segunda-feira, 21 de maio de 2018

Review: 💫 Jesus the Snake, TAU & Colour Haze 💫

Com a invejável responsabilidade de abrir aquela cerimoniosa e inolvidável noite primaveril na cidade do Porto, a jovem banda natural de Vizela (Braga) fez por merecer toda a confiança nela depositada pela entidade promotora do evento. Com a principal sala do Hard Club ainda a receber as primeiras pessoas, os Jesus the Snake subiam ao palco, recolhiam e afinavam os seus instrumentos, e iniciavam a sua admirável odisseia que se distendia dos mais quentes, arenosos e bronzeados desertos aos lugares mais gélidos, secretos e inóspitos do Cosmos embriagado. Com o seu EP de estreia (falado e reverenciado aqui) posto em prática, o quarteto avançou sem qualquer inibição para uma fascinante atmosfera sonora – marcadamente influenciada pelos eternos Pink Floyd (na sua fase Pompeii’eana) – de onde sobressai um relaxante, contemplativo e deslumbrante Psych Rock que nos seda e ameniza, um viajante, etéreo e envolvente Space Rock que nos faz cabecear os mais distantes e solitários astros, e um elegante, perfumado e apaixonante Prog Rock que nos seduz e conduz ao longo de toda esta edénica digressão espacial. E foi ao volante de uma guitarra governada por riffs ostentosos e solos delirantes, uma bateria explosiva e galopante, um baixo hipnótico e dançante, e um teclado sublime e intrigante que a plateia inalava e exteriorizava todo aquele prazeroso misticismo. Jesus the Snake ao vivo foi(-me) uma estreia muito agradável que convencera e conquistara todos aqueles que testemunharam uma das mais promissoras bandas de origem lusitana.


Na segunda posição do alinhamento perfilavam-se os germânicos TAU – trazidos pelos seus compatriotas Colour Haze – e deles esperava-se uma sagrada e envolvente peregrinação pelas aveludadas, ondulantes e alaranjadas dunas de um deserto que se esperneia na direcção de um Sol vigilante. O quarteto sediado na capital de Berlim não demorou a derramar toda uma sedutora ambiência arábica e na plateia começavam a avistar-se os primeiros corpos a serpentearem-se numa detida e exuberante dança. Era essa a resposta instintiva ao lenitivo, magnetizante e contemplativo Krautrock de essência étnica, aliado e dissolvido num pastoril, adorável e primaveril Folk de textura oriental. Na génese dos devotos desertos sonoros de TAU estavam duas guitarras que se entrelaçavam em acordes repetitivos, afáveis e sedativos, e se eriçavam na emancipação de solos gritantes, caóticos e alucinantes, um baixo orientado a linhas pausadas, oscilantes e carregadas, uma bateria de compasso tribal, e ainda uma voz simpática e melodiosa que coloria e aquecia toda a bucólica musicalidade destes sultões de origem europeia. No final deste santificado ritual os nossos corpos e sentidos pendulavam e combatiam ainda a profunda e febril inércia – tingida a morfina – que nos havia embriagado e orientado ao longo de todo o concerto. Mas os Colour Haze estavam prestes a entrar em palco e isso fazia dissipar toda a ressaca pelos TAU deixada em nós.


