Os norte-americanos Canyon
acabam de publicar um comunicado que provocara em mim uma acesa disputa entre
sentimentos contraditórios. Se o imediato lançamento de um novo EP incendiara
o rastilho do meu entusiasmo, o triste e inesperado anúncio de um hiatus
de duração indefinida deixara-me com um ainda ligeiro travo a nostalgia que o
futuro se encaminhará de intensificar com o amadurecer do tempo. Sem mais
demoras, vou avançar para o que de melhor esta talentosa banda natural da
cidade de Filadélfia (Pensilvânia, EUA) deixara
imortalizada na memória: a sua curta, mas rica discografia. ‘EP III’
é o nome dado ao último capítulo do legado discográfico deixado pelo jovem power-trio
de nomenclatura clássica e uma leal dedicação – transformada numa inspirada
reencarnação – ao que de melhor desabrochara no fértil solo das douradas décadas
de 60 e 70. Sustentado e regrado por uma sagrada aura de feição e aroma
revivalistas, e muito recentemente disponibilizado para escuta integral, numa
exclusiva edição de autor em formato digital – com a sempre elogiável
possibilidade de download gratuito – através da sua página de Bandcamp
oficial, este derradeiro e imaculado EP de Canyon vem ungido,
condimentado e chamejado por um elegante, apurado, sublimado e empolgante Heavy
Blues de estirpe setentista, engrenado num irreverente, alucinógeno,
erógeno e ardente Acid Rock trazido da segunda metade da boémia década
de 60, e num fervilhante, dinâmico, bombástico e electrizante Heavy Psych
de berrantes e impactantes erupções. Baloiçado entre turbulentos momentos de
euforizante efervescência e nirvânicas passagens de delirante dormência, ‘EP
III’ atesta e extravasa de incontáveis virtudes os vinte minutos que o
balizam. Capitaneado por uma majestosa guitarra de essência Led Zeppelin’esca
que se envaidece na criativa elaboração de charmosos, cativantes, triunfantes e
alterosos Riffs urtigados pelo efeito Fuzz, e se enraivece na
virtuosa ejaculação de exuberantes, labirínticos, furiosos e atordoantes solos,
um baixo bafejante, ondulado e pulsante de sinuosas linhas desenhadas a
negrito, uma apaixonante bateria de alma circense que se manifesta com base em
desembaraçadas, aparatosas, engenhosas e apressadas acrobacias, e ainda uma voz
de tez rugosa, felina, mélica e melodiosa – depositária de dotes que
prontamente nos remetem para o emblemático Robert Plant – que confere a
este admirável registo toda uma simétrica e aristocrática graciosidade.
Amotinado pelas revoltosas e fogosas águas da comoção, e desaguado nas
paradisíacas e oníricas praias de um ofuscante transe espiritual, alcanço o
glorioso final de um precioso registo que resvala nas costuras da perfeição.
Muito dificilmente existiria melhor forma dos Canyon se despedirem de
todos os seus ouvintes. ‘EP III’ afigura-se como um dos mais
sérios candidatos a EP do ano. Na pesada ressaca em mim deixada pelo mesmo fica
um discreto gosto a saudade de um tridente inesquecível ao qual seguramente
recorrerei vezes e vezes sem conta.
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