Agora que as emoções começam
a descorar e as palavras a vir à tona da lucidez, é mais fácil traduzir para a
escrita tudo o que a mais recente edição do festival SonicBlast Moledo provocara em mim. E antes de me aventurar na
descrição do ambiente, é justo começar por dizer que esta fora a edição mais
especial deste festival à beira mar plantado, rasgando todas as costuras das
sublimes expectativas que lhe havia dedicado antecipadamente. Foi de mochila e
tenda ancoradas nos ombros, geleira empunhada, e de coração a tropeçar nas suas
batidas galopantes que irrompemos pela floresta dedicada ao campismo. Para trás
deixávamos toda uma ciclónica azáfama pelas estradas que nos conduziram a
Moledo (natural de quem rivaliza com o relógio), e o carro estacionado a bastantes
metros do campismo (muito por culpa das artérias rodoviárias desta pequena
freguesia minhota estarem completamente entupidas). Bastou aproximar-me da
praia para ter a incontestável certeza de que esta seria a edição com mais
afluência da história do festival. Toda uma infinita profusão de carros
estacionados de forma desgovernada afunilava-nos (claustrofobicamente) de
encontro ao campismo. Por entre todo um populoso jardim de tendas atracadas lá
caminhamos pelos trilhos florestais de encontro ao local escolhido para nos
estabelecermos. Depois das estacas fundeadas e tenda erigida, começámos a
vivenciar uma estranha e inédita sensação de serenidade que nos envolvera e embriagara
ao longo dos minutos que se seguiram. A serpenteante brisa que nos acarinhava
trazia não só a fragância e frescura marítima, mas também a pesada reverberação musical
desprendida do recinto do festival. E isso funcionou como combustível para a
nossa determinação em contrariar o descanso que momentaneamente se apoderara de
nós, e avançarmos rumo àquela que seria uma das mais inolvidáveis experiências
musicais da nossa existência.
Brain
Pyramid |
19:15 | Palco Principal
Depois de idolatrado o seu
mais recente álbum ‘Magnetosphere’ (review
aqui) – considerando-o mesmo um dos melhores discos do passado ano de
2015 – perspectivava um concerto verdadeiramente envolvente e de ressaca
duradoura. E assim aconteceu. Os Brain
Pyramid brindaram todos os presentes com uma performance eloquente,
estreando da melhor forma o palco principal. Este power-trio de origem francesa, mas actualmente sediado em Espanha,
arrancou para uma perfeita odisseia estelar à boleia de uma guitarra indomável
de solos convulsivos e alucinantes, e riffs
inflamantes e vigorosos, apoiados num baixo robusto, serpenteante e pulsante, uma
bateria explosiva conduzida de forma dinâmica e emocionante, e ainda uma voz
enfurecida que nos atiçava e amotinava. A plateia sacudia-se numa instintiva
resposta a toda aquela redentora descarga sonora. O seu Heavy Psych de propensão cósmica fez-nos eclodir numa intensa
erupção de encontro ao lado eclipsado da Lua. Foi um concerto verdadeiramente
empolgante, enérgico e viajante que nos manteve fora da órbita consciencial do
primeiro ao último tema.
Acid Mess | 20:15 | Palco Principal
A par dos já falados Brain
Pyramid, também os espanhóis Acid Mess
foram um dos mais elogiados progenitores de 2015 (com a concepção da ode
desértica ‘II’ ref/verenciada aqui). Este power-trio natural das Asturias voltou a repetir a qualidade
transpirada na edição de 2014 (aqui descrita) e seduziu toda uma plateia
ansiosa por vivenciar algo assim. O seu hipnótico, contemplativo e lisérgico Heavy Psych desmoronou a réstia de
lucidez que subsistia em nós e obrigou toda a plateia a comungá-los de corpo
dançante e olhar semi-cerrado. A sedutora guitarra de riffs estarrecedores e solos lenitivos tinham em nós um efeito
tremendamente embriagante que nos empedernecia e tantalizava, enquanto que o
baixo serpenteante de respiração possante e ritmada em alegre consonância com a bateria jazzística de
soberba orientação rítmica nos mantiam acordados nesta resplandecente e anestésica
jornada pelas aveludadas e douradas areias de um deserto que se espreguiça pela
infinidade adentro. Acid Mess teve o
dom de nos imortalizar num profundo estado ataráxico que nos massajou e narcotizou
do primeiro ao último minuto.
