

🌞 Tame Impala - 'InnerSpeaker' (Live From Wave House)

🤠 Mount Carmel - 'Real Women' (2012)

🌲 REZN @ Audiotree (2020)

Review: 💫 REZN - 'Solace' (2023) 💫

★★★★

É ainda à deriva na eterna vacuidade cósmica, de sentidos embaciados e sem conseguir vislumbrar o caminho de regresso a casa, que escrevo estas apaixonadas palavras na atordoante ressaca em mim deixada pelo impactante novo álbum do quarteto norte-americano – fixado na cidade de Chicago, IllinoisREZN. Batizado pelos astros de ‘Solace’ e lançado no passado dia 8 de Março sob a forma de LP, CD e digital, este novo capítulo da admirável jornada celestial que esta banda americana principiara em 2017 desancorou a minha consciência da gravidade terrestre e içou-a para os mais profundos, recônditos e insondáveis territórios do universo. Consequência de um renhido e enleante jogo de forças travado entre um enfeitiçante, inflamante e umbroso Psychedelic Doom de imersiva e ciclónica toxicidade que nos infesta, afogueia e inquieta, e um onírico, absorvente e morfínico Shoegaze de reconfortante e açucarada melancolia que nos embruma, abraça e inebria, ‘Solace’ é uma inspiradora obra de efeito consolador que não deixará ninguém indiferente. Vagueando e equilibrando-se numa ténue linha que separa a abrasiva euforia da gélida letargia, a mística, nocturna e camaleónica sonoridade de REZN perpetua no nosso olhar petrificado toda uma imutável expressão sonhadora, massaja o nosso espírito integralmente deslumbrado por experienciar algo assim, e nos catapulta para a intimidade estelar onde naufragamos do primeiro ao derradeiro tema que compõe toda esta maravilhosa odisseia. Detentor de uma desarmante beleza cinematográfica, ‘Solace’ é oxigenado por uma messiânica guitarra de obsessivos, magnetizantes, asfixiantes e reflexivos riffs lentamente consumidos pela cáustica distorção, um baixo modorrento de imponente, fibrosa, sombreada e poderosa reverberação, uma bateria explosiva de batida altiva, relampejante, retumbante e incisiva, uns vocais etéreos de pele melodiosa, ecoante, suavizante e espectral, exóticos teclados de mugidos alienígenas, uma mística flauta de sopros orientais, e ainda um saxofone soturno que nos transporta para uma intrigante atmosfera film-noir de coração desalentado e olhar impaciente, posto – através de uma envidraçada janela onde escorrem lágrimas chuvosas – numa quieta rua engolida pela negrura da noite. A vistosa pintura que confere rosto a este tocante registo de REZN aponta os seus créditos de autor ao talentoso e inconfundível ilustrador norte-americano AdamBurke / Nightjar Illustration. São 40 minutos de fogo e água, tempestade e bonança, exaltação e sedação, céu e inferno. Um álbum verdadeiramente transformador pelo qual vagueamos, sonâmbulos e destemidos, sempre receptivos a tudo o que ele nos possa dizer e oferecer. Não vai ser nada fácil ou sequer desejado regressar de ‘Solace’. Percam-se e encontrem-se no diluviano e ofuscante misticismo de um álbum de dimensão mastodôntica com vista panorâmica para as estrelas.

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segunda-feira, 6 de março de 2023

Axe Music - "Another Sunset, Another Dawn" (1970)

