segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REVERENCE VALADA 2015: A Crónica de Sexta!

Já todo um jardim de tendas enraizava o parque de merendas de Valada, quando chegámos à até então pacata freguesia ribatejana depois de deixarmos para trás cerca de 400km de viagem traduzidos em 5h de olhares petrificados no negro alcatrão. O sol respirava boa saúde naquela tarde de sexta e as passadas impacientes dos festivaleiros ainda de tendas (entre outro material de campismo) às costas sobrepunham-se ao natural suspiro do parque. Não demorámos muito a juntarmo-nos ao já vasto número de festivaleiros com residência temporária naquele parque e de seguida caminharmos em direcção ao recinto do festival. Mesmo com o concerto do trio ucraniano Stoned Jesus perdido por culpa da já tradicional azáfama pré-viagem, no horizonte temporal habitavam outros concertos por mim ansiados e perfeitamente ao meu alcance. Sleep (e também Yawning Man, não fosse o seu lamentável cancelamento) posicionavam-se no apogeu dos concertos mais aguardados, bem seguidos de perto pelos Blown Out, Electric Moon, Black Rainbows, Ufomammut, Samsara Blues Experiment e os renascidos Amon Düül II. O Reverence dispunha assim de uma ementa sonora capaz de tentar um santo. Numa visita conduzida pela memória edificada em 2014 aquando a 1ª edição do festival, constatámos um indiscreto melhoramento do recinto e de tudo o que ele nos oferece. A zona de restauração estava mais populosa e diversificada, o recinto mais iluminado, a feira das almas que - apesar de mais curta em comparação com a da edição anterior - manteve o seu nível de oferta, e ainda salientar o acréscimo da vertente cinematográfica (onde foram exibidos os filmes: “Quadrophenia” de 1979, “Gummo” de 1997 e ainda “The Song Remains the Same” de 1976) à exposição artística presente no festival. O Reverence oferecia desta forma toda uma panóplia de entretenimento para além do musical.


21h10 | Black Rainbows | Palco Praia

Aqui começou um dos inolvidáveis concertos do Reverence. Sendo um fiel seguidor dos projectos do Gabriele Fiori (de onde também destaco Killer Boogie abordado aqui) não poderia perder a banda em que ele mais tem investido: Black Rainbows. Este power-trio italiano não desiludiu e arrancou para uma performance verdadeiramente avassaladora levando com ele toda uma plateia em crescente entusiasmo. Os seus riffs enérgicos e solos euforizantes comandaram todo o concerto, transpirando uma poderosa injecção de Psych Rock à qual o público respondia como podia. Foi um concerto de sentido único e um dos mais estimulantes do festival. No final desta radiância psicotrópica estávamos todos anestesiados e ainda a procurar aquietar o corpo que até então se sacudira de forma veemente.


22h30 | Ufomammut | Palco Praia

Ainda a plateia se recompunha do excitante concerto de Black Rainbows, quando os Ufomammut subiam ao palco e ligavam os seus amplificadores monolíticos. Sentia-se que este tridente italiano dedicado ao Psych Doom era uma das bandas mais aguardadas pelos devotos peregrinos que se faziam sentir no Reverence e que dariam um concerto justo de ser narrado aos seus netos. O Palco Praia testemunhava assim o que de melhor se tem feito em Itália no campo Psych. Nem foi preciso as cordas vibrarem para que o público – em antecipação ao que aí vinha – pendulasse de olhos cerrados. Ufomammut assumiram a responsabilidade de serem uma das bandas mais ansiadas pelos festivaleiros e corresponderam com uma prestação intensa e dominadora. Os green amps contorciam-se na passagem dos seus riffs maciços e possantes que embatiam numa plateia completamente embriagada pela atmosfera nebulosa e sideral de Ufomammut. Foi demasiado fácil vivenciar toda uma ambiência de concordância com o que do placo era exalado. O Reverence perdia a localização terrena e levitava atrelado às nossas consciências pela obscuridade íntima de um Cosmos narcotizado.  


00h30 | Sleep | Palco Reverence

É aqui, na procura da mais justa descrição do que foi o concerto dos titânicos Sleep, que todos os adjectivos se confessam tímidos e algo redutores face à sua desmesurada dimensão. Estava – “apenas e só” – perante uma das bandas da minha vida e poder estar ali era uma perfeita bênção capaz de fazer rufar o meu coração e suspender a minha respiração. Estes três druidas provenientes do lado mais entorpecedor do Doom Metal foram verdadeiramente avassaladores provocando um efeito sísmico na compacta plateia que se distendia em órbita do Palco Reverence. De olhos cerrados e consciência transviada pelos mais aprazíveis estádios da mente, inalei todos aqueles riffs purificantes e anestésicos. Foi demasiado fácil vivenciar a ataraxia. A guitarra de Matt Pike trespassava-me com as suas rajadas intoxicantes, o imponente baixo de Al Cisneros colidia violentamente em mim como que uma prepotente avalanche e a bateria de Jason Roeder governava o meu batimento cardíaco com destacada (e merecida) autoridade. Sleep foi um autêntico reactor que fez eclodir toda uma plateia extasiada aos mais sublimes céus da lucidez orvalhada. Um potente sedativo que nos envolveu ao longo das quase duas horas de celebração. Foi um dos grandes concertos da minha vida do qual ressacarei perpetuamente.


02h50 | Blown Out | Palco Praia

Quem acompanha as minhas dissertações musicais em El Coyote já se terá apercebido – certamente – da minha adoração por Blown Out. Este power-trio inglês, liderado pelo admirável Mike Vest ao volante da guitarra, tem em mim efeitos profundamente tântricos. Considero os seus três discos: “Drifting Away Out Between Suns” (review aqui), “Jet Black Hallucinations” (review aqui) e “Planetary Engineering” (review aqui) verdadeiros emancipadores de mentes. Fundamentados nas jams intergalácticas que fazem germinar a nossa consciência pelos maravilhosos recantos de um universo resplandecente, Blown Out tem o dom de nos fazer dormir acordados. E assim foi no Reverence. Com a consciência ainda a orbitar a ebriedade deixada por Sleep, Blown Out revelou ser o prolongamento desta tão desejada condição emocional. Os corpos oscilavam num harmonioso transe. De pálpebras cerradas e sorriso petrificado no rosto testemunhei a doce hipnose que Blown Out provocou em mim. De pés atracados no solo ribatejano e cabeça a embater em Saturno vivenciei um dos concertos mais viajantes de sempre. Amortalhado pelo fascínio de respirar Blown Out, senti-me em constante levitação pelas verticais auto-estradas da mente estrelada. A plateia dançava com exuberância e satisfação. Os Blown Out levaram-nos para tão longe dos nossos corpos enlouquecidos, que quando os amplificadores se desligaram foram necessários vários minutos até que a nossa consciência embriagada caísse em nós. Blown Out foi um verdadeiro trampolim de mentes.


No final cambaleámos até à tenda de alma a transbordar de emoção e ainda amortalhados pela hipnose vivida. Restava-nos descansar e revitalizar daquela inesquecível dosagem musical, pois no dia seguinte – sábado – haveria a sequela patrocinada por bandas como Samsara Blues Experiment, Amon Düül II e Electric Moon.

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