segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Review: SonicBlast Moledo 2016 [dia 1]

Agora que as emoções começam a descorar e as palavras a vir à tona da lucidez, é mais fácil traduzir para a escrita tudo o que a mais recente edição do festival SonicBlast Moledo provocara em mim. E antes de me aventurar na descrição do ambiente, é justo começar por dizer que esta fora a edição mais especial deste festival à beira mar plantado, rasgando todas as costuras das sublimes expectativas que lhe havia dedicado antecipadamente. Foi de mochila e tenda ancoradas nos ombros, geleira empunhada, e de coração a tropeçar nas suas batidas galopantes que irrompemos pela floresta dedicada ao campismo. Para trás deixávamos toda uma ciclónica azáfama pelas estradas que nos conduziram a Moledo (natural de quem rivaliza com o relógio), e o carro estacionado a bastantes metros do campismo (muito por culpa das artérias rodoviárias desta pequena freguesia minhota estarem completamente entupidas). Bastou aproximar-me da praia para ter a incontestável certeza de que esta seria a edição com mais afluência da história do festival. Toda uma infinita profusão de carros estacionados de forma desgovernada afunilava-nos (claustrofobicamente) de encontro ao campismo. Por entre todo um populoso jardim de tendas atracadas lá caminhamos pelos trilhos florestais de encontro ao local escolhido para nos estabelecermos. Depois das estacas fundeadas e tenda erigida, começámos a vivenciar uma estranha e inédita sensação de serenidade que nos envolvera e embriagara ao longo dos minutos que se seguiram. A serpenteante brisa que nos acarinhava trazia não só a fragância e frescura marítima, mas também a pesada reverberação musical desprendida do recinto do festival. E isso funcionou como combustível para a nossa determinação em contrariar o descanso que momentaneamente se apoderara de nós, e avançarmos rumo àquela que seria uma das mais inolvidáveis experiências musicais da nossa existência.


Brain Pyramid | 19:15 | Palco Principal
Depois de idolatrado o seu mais recente álbum ‘Magnetosphere’ (review aqui) – considerando-o mesmo um dos melhores discos do passado ano de 2015 – perspectivava um concerto verdadeiramente envolvente e de ressaca duradoura. E assim aconteceu. Os Brain Pyramid brindaram todos os presentes com uma performance eloquente, estreando da melhor forma o palco principal. Este power-trio de origem francesa, mas actualmente sediado em Espanha, arrancou para uma perfeita odisseia estelar à boleia de uma guitarra indomável de solos convulsivos e alucinantes, e riffs inflamantes e vigorosos, apoiados num baixo robusto, serpenteante e pulsante, uma bateria explosiva conduzida de forma dinâmica e emocionante, e ainda uma voz enfurecida que nos atiçava e amotinava. A plateia sacudia-se numa instintiva resposta a toda aquela redentora descarga sonora. O seu Heavy Psych de propensão cósmica fez-nos eclodir numa intensa erupção de encontro ao lado eclipsado da Lua. Foi um concerto verdadeiramente empolgante, enérgico e viajante que nos manteve fora da órbita consciencial do primeiro ao último tema.


                                                         Acid Mess | 20:15 | Palco Principal
A par dos já falados Brain Pyramid, também os espanhóis Acid Mess foram um dos mais elogiados progenitores de 2015 (com a concepção da ode desértica ‘II’ ref/verenciada aqui). Este power-trio natural das Asturias voltou a repetir a qualidade transpirada na edição de 2014 (aqui descrita) e seduziu toda uma plateia ansiosa por vivenciar algo assim. O seu hipnótico, contemplativo e lisérgico Heavy Psych desmoronou a réstia de lucidez que subsistia em nós e obrigou toda a plateia a comungá-los de corpo dançante e olhar semi-cerrado. A sedutora guitarra de riffs estarrecedores e solos lenitivos tinham em nós um efeito tremendamente embriagante que nos empedernecia e tantalizava, enquanto que o baixo serpenteante de respiração possante e ritmada em alegre consonância com a bateria jazzística de soberba orientação rítmica nos mantiam acordados nesta resplandecente e anestésica jornada pelas aveludadas e douradas areias de um deserto que se espreguiça pela infinidade adentro. Acid Mess teve o dom de nos imortalizar num profundo estado ataráxico que nos massajou e narcotizou do primeiro ao último minuto.


