terça-feira, 14 de agosto de 2018

🌊 SonicBlast Moledo 2018: Dia 1

Expectativas, a chegada e as reverberações veraneias vindas da Piscina
Pela 7ª vez consecutiva obedeci ao chamamento daquela que há muito considero tratar-se a meca ibérica do Doom, Stoner e Psych Rock: o já carismático festival SonicBlast Moledo. Para a presente edição, a organização apresentava uma irresistível ementa sonora não só capaz de agradar a gregos e troianos como de motivar toda uma enchente nunca antes testemunhada na pequena e convidativa freguesia minhota de Moledo (Caminha, Viana do Castelo). O SonicBlast esgotava a bilheteira pelo 3º ano consecutivo, coroando as 2.600 pessoas portadoras do ingresso, mas também deprimindo outras tantas pela impossibilidade de comungarem esta oitava edição do festival. Adivinhava-se, portanto, uma cerimónia de contornos épicos e assim se materializou. No final da manhã de sexta-feira fazia-me à estrada de alma a transbordar de expectativas e olhar incendiado pelo entusiasmo de rever bandas como Causa Sui, Earthless, Kadavar, e Samsara Blues Experiment, bem como estrear-me frente a formações como Purple Hill Witch, Nebula e Naxatras. Assim que cheguei a Moledo, foi-me imediatamente perceptível a azáfama que o SonicBlast provocara nesta simpática localidade costeira beijada pelo oceano Atlântico. E isso foi preponderante para que – pela primeira vez – optasse por ancorar a tenda num parque privativo a poucos metros do recinto do festival, de forma a evitar a extenuante e duradoura procura de um local razoavelmente agradável na intimidade de uma floresta completamente apinhada de campistas. Com isso, queimei várias etapas e consegui entrar no recinto da piscina ainda a tempo de assistir ao capítulo final da fascinante odisseia desértica levada a cabo pelos portugueses Desert’Smoke. Munidos do seu incrível EP de estreia (review aqui) executado em palco de forma irrepreensível, esta jovem banda natural da capital lusitana empoeirou e conquistou toda uma plateia numerosa e ruidosa com o seu místico Heavy Psych de textura alucinógena e propensão espiritual. No recinto secundário da piscina vivia-se uma atmosfera de perfeita simbiose entre a sonoridade exalada do palco e a densa mancha humana que preenchia toda a zona envolvente. Era tempo de beber umas cervejas geladas e desenvolver tertúlias com velhos e novos conhecidos da scene. O Sol transpirava uma bafagem quente combatida pelas refrescantes e revitalizantes brisas sopradas pelo oceano, resultando num clima verdadeiramente agradável. Os portuenses Astrodome subiam a palco para nos levitarem juntamente com eles rumo aos mais enigmáticos domínios do negrume cósmico. E foi com base no seu Heavy Psych de soberba condução jazzística e uma apaixonante ambiência sideral que sulfataram e eterizaram todas as nossas almas com uma inebriante matéria estelar. As cabeças pendulavam à boleia da sua envolvente ritmicidade, as pálpebras desmaiavam e os sorrisos imortalizavam-se no rosto. Os Astrodome criaram e nutriram todo um perfeito deslumbramento celestial ao qual ninguém se recusou comungar. Deles resultara uma das performances mais aplaudidas e elogiadas vividas naquele palco. Seguia-se o exotismo do tridente irlandês Electric Octopus nas asas das suas hipnóticas, eróticas e dançantes jam’s sublimemente climatizadas e governadas por um psicadelismo tribal de mãos dadas com uma provocante e contagiante vibração Funk que nos obrigara a vivenciar toda uma profunda e detida hipnose só interrompida com o desligar dos amplificadores e o relaxar dos instrumentos. O dia começava a perder fulgor dando início ao demorado ritual crepuscular. Era tempo de virar costas ao recinto da piscina e estrear o recinto principal.


Vibrações douradas, noite ensolarada e a Lua maravilhada
Coube aos britânicos Conan a honrosa responsabilidade de inaugurar o palco principal e o público acorreu em massa e celeridade. Mas como havia visto esta formação (no Kristonfest) há cerca de três meses em território Madrileno, optei por obedecer aos chamamentos guturais do meu estômago e jantar na zona do festival dedicada a essa finalidade. Seguiam-se os italianos Ufomammut com o seu enigmático Psych Doom. Este poderoso tridente de instrumentos soterrados no negrume estelar teve o dom de hipnotizar, envolver e levitar toda uma plateia completamente absorvida pela sua xamânica atmosfera. A sonoridade agressiva, possante, instigante e intrusiva violentamente arremessada pelos Ufomammut provocava e norteava todos aqueles corpos temulentos de punhos cerrados e cabelos esvoaçantes. Um perfeito estádio de submissão que nos abraçara e narcotizara ao longo de toda a actuação. Instrumentos ao alto, aplausos ruidosos e os históricos Nebula em palco. Esta carismática formação californiana liderada pelo Eddie Glass trazia consigo toda a experiência resultada de uma carreira do tamanho de duas décadas inteiramente dedicadas ao desértico e poeirento Stoner Rock cozinhado e estreado nos 90’s, e presentearam todos os presentes com um desempenho proporcional às mais elevadas expectativas que lhes eram debitadas. Numa passeata transversal pelo seu historial discográfico, os norte-americanos Nebula comoveram e exaltaram os seus mais fiéis seguidores com a execução de clássicos como “To the Center” e “Smokin’ Woman”. No final sentia-se um envaidecido paladar de quem havia testemunhado uma das bandas mais influentes desta esfera musical.


