segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Amor tem cadastro

"Tens uma arma. Sabes o que fazer com ela!" - sugeriu ele. Ela encostou a cabeça no frio vidro da janela e, num suspiro pesado e soluçado, conservou a calma e a benevolência por detrás das suas pálpebras tombadas. Estava uma noite chuvosa, trevosa e a estrada sombria e solitária. Ela sentira que o olhar atento e mordaz dele a deixara, finalmente, por momentos e, de forma silenciosa e cautelosa, apalpou o rádio e ligou-o. Ele permaneceu calado e de olhar difundido no negro alcatrão da estrada. A chuva embatia violentamente no vidro. Na rádio ouvia-se um melancólico locutor de palavras esfaqueadas pelas constantes interferências de antena. As escovas limpa-para-brisas baloiçavam pesadamente pelo escorregadio vidro frontal do carro numa difícil batalha contra o incessante e suicida cortejo da chuva. “Não sei como consegues aguentar tudo isto.” – suspirou ele, enquanto que os seus punhos apertavam com força o volante e o seu olhar permanecia adormecido e cravado no horizonte que a fraca e amarelecida luz dos faróis do carro iam revelando. Antecipando o que viria a ser dito, o olhar dela brilhou e aquele rosto, até então empalidecido e anestesiado, ganhara uma vivacidade colorida, perversa e decidida. “Sabes que sempre gostei de ti.” – confessou ele de forma tímida, enquanto os seus lábios se rasgavam e desenhavam um sorriso recatado. Por breves instantes os seus olhares incendiaram-se e ergueram uma sólida ponte de cumplicidade entre si, partilhando palavras mudas que só o coração ouviu.

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