Review: 🐎 Westing - 'Future' (2023) 🐎

★★★★

Florescidos das cinzas de Slow Season, os californianos rebatizados de Westing (curiosamente o nome dado ao último álbum do quarteto enquanto Slow Season) e com a sua formação renovada (a mesma conta agora com o influente contributo de Ben McLeod, guitarrista dos carismáticos All Them Witches) acabam de apresentar o seu primeiro álbum intitulado ‘Future’ e carimbado pelo insuspeito selo da editora discográfica, sua conterrânea, RidingEasy Records nos formatos LP, CD e digital. De texanas empoeiradas, esporas prateadas, coldre desapertado e chapéu de aba larga a sombrear o brilho de um olhar determinado, estes quatro cowboys de instrumentos empunhados trilham as arenosas artérias de um arejado deserto – onde se debruça sobre as montanhas que recortam o inalcançável horizonte um Sol dourado de bafo morno, aureolado por um imenso céu inundado de um azul diamantino – a trote de um radioso, ritmado, apimentado e fogoso Blues Rock de contagiante balanço boogie e aristocrático sotaque Led Zeppelin’esco. A sua sonoridade de pele bronzeada, suada, de aragem límpida e borrifada por uma doce fragância vintage, meneia-se envaidecida e graciosamente pelos nove temas rústicos, de fácil digestão e pronta sedução, que ajardinam o granuloso solo deste agradável disco, incitando o ouvinte a comungá-la de olhar selado e sonhador, sorriso talhado no rosto e corpo serpenteante. Encandeados e inebriados pela intensa e prismática luzência que norteia toda a extensão de ‘Future’, desembaraçamo-nos com dificuldade e a passo combalido das baloiçantes portas do Saloon e pulamos de pernas arqueadas para as costas de um cavalo, vagueando sem destino pelas idílicas planícies de clima primaveril que se distendem até onde a vista pode alcançar. Na composição deste apaixonante Western soberbamente musicado estão duas guitarras lascivas que se embrulham numa enleante dança de onde esvoaçam dançantes, oleados, bem-humorados e enfeitiçantes Riffs e ziguezagueiam estonteantes, virtuosos, odorosos e deslumbrantes solos, um baixo gingão de reverberação gelatinosa, flexível, encaracolada e umbrosa, uma bateria deliciosamente groovy que se move num galope desembaraçado, magnetizante, animado e excitante, e ainda uma voz felina, ensolarada, encerada e jovial que confere toda uma elegância extra a esta desarmante obra de inegável beleza. São 40 minutos de uma relaxada cavalgada pelas alaranjadas, quentes e acetinadas areias de um deserto que se estende pela infinidade fora. Um verdejante oásis de brisas refrescantes e águas marulhantes onde nos é permito sonhar acordados. Aventurem-se e desventurem-se pelos edénicos territórios de Westing, e experienciem com inquebrável devoção e imoderada comoção um dos álbuns mais reconfortantes deste inverno.

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 RidingEasy Records

🎁 David Gilmour // Pink Floyd (06/03/1946)

☘️ Taste @ Isle of Wight Festival (1970)

✝️ RIP Gary Rossington // Lynyrd Skynyrd (1951 🦅 2023)

sexta-feira, 3 de março de 2023

The Maytals - "Pressure Drop" (1970)

Review: 🥃 Child - 'Soul Murder' (2023) 🥃

★★★★

Depois de lançados e imoderadamente reverenciados os álbuns ‘Child’ de 2014 (review aqui) e ‘Blueside’ de 2016 (review aqui) – bem como o EP ‘I’ lançado em 2018 (review aqui) – o apaixonante tridente australiano Child acaba de descortinar o seu muitíssimo ansiado terceiro trabalho de longa duração, intitulado ‘Soul Murder’ e lançado por agora sob a exclusiva forma digital com o respectivo carimbo autoral, surpreendendo até o mais fiel dos seus seguidores pelo repentismo do anúncio. Replicando a fórmula musical que os caracteriza desde as suas raízes e que tantos e suculentos frutos tem dado, ‘Soul Murder’ serpenteia-se envaidecidamente pelas rústicas e poeirentas estradas de um libidinoso, inflamante, picante e oleoso Heavy Blues de forte hálito a whiskey e toxicidade a perder de vista. Honrando os velhos deuses do primitivo Delta Blues lamuriado nas margens do rio Mississippi, a odorosa, dourada e charmosa sonoridade de Child – que tanto se obscurece, robustece e enruga como se embevece, empalidece e amacia – obriga os seus ouvintes a cravarem os dentes nos lábios (numa indiscreta expressão de incontido deleite), rebaixarem as pálpebras sobre um olhar sonhador, suspirarem lenta e profundamente e menearem a cabeça num imutável ricochete de ombro a ombro. Desenrolado a duas velocidades, este extasiante, sedutor e inebriante terceiro álbum da banda sediada na cidade costeira de Melbourne tanto arranca em desenfreadas galopadas de esporas ensanguentadas como se aquieta em deslumbrantes baladas de sentimentos transbordantes. Percam-se e encontrem-se por entre os serpenteios de uma guitarra electrificante – fervida numa arenosa e efervescente distorção – que se avoluma na majestosa edificação de atordoantes, afrodisíacos e intoxicantes Riffs e se multiplica na virtuosa condução de hipnóticos, ziguezagueantes e exóticos solos, o pesado e quente bafo de um baixo fibroso que escolta e sombreia todas as incursões da guitarra, a fogosa rutilância de uma bateria vergastada a incisiva, explosiva e expressiva ritmicidade, e a liderante voz de pele hidratada, melodiosa, veludosa e caramelizada que nos seduz e conduz pelas lampejantes e aventurosas avenidas de Child. Este é um álbum verdadeiramente provocante, sexy e intoxicante, encerado a desarmante requinte, que me ofuscara e sublimara do primeiro ao derradeiro tema. Uma obra do tamanho da fascinação que nutro pela banda que a criara. Dissolvam-se nesta ardente bebida alcoólica, destilada de cereais, envelhecida em barris de carvalho e designada ‘Soul Murder’, que vos embaciará a lucidez, desinibirá todos os temores, sobreaquecerá os motores e remexerá a alma sedenta por experienciar algo assim.

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