sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Review: ⚡ Population II - 'À la Ô Terre' (2020) ⚡

★★★★

A minha consciência não mais me perdoava se eu deixasse queimar todo o rastilho de 2020 com o novo álbum dos canadianos Population II recostado na penumbra do esquecimento. Este tridente natural da cidade de Montreal (situada na província de Quebec) e que – tal como a sua identidade assim o sugere – presta a merecida homenagem ao enormíssimo álbum ‘Population II’ lançado em 1971 pelo talentoso guitarrista norte-americano Randy Holden, apresentara no último suspiro de Outubro a sua mais recente obra designada de ‘À la Ô Terre’ que fora devidamente divulgada através dos formatos físicos de CD e vinil pela mão da editora discográfica californiana Castle Face. Pendulando entre um morfínico, enfeitiçante e pérsico Krautrock de adornado polimento jazzístico e um vulcânico, vibrante e enérgico Heavy Psych de suor garageiro e chamejado a um crepitante efeito Fuzz, este místico, sui generis e ritualístico ‘À la Ô Terre’ é ainda oxigenado por um fascinante experimentalismo sem fronteiras que o espartilhem. A sua sonoridade letárgica e eufórica, meditativa e incisiva, umbrosa e luminosa aprisiona a atenção do ouvinte numa profunda e imperturbável hipnose que o envolve do primeiro ao derradeiro tema. São 42 minutos de uma intensa sedução à qual nenhum ouvido consegue estancar a salivação. Uma esfíngica digressão de pés descalços pelos eternos desertos da intropspecção e olhos farolizados pelo Sol bocejante que nos rebaixa as pálpebras, prende a respiração e alcooliza o espírito. De membros paralisados e sentidos extasiados, somos evangelizados por um baixo ronronante de linhas pulsantes, empoladas e flutuantes, uma guitarra ácida de acordes principescos, gélidos e arábicos, e solos uivantes, histéricos e ecoantes, uma bateria precisa de toque polido, cintilante e estimulante, e uma etérea voz de feição avinagrada, sonhadora, nocturna e aveludada – delicadamente musicada em francês – que sobrevoa toda esta onírica, misteriosa e profética atmosfera. Num plano secundário aparece, desvanece e reaparece ainda um litúrgico teclado de intrigantes melodias e um vistoso saxofone de sopros serpenteantes. ‘À la Ô Terre’ é um registo imensamente magnetizante, deslumbrante e espiritual que nos seduz, canoniza e conduz pelos meandros de uma narcose sideral. Uma obra portadora de um religioso entorpecimento que se desenvolve, adensa e revolve pelas silenciosas paisagens de ‘À la Ô Terre’. Deixem-se desmaiar, deleitar e efervescer na doce e terna melancolia de Population II, e comunguem com devota submissão um dos álbuns mais messiânicos do ano. Não vai ser nada fácil emergir das abissais profundezas até à tona deste sonho acordado.

Links:
 Facebook
 Bandcamp
 Castle Face

Sem comentários: