Vindo da artística, carismática e muito
prolífica cidade de Melbourne (situada na Austrália), casa-mãe de
emergentes e consumadas referências musicais como Ahkmed, Child, Holy
Serpent, Hotel Wrecking City Traders, Elbrus, Buried
Feather, Khan, The Ivory Elephant, Mote, Foot e
Pseudo Mind Hive, chega-nos o curto mas delicioso EP de estreia do
jovem quarteto Two Headed Dog (nome que nos remete imediatamente para o icónico e saudoso Roky Erickson). Ostentando o irónico título de ‘Fire
Fire’ (dado o inferno de proporções dantescas que continua a lavrar e
incinerar uma parte considerável do território ecológico australiano) e acabado de ser oficialmente
lançado numa simpática edição autoral que engloba os formatos físicos de CD e
vinil (ambos reduzidos a uma prensagem ultra-limitada de apenas 50 cópias
disponíveis), este venerável EP – onde apenas gravitam dois temas de essência
e duração aparentadas – respira e transpira um vibrante, sedutor, abrasador e
extasiante Blues Rock de mãos dadas a um elegante, harmonioso, provocante
e majestoso Classic Rock cuidadosamente resgatados às douradas décadas
de 60 e 70, e posteriormente talhados e polidos à imagem da banda. A sua aliciante, idílica
e contagiante sonoridade – de clima ensolarado e apaladado, uma doce fragância vintage
e bússolas apontadas a consagradas influências como Jimi Hendrix, The
Doors e Creedence Clearwater Revival – passeia-se e formoseia-se livre
e graciosamente pela atmosfera veraneia que ‘Fire Fire’ desenha,
colora e desdobra no imaginário do ouvinte. De sorriso riscado por entre
bochechas rosadas, boca salivante, pálpebras recolhidas, olhar eclipsado, pés martelando o chão
ao compasso da música, ombros saltitantes, e cabeça baloiçante, somos
bronzeados, acariciados e intensamente maravilhados pela edénica
resplandecência farolizada por uma guitarra afrodisíaca que se manifesta em mélicos,
feéricos, afáveis e desmesuradamente agradáveis acordes de onde florescem
vistosos, charmosos, serpenteantes e protuberantes solos executados a uma destreza
e beleza lapidares, um mágico teclado de vocação Ray Manzarek’eana
(dotado teclista de The Doors) que borrifa toda esta quimérica ambiência
com a sua desarmante, irreverente, eloquente e simétrica maviosidade, um murmurante
baixo movimentado a linhas onduladas, meditativas, hipnóticas e sombreadas, uma
vulcânica bateria de inspirada, sedutora, catalisadora e apimentada ritmicidade,
e ainda uma voz fogosa, felina e portentosa – de elevado e apurado sentido
melódico – que capitaneia com notável distinção todo este irretocável EP
de estreia. Estamos na presença de um registo movido a uma estética sensibilidade que resvala
nas costuras da perfeição. Um EP bafejado pelo capricho, integralmente confeccionado
à minha imagem, e que apenas peca pela sua curta duração. Dificilmente os australianos Two Headed Dog poderiam almejar uma estreia mais promissora que esta. Vivenciem entusiástica
e repetidamente este odoroso e luxurioso ‘Fire Fire’, e testemunhem toda a
magmática erupção expelida por aquele que seguramente conquistará e firmará uma posição de grande
destaque por entre os melhores EP’s lançados no presente ano de 2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário