A minha consciência
não mais me perdoava se eu deixasse queimar todo o rastilho de 2020 com o novo
álbum dos canadianos Population II recostado na penumbra do esquecimento.
Este tridente natural da cidade de Montreal (situada na província de Quebec)
e que – tal como a sua identidade assim o sugere – presta a merecida homenagem
ao enormíssimo álbum ‘Population II’ lançado em 1971 pelo
talentoso guitarrista norte-americano Randy Holden, apresentara no
último suspiro de Outubro a sua mais recente obra designada de ‘À la Ô
Terre’ que fora devidamente divulgada através dos formatos físicos de
CD e vinil pela mão da editora discográfica californiana Castle Face. Pendulando entre um morfínico, enfeitiçante e pérsico Krautrock de adornado
polimento jazzístico e um vulcânico, vibrante e enérgico Heavy Psych
de suor garageiro e chamejado a um crepitante efeito Fuzz, este
místico, sui generis e ritualístico ‘À la Ô Terre’ é ainda
oxigenado por um fascinante experimentalismo sem fronteiras que o espartilhem.
A sua sonoridade letárgica e eufórica, meditativa e incisiva, umbrosa e
luminosa aprisiona a atenção do ouvinte numa profunda e imperturbável hipnose que
o envolve do primeiro ao derradeiro tema. São 42 minutos de uma intensa sedução
à qual nenhum ouvido consegue estancar a salivação. Uma esfíngica digressão de
pés descalços pelos eternos desertos da intropspecção e olhos farolizados pelo
Sol bocejante que nos rebaixa as pálpebras, prende a respiração e alcooliza o
espírito. De membros paralisados e sentidos extasiados, somos evangelizados por
um baixo ronronante de linhas pulsantes, empoladas e flutuantes, uma guitarra ácida
de acordes principescos, gélidos e arábicos, e solos uivantes, histéricos e ecoantes,
uma bateria precisa de toque polido, cintilante e estimulante, e uma etérea voz
de feição avinagrada, sonhadora, nocturna e aveludada – delicadamente musicada em
francês – que sobrevoa toda esta onírica, misteriosa e profética atmosfera. Num
plano secundário aparece, desvanece e reaparece ainda um litúrgico teclado de
intrigantes melodias e um vistoso saxofone de sopros serpenteantes. ‘À la
Ô Terre’ é um registo imensamente magnetizante, deslumbrante e espiritual
que nos seduz, canoniza e conduz pelos meandros de uma narcose sideral. Uma
obra portadora de um religioso entorpecimento que se desenvolve, adensa e
revolve pelas silenciosas paisagens de ‘À la Ô Terre’. Deixem-se desmaiar,
deleitar e efervescer na doce e terna melancolia de Population II, e comunguem com
devota submissão um dos álbuns mais messiânicos do ano. Não vai ser nada fácil emergir das abissais profundezas até à tona deste sonho acordado.
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