domingo, 20 de março de 2016

Lula Pena @ Espaço Miguel Torga (Sabrosa, Vila Real)

É justo começar por admitir que assistir a um concerto de Lula Pena era uma das mais sérias e idosas pretensões da minha vida. ‘Troubadour’ – o seu segundo e último álbum lançado em 2010 – foi o elemento motivacional que procriou todo este meu crescente anseio de poder vivenciá-la ao vivo. E foi na passada tarde do dia 19 de Março e na pequena freguesia de São Martinho de Anta (concelho de Sabrosa, Vila Real) que este meu desejo conheceu finalmente a sua concretização. Foi inserido no programa “Novas Canções da Montanha” (programa que promete estimular a visita ao Espaço Miguel Torga) que este inesquecível concerto desta artista nascida em Portugal e educada pelo Mundo teve lugar. Perante uma audiência numerosa e de sublimes expectativas aureoladas, esta feiticeira (no sentido elogioso da palavra) – que tão bem conjuga o Fado e o Folk numa mistura tão sua – subiu ao intimista palco de guitarra acústica empunhada e sorriso talhado no rosto. O que se seguiu foi uma intensa e prazerosa hipnose só despertada pelos prolongados aplausos no final do concerto. Lula Pena, na fascinante companhia da sua guitarra acústica, adornou e conquistou toda uma plateia de olhar semicerrado e cabeça imortalizada num movimento pendular de ombro a ombro. A melosidade e delicadeza dos seus acordes tinham em nós um efeito profundamente anestésico, enquanto que a sua voz encorpada e sedosa nos mantinha minimamente conscientes de que vivenciávamos mesmo um perfeito sonho acordado. E assim foi ao longo de 90 minutos. Lula Pena passeava-se pelo braço da sua guitarra, desprendendo acordes de inenarrável beleza que nos entorpeciam e seduziam. Toda uma doce ataraxia exalada pela dança dos seus dedos acima das seis cordas que nos hipnotizava do principio ao fim. As letras cantadas nos diversos idiomas que Lula Pena domina eram naturalmente reconhecidos pelo nosso coração e conduziam-nos pelas contemplativas profundezas da alma, enquanto que a sua harmonia vocal instaurava em nós o mais puro e redentor êxtase. Nada conseguia acordar toda aquela doce comoção de euforia amordaçada que nos apaziguava sem qualquer travão. O paraíso estava ali e todos nós ancorados a ele. No final, depois de ouvido e comungado o último suspiro da voz de Lula e da sua deslumbrante guitarra, até o silêncio estava impregnado pelo embriagante perfume da sua musicalidade. Com a despedida de Lula Pena debaixo de um extensível e efusivo aplauso, todos nós nos sentimos órfãos. A sua sonoridade massajara-nos de uma forma tão apaixonante e eloquente que não foi nada fácil aceitar o silêncio que se seguiu. Este foi um dos grandes concertos da minha vida. Um dos mais envolventes e estimulantes do qual nem o esquecimento se esquecerá de o recordar. Saí do Espaço Miguel Torga com coração atestado de Lula Pena e a renovada ambição de revivê-la ao vivo.

* Fotografia da autoria de Lino Silva

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