No horizonte raiava a sétima
edição do festival espanhol Kristonfest
e na sua ementa sonora constava toda uma espantosa lista de alguns dos mais relevantes pesos-pesados
pertencentes ao lado underground da
música Rock e Metal. Foram eles os combustÃveis que nutriram e conduziram a minha
motivação ao longo de toda uma viagem transnacional (entre Portugal e Espanha).
A expectativa agigantava-se com o aproximar do evento e cimentava em mim a
forte convicção de que estaria prestes a vivenciar alguns dos mais inolvidáveis
concertos da minha vida. E assim foi..
Conan // 20h00
Foi já com a exótica sala
madrilena La Riviera a meio gás
(presença humana) que os ingleses Conan
subiram a palco. Ostentando – e fazendo
por merecer – o apanágio que tantos lhes dedicam de que se trata de uma das bandas
mais intensas e barulhentas (no que ao peso e dimensão da reverberação diz
respeito), este power-trio localizado
da região de Liverpool (Reino Unido) brindou todos os presentes
com uma monolÃtica e portentosa descarga de um pantanoso, vibrante, imperioso e
retumbante Sludgy Doom que
estremecera toda a plateia enraizada em frente ao palco. Os seus riffs corpulentos, obscuros, carregados
e tensos eram projectados pelas imponentes colunas que ornamentavam aquele
enigmático altar e desaguavam nos nossos corpos baloiçantes, enquanto que os
vocais ecoantes, cavernosos e dilacerantes sobrevoavam e assombravam toda
aquela opressiva e sufocante atmosfera climatizada pelo tridente inglês. Apesar
de alguns problemas de cariz técnico na qualidade sonora – devidamente
corrigidos no decorrer da actuação - Conan
desprenderam uma toda uma gigantesca avalanche de ressonância que nos
narcotizara e abalara com destemida e desmoderada robustez.
Elder // 21h15
Seguiam-se os druidas
norte-americanos Elder e – devo
antecipar – deles resultara o concerto daquela noite espanhola. Assim que
ascenderam a palco, toda uma plateia fervia de entusiasmo e exteriorizava de
forma enérgica e ruidosa toda a ansiedade que a domesticava. Entre o público respirava-se
a inabalável sensação que de Elder
adviria um concerto irrepreensÃvel e de duradoura ressaca. E assim se
materializou. O agora remodelado quarteto natural de Boston (Massachusetts, EUA) arrancara para uma performance
verdadeiramente estonteante à qual os festivaleiros presentes respondiam
instintivamente com exuberância. Numa muito aplaudida passeata pela sua já
respeitável discografia, os Elder
enfeitiçaram e conduziram toda a sala La
Riviera com o seu fascinante Doom
de bafagem psicotrópica, corpo musculado e orientação Prog’ressiva. Em frente ao palco as pessoas debatiam-se como podiam
perante toda aquela extasiante e alucinante comoção originada pelos majestosos,
provocantes, ostentosos e magnetizantes riffs
– aliados a solos imensamente delirantes, arrebatadores e ziguezagueantes, e a
uma empolgante percussão explosiva, forte e incisiva – e vivia-se uma
paradisÃaca ambiência de plena harmonia com a banda. Aquele era ‘O’ momento em
que ninguém desejara estar em mais sÃtio ou circunstância alguma que não
aqueles. No final – depois de um estrondoso, eufórico e duradouro aplauso – a
banda desligara os amplificadores, pousara os instrumentos e agradecera a toda
a plateia ainda embebida e embaciada num estádio de profundo êxtase.
High On Fire // 22h50
Na terceira posição do
alinhamento perfilava-se a carismática banda liderada pelo incontornável Matt Pike e dela esperava um dos mais épicos
momentos do Kristonfest. E foi com
base numa impactante performance – pautada e esporeada a uma velocidade
galopante – que os californianos High On
Fire, numa notável celebração dos seus vinte anos de carreira, nos arrasaram,
sacudiram e atestaram de adrenalina. Um desenfreado e devastador rolo
compressor de onde sobressai o seu caracterÃstico Stoner Metal de atitude Punk
e ritmicidade ofegante que nos pontapeia e incendeia de uma intensa e
desgovernada exaltação. Na plateia vivia-se um perfeito ambiente de ardente
perturbação, e foi à boleia sonora de uma guitarra movida a riffs coléricos, velozes e dinâmicos, e
solos atordoantes, virtuosos e dilacerantes, uma voz fervilhante, cavernosa,
escarpada e furiosa, um baixo possante de linhas trovejantes, tensas, obscuras
e magnetizantes, e uma bateria cavalgante de ritmicidade turbulenta,
vertiginosa e electrizante que os nossos corpos transpirados e embriagados
embatiam violentamente entre si, e as cabeças abanavam e rodopiavam de forma
frenética e extravagante. Não existe outra forma se não essa de enfrentar e
interiorizar toda a vulcânica ferocidade – superiormente controlada e
orquestrada – pelos eruptivos e selváticos High
On Fire. Esta banda ao vivo revelou ser um veemente ritual impróprio para
cardÃacos, onde só a redentora euforia liderara e contagiara toda a envolvência
que emoldurara e aprisionara aquela imaculável e incensurável actuação.
