Na passada terça-feira, 11
de Setembro, viajei até à cidade de Porto atestado de um crescente entusiasmo
pela oportunidade de rever uma das bandas favoritas e indubitavelmente uma das
mais icónicas da Desert Scene: os lendários Yawning
Man. Depois de comungados pela primeira vez em 2016 no saudoso festival
ribatejano Reverence Valada (review aqui) entrava agora no bar
portuense Woodstock 69 com a mesma
ansiedade e excitação que me climatizara na estreia. O tão cobiçado peso da
responsabilidade em abrir as hostes e inaugurar o palco recaÃa na jovem
formação transmontana Witch Sin – a
qual acompanhei na viagem até ao Porto, bem como de regresso a casa – e os
mesmos fizeram por justificar e merecer a aposta da parte da organização do
evento (como dissecarei de seguida). Uma vez que chegava ao Woodstock 69 não
poderia perder por nada a prestigiante ocasião de privar com figuras como Gary Arce e Mario Lalli. E assim aconteceu. Desprovidos de urgência e num
ambiente de despreocupada confraternização, desenvolveram-se agradáveis
tertúlias que tocaram tanto assuntos pessoais como profissionais. E se já
nutria uma desmesurada admiração por eles enquanto músicos, depois desse dia
passei a anexar a esse fascÃnio uma intocável consideração pela sua vertente
mais pessoal. Um envolvente diálogo – variados, vá – tingidos a uma afinidade
gradual que levarei comigo.
Foi já com a noite
instaurada que a recém-formada banda mirandelense se prontificou e subiu a
palco transpirando confiança e segurança. A plateia ia ganhando vida e forma –
ainda que a timidez não a tenha deixado aproximar-se em demasia do palco – no interior do Woodstock 69, e os jovens Witch Sin de amplificadores ligados e
instrumentos empunhados estavam prontos para cortejar a expectativa que pairava
em todos nós. E foi com base no seu empolgante, lamacento, raçudo e turbulento Stoner Metal – com ousadas, mas bem-sucedidas
aproximações a um fascinante Psych Doom
de natureza ambiental, prog’ressiva,
melódica e espacial – que os Witch Sin
arrancaram para uma atordoante, furiosa, e alucinante cavalgada que nos
esporeara e saturara de adrenalina. O público de olhar debruçado no palco
começava a desprender-se da inibição e as cabeças pendulavam de ombro a ombro
numa instintiva resposta comportamental a toda aquela intensa, violenta e
musculada ressonância vociferada pelas colunas. Norteados por uma atitude
extrovertida e uma simbiose instrumental que amadurecia com o decorrer da sua
actuação, os transmontanos Witch Sin
pareciam ter conquistado o público que ainda se ia perfilando e compactando no
exterior do palco. E foi com base numa voz ardente, felina, corrosiva e
potente, num vigoroso, torneado e poderoso baixo de linhas bem fluÃdas e
vincadas, uma guitarra vulcânica de riffs
enérgicos, obscuros e dinâmicos que se perdiam por entre solos ecoantes, alucinógenos
e transviantes, e uma bateria explosiva e retumbante de galope apressado e
provocante que todos nós fomos conquistados e levados pelos enigmáticos
domÃnios sonoros de uma das mais promissoras formações portuguesas. No final –
enquanto a banda se delongava em sinceros agradecimentos, distorcidos e
abafados pelos vibrantes aplausos – era tempo suspirar e intensificar o rufar
dos corações: os Yawning Man estavam
aÃ.
Do coração do deserto
californiano (mais concretamente de Palm
Desert) para a cidade do Porto, os comummente apelidados de «Padrinhos do Desert Rock» subiam a palco debaixo de um entusiástico e
ensurdecedor aplauso promovido por uma plateia já bastante considerável. A
atmosfera no interior do Woodstock 69
estava tremendamente abafada – quase irrespirável – e perante a incapacidade
das poucas ventoinhas que turbinavam no espaço sem qualquer efeito prático, Yawning Man revelou tratar-se de uma
revitalizante brisa de ar fresco que nos manteve despertos ao longo de todo
aquele sonho acordado. De semblantes transpirados, pálpebras desmaiadas,
narinas dilatadas e cabeçadas rodopiantes, fomos evangelizados por uma epifania
desértica superiormente celebrada e norteada pelo histórico power-trio ao qual os fiéis seguidores
do lado underground da música Rock
muito devem. A carismática formação californiana – numa saltitante e harmoniosa
digressão pela sua modesta mas grandiosa discografia – distendera no Woodstock 69 todo um vasto tapete
arenoso onde imponentes Joshua trees
se espreguiçavam na direcção dos céus, expressivas formações rochosas se
encavalitavam entre si, um Sol vigilante de tonalidade ruborizada e bafo quente
se debruçava no firmamento, e uma aragem ondulada e tonificante se tragava
facilmente e muito dizia à alma. Completamente embalados e enredados numa profunda
hipnose que nos massajava os sentidos e embriagava de um imperturbável êxtase,
os nossos corpos devotos à redentora misticidade de Yawning Man manifestavam-se numa detida e hipnotizante dança que
nos manteve sorvidos e comprometidos ao longo de todo o concerto. Vivia-se um perfeito
clima de bem-estar generalizado à afável boleia da sua tão caracterÃstica
sonoridade onde um meditativo, quente, exótico e lenitivo Desert Rock mareado por um uivante, fresco, lisérgico e
serpenteante Surf Rock se sustentam
e ostentam com uma desarmante e arrebatadora delicadeza e simplicidade. Nada
poderia contrariar todo aquele paradisÃaco estádio de transbordante sublimação
que nos conduzia aos braços do transe
espiritual. Gary Arce de olhar
semicerrado e repousado nas cordas da sua guitarra dedilhava e perfumava deslumbrantes,
lÃricos, sumptuosos e relaxantes acordes que se replicavam e em nós ecoavam, Mario Lalli de cabeça baloiçante, olhar
selado e baixo soberbamente dominado desprendia, conduzia e enfatizava
pulsantes, vistosas, cadenciadas, musculosas e reverberantes linhas que nos
estremeciam e instigavam, enquanto que o baterista “emprestado” Greg Saenz de baquetas firmemente
empunhadas tiquetaqueava com entrega, perÃcia e devoção toda esta fabulosa caravana
desértica. E ali estávamos nós, totalmente petrificados e assombrados pela
envolvente narrativa de Yawning Man,
de pés enraizados nas sedosas e tostadas areias do deserto e cabeça enterrada
no profundo negrume estelar. Os Yawning
Man brindaram-nos com uma extraordinária e irrepreensÃvel performance que
tivera nos clássicos temas “Perpetual Oyster” e “Catamaran”
os mais aclamados momentos da noite. No final – assim que os instrumentos foram
devolvidos ao solo e estes três saguaros
viraram costas ao público para se perderem nos bastidores – encontrámo-nos
reféns de uma generalizada sensação de torpor e atordoamento. Estávamos todos
ainda incrédulos com o que havÃamos testemunhado. Yawning Man ao vivo foi uma verdadeira ode edénica que deixara em
nós a garantia de uma ressaca vitalÃcia. Um autêntico oásis onde nos banhámos,
canonizámos e deleitámos do primeiro ao último minuto. Acredito que quando o
silencio tomou conta da sala cada um de nós segredara a si mesmo de que havia
mesmo presenciado um dos mais impactantes concertos da sua vida. Da minha foi
seguramente.
*Um agradecimento especial ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo fotográfico.
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