Quase nove anos depois, tinha finalmente a oportunidade de rever aquela que se perfila como uma das grandes bandas da minha vida: Causa Sui. Os dinamarqueses subiam a palco e o público fervia num crescente entusiasmo. Vivia-se um clima generalizado de total crença em como aquele seria um dos concertos mais impactantes do festival e estávamos todos certos. Assim que ouvidos e imediatamente reconhecidos os primeiros acordes de “Homage”, toda a numerosa plateia mergulhara num estado de profundo e imperturbável transe que subsistiu muito para lá do corpo temporal daquela actuação. Resultante de uma prazerosa conjugação entre um ensolarado, ofuscante, deslumbrante e adocicado Psych Rock e um lenitivo, envolvente, atraente e narrativo Krautrock, a sua sonoridade veraneia – de empolgante condução jazzística – bronzeara, massajara e extasiara todos aqueles a quem as vibrações douradas de Causa Sui alcançavam. Os nossos corpos transpirados serpenteavam-se numa libidinosa, magnética e ostentosa dança, as nossas pálpebras rendiam-se e desmaiavam e o nosso olhar debatia-se para se manter focado no palco, o sorriso era esculpido e eternizado, a nossa alma afagada e bafejada por um suspiro epicurista. Nada nem ninguém conseguia contrariar toda aquela intensa e deslumbrante ataraxia que nos embaciava a lucidez, manuseava os membros e deleitava os sentidos. Causa Sui ao vivo foi verdadeiramente sublime. Num pêndulo que tanto nos enterrava numa doce e relaxante lisergia, como nos detonava de uma intensa e emancipadora euforia, fomos levados a orbitar uma edénica ode de onde não mais saímos. Temas do passado como “El Paraiso” (provavelmente o meu favorito da banda), "Red Valley" e “Soledad” (que preenchera todo um encore desejado e gritado pelo público com toda a fogosidade) elevaram-me a um perfeito estádio de combustão espiritual que me vomitara de encontro às mais distantes costuras do Cosmos interior. No final do concerto estávamos todos atordoados e incrédulos com o que havíamos testemunhado. As pessoas sorriam entre si numa mistura de cumplicidade, assombro e leviandade. Sabíamos que à boleia de Causa Sui havíamos alcançado tudo aquilo que o ser humano mais cobiça no universo musical: o paraíso mental. Concerto de uma vida.


De presença reiterada no alinhamento do SonicBlast Moledo (haviam estado presentes na já longínqua segunda edição, em 2012), os germânicos Samsara Blues Experiment – entretanto transfigurados de quarteto para trio – eram os responsáveis pela próxima ocupação do palco principal, e deles perspetivava-se uma exibição incensurável, capaz de dar continuidade ao arrebatamento em nós causado e deixado pelos Causa Sui. Esta ilustre formação sediada na cidade-capital de Berlim vergou a audiência com os seus poderosos riffs superiormente edificados por uma guitarra vigorosa, possante e majestosa, enegrecidos e tonificados por um baixo de linhas pulsantes, tensas, torneadas e dançantes, empolados e esporeados por uma bateria flamejante, dinâmica e retumbante, e ainda perfumados pela mágica extravagância exalada por um sintetizador de idioma alienígena capaz de nos catapultar na vertiginosa direcção estelar. E se a esta equação ainda acrescentarmos os vocais vistosos, sólidos e melodiosos temos a fórmula acabada de como nos desprendermos da gravidade terrestre e deambularmos pela infinidade espacial. O público revirava os olhos e sacudia a cabeça na instintiva resposta a esta portentosa avalanche decibélica. Samsara Blues Experiment deram um concerto de natureza inatacável, essencialmente sustentado no lado mais Doom’esco do seu tão característico e místico Heavy Blues.

Foi já com a intrigante, cáustica e vibrante ardência Sludgy do insano power-duo alemão Mantar a intensificar o negrume dos céus que vestiam a noite de Moledo, que me dei por derrotado numa delongada batalha contra o cansaço e avancei decidido, mas cambaleante, na direcção da minha tenda. Aquele primeiro dia prometia deixar em mim toda uma ressaca de longa validade, e ainda esta renovada experiência SonicBlast’eana estava apenas no intervalo.

*Fotografias da autoria de Miguel Raimundo

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