Monster Magnet // 00h35
Chegara a hora de vivenciar
aqueles que se orgulhavam de representar o cabeça de cartaz desta sétima edição
do festival espanhol: Monster Magnet.
Carregando o invejável peso de quase 3 décadas de existência, esta histórica
formação norte americana superiormente liderada pelo excêntrico Dave Wyndorf motivara a mais populosa
aproximação ao palco daquela noite. Do alto dos seus mais de 60 anos, e
detentor de uma cobiçada forma fÃsica, o carismático vocalista de microfone
empunhado subira a palco e saudara toda uma numerosa e ruidosa plateia que
destilava entusiasmo e expectativa. Com um clássico Stoner Rock bem oleado, melódico e sublimemente executado, os Monster Magnet aceleraram para uma
grandiosa exibição de cerca de 90 minutos de duração que enlevara os muitos
admiradores presentes. Num equilibrado passeio pela sua copiosa discografia –
ora revisitados os seus primeiros e muito aclamados registos, ora exibidos os
mais recentes êxitos da banda – Monster
Magnet agigantaram-se e deliciaram os seus mais devotos seguidores com uma
opulenta manifestação capitaneada por duas guitarras altivas de riffs elegantes, e emocionantes e
lascivos, e solos gritantes, aparatosos e exuberantes, um baixo diligente de
linhas possantes, torneadas e pulsantes, uma bateria quente e cintilante de
propensão ofensiva e impulsiva, e uma voz oleosa, melódica e pomposa. No final
comungava-se o mútuo sentimento de que havia sido verdadeiramente prestigiante
presenciar ao vivo uma das bandas mais relevantes do género.
Church Of Misery // 02h25
A responsabilidade de
encerrar a presente edição do Kristonfest
havia recaÃdo nos nipónicos Church Of
Misery, e devo confessar que eles eram detentores de uma das maiores
percentagens da motivação que norteara toda esta digressão ao paÃs vizinho.
Fundamentados num nebuloso, psicotrópico, sombrio e poderoso Psych Doom – envolvido e temperado numa
fumarenta, ácida e lamacenta narcose – todos aqueles resistentes ainda
ancorados nas imediações do palco foram presenteados com uma morfÃnica exalação
que os gravitara e enevoara do primeiro ao último minuto. Estes discÃpulos
contemporâneos da intrigante sonoridade de Black
Sabbath brindaram toda a audiência com uma das mais hipnóticas e
apoteóticas exibições do festival. Inalava-se uma bruma esverdeada que nos
desmaiava as pálpebras, tombava o semblante sobre o peito e pendulava o corpo
temulento. Na génese de toda esta profunda hipnose tricotada a THC estava uma guitarra tirânica de
imponentes, tenebrosos, vistosos e arrepiantes riffs, e solos mirabolantes, assombrosos, alucinógenos e
magnetizantes, um expressivo baixo Rickenbacker
movido a pujança, intensidade e vivacidade, uma bateria vigorosa, contundente,
abrasiva e emocionante, e ainda uma voz gutural – de textura áspera e viril –
que complementa na perfeição toda a absorvente e febril ritual superiormente
chefiado por Church Of Misery.
Depois de dado como terminada esta extraordinária performance, a reverberação
instrumental perdia-se por entre os demorados e ruidosos aplausos de uma
plateia completamente atordoada e ainda em busca de resgatar a lucidez há muito
extorquida e administrada por Church Of
Misery.
De músculos doridos, corpo cansado e transpirado, mas de alma ainda atestada e alcoolizada pelo entusiasmo, abandonei a Sala Riviera para me fazer à estrada em direcção a Portugal. Daquela noite madrilena trouxera comigo impactantes memórias musicais que ameaçam perdurar e subsistir à fracturante força do tempo. O Kristonfest revelou tratar-se de uma experiência consagrada que certamente não deixara ninguém indiferente.
*Um agradecimento especial ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo fotográfico.
Sem comentários:
Enviar um comentário