Holy Mushroom | 14:25 | Palco Piscina
Foi através desta jovem
formação espanhola que se iniciara o primeiro de muitos contactos cósmicos
entre a nossa mente e o espaço sideral. Com o seu primeiro trabalho (review aqui) a nortear toda a
performance de Holy Mushroom, este
quarteto natural da cidade de Oviedo (Astúrias, Espanha) lançou-se para uma envolvente, ácida e delirante jam que nos empoeirara de matéria
estelar do primeiro ao derradeiro tema. O público estimulado pela sua lisérgica
e encantadora sonoridade acorria ao recinto e as últimas peças do puzzle humano começavam a posicionar-se
rapidamente. A numerosa plateia – embriagada pelo narcotizante Heavy Psych de essência astral –
balanceava-se harmoniosamente ao som de uma guitarra estarrecedora que se
manifestava em alucinantes solos e enigmáticos riffs, um baixo groovesco
de linhas pulsantes e dançantes, uma bateria diligente e um teclado de bailados celestiais que sulfatava toda a ambiência sonora com a sua aura espacial. Holy Mushroom fizeram por merecer toda
a confiança neles depositada e presentearam-nos com uma hipnótica e agradável
digressão pelos mais distantes, solitários e recônditos astros do negro solo
cósmico.
Por mais vezes que
experiencie ao vivo este power-trio
barcelense (e já foram mesmo muitas) nunca me canso ou sinto o interesse
esfriar. Antes pelo contrário. Cada um dos seus concertos tem uma invulgaridade
própria que o diferencia dos restantes e, portanto, garantem sempre diferentes e
fascinantes odisseias pelo mesmo universo de Black Bombaim. E a sua exibição no SonicBlast não fugiu à regra. Baseados numa hipnótica, sedutora e
deslumbrante peregrinação sonora pelos quentes, dourados e sedosos desertos
africanos, esta influente banda portuguesa adornou todo o público com o lado
mais viajante, morfÃnico e extasiante do Psych
Rock aliado ao extravagante, empolgante e libertador Free Jazz que superiormente foi desenhado e conduzido por um
saxofonista. A plateia balanceava-se num perpétuo movimento corporal como
resposta instintiva a toda aquela lubricidade musical. A guitarra distendia-se
em estarrecedores solos e riffs
ardentes, a bateria concentrava-se numa incessante e emocionante cavalgada, o
baixo reverberante e magnetizante vociferava linhas pulsantes, musculadas e
dançantes, e o saxofone transcendia-se em exóticos, desvairados e serpenteantes
uivos que muito enriqueceram este verdadeiro safari pelos mÃsticos domÃnios de Black Bombaim. Na piscina vivia-se um contagiante clima de boa
disposição e seguramente um dos concertos mais arrebatadores do primeiro dia.
Assim que desligaram os amplificadores e pousaram os instrumentos não foi nada
fácil despertar de toda aquela intensa e profunda hipnose que nos abraçara, assaltara
e dominara ao longo de toda a actuação.
Com parte da
responsabilidade de substituir os germânicos Kadavar que poucas semanas antes haviam cancelado a sua presença no
SonicBlast, estava o poderoso power-trio israelita The Great Machine que – devo já
adiantar – provocara na plateia um dos momentos mais eufóricos do festival.
Nenhum de nós estava fÃsica ou psicologicamente preparado para enfrentar toda
aquela desgovernada explosividade que nos sacudiu violentamente ao longo de
todo o concerto. Foram – para mim – uma das maiores surpresas (pela positiva)
do festival e é muito graças a eles que as dores musculares nas pernas e
pescoço ainda hoje perduram. Baseada num poderoso, atlético e inflamante Heavy Rock – tanto sombreado pelo
arrastado, denso e vigoroso Psych Doom
como esporeado pelo dinâmico, furioso e convulsivo Punk Rock – a selvática sonoridade de The Great Machine contaminara e conduzira todos os corpos que se
agitavam em frente ao palco. A guitarra agigantava-se em riffs corpulentos, cáusticos e inquisidores, o baixo rugia pesadas,
titânicas e torneadas linhas, a bateria trovejante orientava-se a potência e
emoção e os vocais cavernosos e guturais completavam na perfeição toda esta
volumosa, tóxica e tumultuosa descarga sonora. The Great Machine brindaram-nos com uma performance verdadeiramente
arrasadora que despertara em cada um de nós toda uma colérica e saturada erupção
de adrenalina.
Este tridente ofensivo natural
da cidade de Austin (Texas, EUA) representava uma das bandas
por mim mais aguardadas do festival. Sendo um admirador confesso do primeiro
álbum ‘Samsara’ (review aqui)
mal podia esperar por vivenciar ao vivo – pela primeira vez – todo aquele
luciférico, alucinógeno e enigmático Psych
Doom entrelaçado num nebuloso e eletrizante Heavy Psych capaz de amortalhar, possuir e profanar a alma do
ouvinte. E assim sucedeu: The Well
materializara as mais altas expectativas que previamente lhes dedicara e
arrancaram para uma performance irrepreensÃvel que narcotizara e incendiara
todos aqueles fiéis de olhos e ouvidos neles ancorados. O público – seduzido
pela sonoridade - aproximava-se da frente do palco e exteriorizava tudo o que The Well nele provocava. Na Ãndole
desta pesada e psicotrópica cavalgada que nos atropelou sem qualquer moderação
estava uma guitarra de riffs demonÃacos, febris e vibrantes e solos
extraordinários e delirantes, um baixo inquisidor de hipnóticos, atraentes e
dominantes bailados, uma bateria fulgurante de entusiástica orientação rÃtmica
e os vocais ecoantes, lisérgicos e penetrantes que imergiam da nebulosidade
instrumental. Um dos concertos mais enigmáticos do SonicBlast.