Sacri Monti | 22:15 | Palco Principal
É justo começar por dizer que Sacri Monti é uma das bandas da minha vida, e que poder testemunhá-la ao vivo equivaleu à realização de um sonho. Este quinteto trouxe consigo a fascinante e carismática fragância californiana – nas asas de um aliciante e requintado Heavy Psych de mãos dadas a um formoso Prog Rock de natureza setentista – e instaurou em Moledo todo um radioso e deslumbrante paraíso que nos adornou e bronzeou com destacada exuberância do primeiro ao último tema. De olhar ancorado no palco e ouvidos a salivar, a plateia vivenciava um estado de perfeito êxtase. Sacri Monti interpretavam ao vivo os temas que habitam o seu entusiástico disco de estreia (review aqui) e eu permanecia atónico com a fantástica erupção de toda aquela magia em estado musical. As excitantes guitarras entrelaçavam-se entre si numa gritante orgia de onde sobressaíam admiráveis solos de inenarrável beleza, o baixo de reverberação ondulante passeava-se elegantemente pela atmosfera onírica de Sacri Monti, a entusiástica bateria de natureza esquizofrénica agitava-se em mirabolantes acrobacias, o elegante sintetizador de hipnóticas danças condimentava toda esta euforizante caravana, e a voz brumosa e distorcida erigia de toda esta deslumbrante comoção para sobrevoar esta nebulosa e sonhadora ambiência. Os corpos transcendiam-se numa redentora euforia e as mentes detonavam-se num portentoso grito de prazer. Sacri Monti incendiou toda uma plateia entregue a um perfeito estado de ofuscação.


All Them Witches | 23:30 | Palco Principal
Podia ouvir o rufar dos corações e os prolongados suspiros de quem não conseguia habituar-se à ideia de que ia mesmo presenciar All Them Witches ao vivo. Podia ver os imensos sorrisos ébrios e os olhares entorpecidos pela sufocante expectativa de quem sabia que muito em breve o sonho e a realidade colidiriam. O muito público que marcou uma forte e destacada presença no SonicBlast Moledo estava mesmo prestes a vivenciar um dos momentos musicais mais incríveis das suas vidas. Vindos de Nashville (no estado norte-americano do Tennessee) este quarteto carregava o peso da responsabilidade de ser uma das bandas mais desejadas do festival. E os All Them Witches não só corresponderam às mais elogiosas expectativas como nos presentearam um com uma performance verdadeiramente libertadora e encantadora que certamente não deixou ninguém indiferente. Com três álbuns de estúdio (o último dos quais aplaudido aqui) esta banda que tão bem conjuga a melosidade com a rudeza, a ligeireza com a robustez e o frenesim com a quietude tem sofrido um crescimento exponencial de popularidade, e isso motivava toda aquela povoada e compactada plateia em frente ao palco. A sua sonoridade pendula entre um torneado e orgânico Heavy Blues e um requintado e delirante Psych Rock num equilíbrio musical que nos circunda, enternece e seduz. Na plateia as cabeças desprendiam-se na hipnótica e fascinante perseguição à messiânica sonoridade de All Them Witches, e o prazer na sua plenitude estava instaurado em cada um de nós. A plateia sorria entre si de olhos selados, enquanto se agitava em voluptuosas danças. A guitarra uivante esperneava-se em sidéricos, comoventes e admiráveis solos e riffs corrosivos e montanhosos que nos euforizavam de forma desmedida, o denso e retumbante baixo de bailados desassossegados, firmes, possantes e hipnóticos rivalizava com a inquisidora influência da Lua sobre ondulação marítima, a entusiástica bateria de incitantes e emocionantes cavalgadas esporeava toda uma plateia embalsamada num profundo estado de ataraxia, e a mélica e agradável voz liderava com lubricidade toda esta prazerosa comoção. No final foi difícil aceitar que o concerto havia terminado. All Them Witches foi o amor em estado musical.


No final da noite caminhámos de forma combalida e fatigada para o campismo, ainda com o pensamento atrelado a tudo o que havíamos testemunhado naquele primeiro dia de festival. Era impossível contrariar aquele sorriso esculpido nos nossos rostos e embaciar o brilho que ardia de forma veemente no nosso olhar. Já no interior da tenda deixámo-nos conduzir pelo cansaço e adormecemos debaixo de um animado, efusivo e ruidoso coro gritado por muitos dos festivaleiros que prolongavam o ambiente de festividade fora das tendas e pela madrugada adentro.


*Fotografias da autoria de Guilherme Dourart

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