quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quando o seu coração é um Vale Morto


Sexta-Feira. A noite cai. Está um trânsito rodoviário intenso, não aconselhável a olhares desmaiados provocados pela insónia da vida. Os, incansáveis, pára-brisas continuam a sua, constante, dança limpando a água da chuva que as, negras, nuvens vão chorando. Ele entra numa estrada secundária de afluência quase inexistente. Acorda a sua mão direita, que já adormecera em cima da caixa de velocidades, e abre a sua pequena pasta pessoal de negro cabedal. Tira do seu interior um, antigo, albúm de fotografias. Página a página, divide a sua atenção e olhar entre o albúm e a estrada que o espera. As fotografias, manchadas de tons sépia, guardavam/protegiam rostos familiares. Familiares seus que ele já não via há muito, muito tempo. Viagem ao passado. Passaram 20 anos. Mas a estrada está igual. É a mesma terra que eu pisei durante a minha adolescência enquanto, corria em direcção ao rio com a cana de pesca apoiada no ombro. A velha floresta. Reconheci-a. Será que ela também me reconheceu? A chuva intensifica o seu ritmo. Está escuro. Os faróis do seu carro são a vela que ilumina o seu, negro, final de tarde de Outono. Um velho (mas capaz) pastor, confia todo o seu cansasso e impaciência num cajado (que há muito o acompanha nesta recta final de sua vida). Descansa a sua cabeça, apoiando o queixo e as mãos naquele cajado ímpeto. Ele para o carro junto ao pastor e abre o vidro. Confronta o velho rosto, já há muito dominado pelo pesado mar de rugas, com as fotografias que trouxera com ele. As doentías pálpebras do, velho, pastor abrem e observa as fotografias. As sua pálpebras recolhem, novamente. Uma lágrima é expulsa do olhar fechado e escondido do pastor. Olha em sua volta e chama o seu rebanho de cabras. Afasta-se do carro sobre a sombra do seu, pequeno, rebanho. Fecha o vidro e observa o, estranho, pastor afastar-se, pela estrada, em sentido oposto. A incógnita escuridão engolia, progressivamente, o velho pastor. Ele agarra, firmemente, o volante e arranca. A placa de indentifacação de localidade está podre. A sua alma de madeira já há muito se entregara á força de oposição do clima que a contemplava sem cessar. A aldeia está próxima. Aldeia que o viu nascer e formar enquanto Pessoa moral. Perdão pelo silêncio, afastamento e isolamento. A nostalgia trouxe-lo de volta. Todo o vale está deserto. Nenhum foco luminoso interrompe o, denso, sono da noite, da escuridão, da incerteza. A Aldeia. A sua velha casa. A grande árvore que vigiou a sua infância ainda radica no, infame, solo. Não há luz. Aldeia fantasma. Uma descoberta visual, auxiliada pela pólvura luminosa expelida dos faróis do seu carro, acelera o ritmo dos seus batimentos cardíacos. Os vidros da velha casa estão partidos. Uma coruja pousa sobre um braço de uma árvore. Vazio. Nunca havia tido contacto com tal sensação. Morte. Corre para o seu carro e afasta-se, precipitadamente, da aldeia do passado. O tempo é conformista, mas Finito.

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