quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Todas as estradas vão dar a Almeria: A viagem [capítulo 1]

Já a obscuridade da noite governava os céus quando nos fizemos à estrada em direcção a Almeria. Esta viagem assinalava a tão aguardada realização de um poeirento sonho datado dos remotos tempos em que fomos colegas de curso. Não só a nossa inabalável admiração pelo Spaghetti Western norteou este sonho conjunto, como também o nosso grande fascínio dedicado ao deserto foi um elemento de grande peso nesta jornada de uma vida. Eu e o Bruno saímos de Viseu de olhar incendiado pelo entusiasmo que os nossos corações eclodiam rumo a uma viagem de mais de 12 horas ao longo de um corpo de alcatrão negro com mais de mil quilómetros de tamanho. Com timidez, os faróis do carro foram irrompendo noite adentro enquanto o nosso olhar se espreguiçava sobre o alcatrão iluminado. A primeira paragem teve lugar já em Espanha no município fronteiriço de Fuentes de Oñoro. Tempo para alongar as pernas e beber um café forte que servisse de prevenção ao sono que se aproximava. Ainda em Fuentes de Oñoro fomos abordados por agentes da guarda de fronteira que espreitaram a mala do carro e nos aconselharam as melhores estradas para chegar a Almeria, advertindo, ainda, de forma humorística que Almeria era mesmo o mais longínquo destino em solo espanhol a partir daquele ponto onde nos encontrávamos. Sorrimos amarguradamente e acelerámos rumo à nossa próxima paragem, Madrid. Chegámos às entranhas industriais Madrilenas de pálpebras semicerradas e sentidos embevecidos pela inércia da fadiga. Já conduzíamos ininterruptamente há cerca de 5 horas e o cansaço era gradual. O trânsito intensificara-se nas imediações da capital Espanhola quando o dia já batalhava a noite e as estradas começavam a ganhar vida e luz. Esse acréscimo da azáfama obrigou-nos a uma redobrada atenção ao que nos circundava. O número considerável de bifurcações no horizonte fez com que a intuição fosse a nossa bússola. O sol começava a debruçar-se sobre as montanhas e a colorir os céus. E foi nessa ambiência que decidimos encostar o carro numa estação de serviço ainda nos subúrbios de Madrid. O sol ampliava-se e limpava todo um céu ainda coberto de estrelas. Estávamos sensivelmente a meio da rota e isso redobrava a nossa inspiração e determinação em seguir viagem. Havíamos pautado previamente a nossa jornada com algumas paragens e a próxima seria em Granada. A menos que o nosso cansaço amordaçasse a nossa lucidez, essa seria a próxima e última paragem antes de chegarmos a Almeria. E assim foi. Escoamos pelas artérias espanholas entre Madrid e Granada sempre vigiados por um sol abrasador que suspirava prolongados bafos quentes enquanto todo um paralelismo harmonioso nos glorificava. Nunca fora tão revitalizante bocejar. O vento entrava no carro e difundia-se por entre os acordes de Calexico deixando-nos estarrecidos e de olhar petrificado no horizonte. Já nada faria demover a nossa atenção do asfalto. Viajávamos de olhos calejados pela intensa resistência ao sono. Granada. Saímos do carro numa estação de serviço e por ali ficámos até que a última gota de cerveja caísse da lata directamente para as nossas gargantas. Era tempo de voltarmos à estrada para a derradeira etapa. E é aqui, entre Granada e Almeria que o paraíso existe e subsiste. Foi num ápice que deixámos as infinitas planícies repletas de geradores eólicos e começámos a subir as ingremes e sublimes montanhas do Parque Nacional de Sierra Nevada. Depois de alguns quilómetros por estrada de montanha onde dezenas de camiões ofegavam, começámos a descer rumo ao local mais seco da Europa, o deserto de Tabernas. E a paisagem árida que se ia intensificando mostrava isso mesmo. Foi com inenarrável entusiasmo que entrámos finalmente no deserto. Os nossos olhos prendiam-se a tudo à excepção da estrada. Eu estava totalmente maravilhado com toda a excelência que brotava daquele deserto. Disse a mim mesmo que a minha vida pertencia ali. Cerrei os olhos e inspirei a maior quantidade possível de oxigénio prendendo-o o maior tempo possível no peito. E só quando as pálpebras se soltaram e aquele paraíso em movimento ganhou nitidez, tive a certeza de que estava mesmo ali.           

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