Depois de todo o peso
transpirado pelas bandas que até então haviam subido ao palco principal,
chegara a vez de serenarmos e mergulharmos num profundo e aveludado oceano de
ataraxia ao deslumbrante som dos nipónicos Kikagaku
Moyo. Fundamentados numa sonoridade mântrica de onde sobressai um
requintado, envolvente e encantador Psych
Rock em alegre consonância com um magnetizante, sumptuoso e reconfortante Krautrock que nos massaja o cerebelo,
esta adorável formação oriental conduziu a nossa espiritualidade aos braços do tão almejado transe. Moledo estava apaixonado e
petrificado com toda aquela extasiante radiação que nos afagava e bronzeava a
alma. As pessoas dançavam de olhar selado e sorriso talhado no rosto. O paraÃso
estava instalado em cada um de nós e vivia-se uma generalizada e imperturbável
sensação de bem-estar. As guitarras dialogavam entre si desenvolvendo
envolventes, agradáveis e comoventes acordes, a cÃtara envaidecia-se em solos
verdadeiramente edénicos e estarrecedores, a bateria tribalista galopava com
perÃcia e emoção, e a voz suave e espectral passeava-se livremente pelas
etéreas e sublimes paisagens sonoras de Kikagaku
Moyo. Nada poderia contrariar todo o arrebatamento brilhantemente cozinhado
pelos japoneses e na plateia testemunhava-se um verdadeiro estádio de
enlevação. No final do concerto – debaixo de um magnÃfico viveiro estelar –
estávamos todos siderados com o que havÃamos presenciado. Segredei a mim mesmo
que Kikagaku Moyo havia dado o
concerto mais tocante do primeiro dia. Foi imensamente lindo e a sublimidade do
mesmo será levada por todos aqueles que o vivenciaram para o resto das suas
vidas.
A pesada vibração estava de
regresso ao palco principal e desta vez levada a cabo por um dos nomes mais
sonantes da presente edição do SonicBlast.
Os suecos Monolord foram
autenticamente demolidores e desprenderam toda uma musculada, portentosa e
absorvente avalanche decibélica que prontamente nos devastou a lucidez e
arremessou a consciência para os mais fundos e sombrios precipÃcios da
existência humana. A plateia enfrentava um potente tremor e – na tentativa de
acompanhar a imensa ferocidade rugida acima de palco – manifestava-se com bruscos
e extravagantes movimentos corporais. Foi à boleia do tirânico, passante e
impetuoso Psych Doom de Monolord que vivenciei um dos momentos
mais altos do festival. A imponente guitarra amuralhava-se em riffs pujantes, obscuros e monolÃticos e
em solos cáusticos e mirabolantes, o vultoso baixo de linhas viris, lentas e
carregadas robustecia toda a atmosfera despótica, a bateria retumbante detonava
poderosas, vagarosas e redentoras cadências, e a voz fecundante, lÃmpida e
visceral ecoava e assombrava toda aquela fumarenta e demonÃaca obscuridade que
nos governou ao longo de todo o concerto. As colunas estremeciam na passagem de
toda aquela sÃsmica ressonância e os nossos corpos eram constantemente
agredidos de forma impiedosa pela corrosiva e veemente reverberação. Monolord foi uma experiência
tremendamente marcante e indubitavelmente um dos concertos mais explosivos do SonicBlast.
Às doze badaladas o palco
principal recebia um dos principais motivadores da inundação humana que a
presente edição do SonicBlast
recebeu. Os norte-americanos Elder
visitavam Portugal pela primeira vez e o público suspirava de ansiedade. Eu
transbordava de expectativa em relação a este concerto, não fosse Elder uma das bandas da minha vida, mas
o mesmo acabou por não corresponder inteiramente ao que dele esperava. E isto
porque estou emocionalmente acorrentado aos dois primeiros álbuns da banda e a
mesma dedicou praticamente toda a actuação aos dois últimos álbuns, terminando –
ainda assim – da melhor forma com a surpreendente inclusão do tema “Gemini”. Elder tem vindo a cortar com a vertente
mais Doom’esca que caracteriza a raiz da banda e
desenvolvendo e aprimorando uma veia mais Prog’ressiva para gáudio de muitos e desalento de tantos outros (como
eu). Ainda assim não consegui tirar o olhar do palco e – principalmente – da
superior condução do Nick DiSalvo ao
volante de riffs hipnoticamente
complexos e solos berrantes, vertiginosos e alucinantes que promoviam e nutriam
toda uma dança de cabelos soltos na populosa e compacta plateia em frente ao
palco. No seu apoio estavam um baixo de bafagem oscilante e vigorosa, uma
bateria de firme orientação rÃtmica e uma segunda guitarra responsável por manter
o riff sempre presente enquanto o Nick se transcendia num emaranhado de
fascinantes, virtuosos e excitantes solos. No final do concerto as opiniões
sobre o mesmo pendulavam entre o “muito
bom” e o “bom” mas todas elas
esbarravam num ponto em comum: Elder
ao vivo é um espectáculo que todos deveriam comungar.
*Um agradecimento muito especial
ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo
fotográfico.
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