Colour Haze em palco, corações ao alto. E é na hora de narrar e transcrever para a escrita toda esta apoteótica e inesquecível performance, que mesmo os mais grandiosos e elogiosos adjectivos se confessam tímidos e inseguros com o peso da responsabilidade que esta tão hercúlea tarefa ostenta. Da minha parte era a 4ª vez que assistia ao fenómeno Colour Haze ao vivo, mas tudo em mim se comportava como se da primeira tratasse. E se muitos rotulavam impossível a missão de superar toda a arrebatadora sublimidade transpirada pela banda na passada edição do festival Sonic Blast (review aqui), a mesma não precisou de muito tempo em palco para mostrar que os mais cépticos estavam perfeitamente enganados. Logo aos primeiros vislumbres de “She Said” toda a plateia que lotava a sala do Hard Club entrava num pleno e intenso estádio de perfeito transe do qual não mais saiu durante toda a duração do concerto. Foi em frente a uma projecção alquimista onde borbulhavam e se passeavam cores berrantes e padrões delirantes (a fazer lembrar toda a mágica ambiência que ornamentava a San Francisco scene nos psicadélicos anos 60) e na carismática e encantadora companhia de um teclista, que este extraordinário power-trio de instrumentos empunhados deu força à tese embandeirada e doutrinada por tantos que os classificam como a melhor banda europeia do lado underground da música Rock. Numa superiormente cozinhada e orquestrada passeata de passada larga pela sua imaculada discografia, esta histórica formação alemã contagiou, embriagou e euforizou todo uma imensa mancha humana ansiosa por vivenciar algo assim. Na plateia resplandecia erotismo por todos os nossos poros e um imperturbável clima de êxtase estava instaurado. Fora do palco enfrentava-se como se podia toda aquela arrebatadora radiação e foi com ruidoso gáudio que se respondeu e comungou temas como “Aquamaria”, “Ãœberall”, “Tempel” e “Transformation”. As pálpebras tombavam, as cabeças pendulavam e os corpos ondulavam e embatiam uns nos outros. Uma verdadeira ode epicurista onde só a ataraxia se respirava. O feiticeiro Stefan Koglek dominava todo o radioso, fascinante, ostentoso e comovente psicadelismo de Colour Haze ao volante de uma guitarra magistral e endeusada que se manifestava na sumptuosa edificação de desarmantes, lascivos e ofuscantes acordes e se superava na sublime condução de solos alucinantes, labirínticos e empolgantes que cresciam, fervilhavam e explodiam numa ardente e atordoante comoção, Philipp Rasthofer de baixo firmado, olhar selado e postura recatada passeava-se livre e graciosamente pela sua tensa reverberação tricotada a linhas pulsantes, torneadas e bailantes, enquanto que o talentoso e assombroso baterista Manfred Merwald – de baquetas firmemente empunhadas – brindava todos os presentes com a sua tecnicidade orientada a delicadeza, vigor e explosividade – num estilo peculiar entre os domínios do Samba e do Jazz – ao longo de uma magnífica performance com a durabilidade de 2 horas. E o melhor ainda estava para vir. Os Colour Haze ergueram os seus instrumentos na direcção da plateia incendiada pelo entusiasmo e abandonaram o palco debaixo de um aplauso ensurdecedor. Adivinhava-se um encore. E o mesmo não só se confirmou como aos meus ouvidos representou o melhor encore testemunhado em toda a minha vida. A banda regressava a palco com a garantia de que iria finalizar a noite com dois clássicos, e por entre o público sentia-se que algo muito especial se avizinhava. Mas antes de prosseguir, é justo revelar que “House of Rushammon” é o meu tema favorito de Colour Haze. E assim que o Stefan Koglek ainda a solo começa a dedilhar os acordes iniciais dessa verdadeira obra prima, tudo em mim estremeceu. Estava completamente assombrado, perplexo e arrepiado por tudo o que aquele momento encerrava e em mim representava. Inflamado por uma insuportável excitação que me vibrara e enfeitiçara até ao final do tema, murmurei para mim mesmo a letra do tema, como entrei numa orgásmica erupção à boleia do solo final. E como se isso não bastasse já para selar aquela que havia sido uma das exibições mais impactantes da minha vida, Colour Haze avança para o seu hino oficial: “Love”. Ninguém estava preparado para algo assim. As pessoas sorriam entre si, de olhar adormecido e alma radiosa e subjugada a todo o encantamento radiado pelo momento, e no final a banda recebera uma glorificante e rumorosa homenagem com direito a demoradas vénias e um ensurdecedor aplauso que parecia não cessar. Essa foi a melhor forma de terminar um concerto verdadeiramente paradisíaco que ultrapassara largamente todas as fronteiras da perfeição. Um concerto de natureza épica que certamente será levado por todos nós pela vida fora. Pois nem o esquecimento se esquecerá de o lembrar.

* Um agradecimento especial à Maria João Ferreira (downclose) pelo registo fotográfico.

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