Sacri
Monti |
22:15 | Palco Principal
É justo começar por dizer
que Sacri Monti é uma das bandas da
minha vida, e que poder testemunhá-la ao vivo equivaleu à realização de um
sonho. Este quinteto trouxe consigo a fascinante e carismática fragância
californiana – nas asas de um aliciante e requintado Heavy Psych de mãos dadas a um formoso Prog Rock de natureza setentista
– e instaurou em Moledo todo um radioso e deslumbrante paraíso que nos adornou
e bronzeou com destacada exuberância do primeiro ao último tema. De olhar
ancorado no palco e ouvidos a salivar, a plateia vivenciava um estado de
perfeito êxtase. Sacri Monti
interpretavam ao vivo os temas que habitam o seu entusiástico disco de estreia
(review aqui) e eu permanecia
atónico com a fantástica erupção de toda aquela magia em estado musical. As
excitantes guitarras entrelaçavam-se entre si numa gritante orgia de onde
sobressaíam admiráveis solos de inenarrável beleza, o baixo de reverberação
ondulante passeava-se elegantemente pela atmosfera onírica de Sacri Monti, a entusiástica bateria de
natureza esquizofrénica agitava-se em mirabolantes acrobacias, o elegante
sintetizador de hipnóticas danças condimentava toda esta euforizante caravana,
e a voz brumosa e distorcida erigia de toda esta deslumbrante comoção para sobrevoar esta nebulosa e sonhadora ambiência. Os
corpos transcendiam-se numa redentora euforia e as mentes detonavam-se num
portentoso grito de prazer. Sacri Monti
incendiou toda uma plateia entregue a um perfeito estado de ofuscação.
All
Them Witches |
23:30 | Palco Principal
Podia ouvir o rufar dos
corações e os prolongados suspiros de quem não conseguia habituar-se à ideia de que ia mesmo presenciar All Them Witches
ao vivo. Podia ver os imensos sorrisos ébrios e os olhares entorpecidos pela
sufocante expectativa de quem sabia que muito em breve o sonho e a realidade colidiriam. O muito público que marcou uma forte e destacada
presença no SonicBlast Moledo estava
mesmo prestes a vivenciar um dos momentos musicais mais incríveis das suas
vidas. Vindos de Nashville (no estado norte-americano do Tennessee) este
quarteto carregava o peso da responsabilidade de ser uma das bandas mais
desejadas do festival. E os All Them
Witches não só corresponderam às mais elogiosas expectativas como nos
presentearam um com uma performance verdadeiramente libertadora e encantadora
que certamente não deixou ninguém indiferente. Com três álbuns de estúdio (o
último dos quais aplaudido aqui) esta banda que tão bem conjuga a
melosidade com a rudeza, a ligeireza com a robustez e o frenesim com a quietude
tem sofrido um crescimento exponencial de popularidade, e isso motivava toda
aquela povoada e compactada plateia em frente ao palco. A sua sonoridade
pendula entre um torneado e orgânico Heavy
Blues e um requintado e delirante Psych
Rock num equilíbrio musical que nos circunda, enternece e seduz. Na plateia as
cabeças desprendiam-se na hipnótica e fascinante perseguição à messiânica
sonoridade de All Them Witches, e o
prazer na sua plenitude estava instaurado em cada um de nós. A plateia sorria
entre si de olhos selados, enquanto se agitava em voluptuosas danças. A
guitarra uivante esperneava-se em sidéricos, comoventes e admiráveis solos e riffs corrosivos e montanhosos que nos
euforizavam de forma desmedida, o denso e retumbante baixo de bailados desassossegados,
firmes, possantes e hipnóticos rivalizava com a inquisidora influência da Lua
sobre ondulação marítima, a entusiástica bateria de incitantes e emocionantes
cavalgadas esporeava toda uma plateia embalsamada num profundo estado de
ataraxia, e a mélica e agradável voz liderava com lubricidade toda esta
prazerosa comoção. No final foi difícil aceitar que o concerto havia terminado.
All Them Witches foi o amor em
estado musical.
No final da noite caminhámos
de forma combalida e fatigada para o campismo, ainda com o pensamento atrelado
a tudo o que havíamos testemunhado naquele primeiro dia de festival. Era
impossível contrariar aquele sorriso esculpido nos nossos rostos e embaciar o
brilho que ardia de forma veemente no nosso olhar. Já no interior da tenda
deixámo-nos conduzir pelo cansaço e adormecemos debaixo de um animado, efusivo
e ruidoso coro gritado por muitos dos festivaleiros que prolongavam o ambiente
de festividade fora das tendas e pela madrugada adentro.
*Fotografias da autoria de Guilherme Dourart
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