Já os ponteiros do relógio se
arrastavam para as 22:30 quando chegámos às imediações do clube africano B’leza.
Ainda não se ouvia a gritante guitarra do Bombino, e isso acalmou a nossa urgência
em entrar e ancorar os nossos corpos em frente ao altar tuaregues. Tempo ainda
para beber mais uma cerveja relaxada no balcão e, de seguida, romper plateia
adentro (enquanto Bombino ainda apoiava a guitarra acústica no seu ombro).
Bombino brindou os presentes com uma pequena sessão acústica que serviu de introdução
ao que verdadeiramente se avizinhava. A longa vidraça do clube dava acesso às
calmas águas do rio Tejo, ao resplandecente Cristo Rei enraizado na margem sul
e à imponente ponte 25 de abril. Cá dentro, Bombino dedilhava suaves e
viajantes brisas que perfumam as areias do deserto africano. Mas não demorou em
empunhar a guitarra eléctrica e dar inicio ao que seria uma jam verdadeiramente
encantadora que contagiara tudo e todos. Era impossível não dançar. O poder do
riff a isso nos obrigava. Bombino apresenta um desert blues demasiado entusiástico
para que consigamos deter os movimentos, quase que instintivos, do nosso corpo.
E dançar é a reacção mais espontânea. Toda a banda batia energicamente o pé no
soalho do palco. O baterista, de Tagelmust
(véu índigo) abraçado ao rosto, aumentava as palpitações cardíacas da ambiência
sonora. O baixista, sempre sorridente para com o público, teve uma performance
monstruosa nas asas de um baixo que só conhecia ritmos altamente viajantes. O
guitarrista rítmico, que se ocupava da sombra de Bombino, disferia convictos golpes
em contra tempo nas cordas da sua guitarra. E todos estes ingredientes em
comunhão resultaram num Bombino repleto de espasmos emocionais e de uma plateia
em perfeito delírio. A guitarra de Bombino liderava toda aquela verdadeira
orgia musical. Entre infinitos gemidos, os seus solos gritantes extasiavam toda
a plateia. Todos sorriam de olhos fechados, enquanto baloiçavam as cabeças.
Todo aquele momento fazia jus ao nome do clube que acolhera esta poeirenta
banda da região de Agadez. Foi um momento épico, ao qual nem alguns amigos da
banda resistiram em subir ao placo e fazer tudo o que aquela sonoridade os obrigara a fazer. O público sorria entre si. Naquele momento, nenhum de nós
desejaria estar em algum outro local do universo. Bombino é chamado de Jimi
Hendrix do deserto e, não só esse nome lhe assenta (muito) bem, como até o prorrogaria
a “Jimi Hendrix do deserto e da cidade”. Todos nós ficamos mais ricos depois da
inesquecível noite de 27 de Outubro.
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