Expectativas, a chegada e as reverberações
veraneias vindas da Piscina
Pela 7ª vez consecutiva
obedeci ao chamamento daquela que há muito considero tratar-se a meca ibérica
do Doom, Stoner e Psych Rock: o
já carismático festival SonicBlast
Moledo. Para a presente edição, a organização apresentava uma irresistÃvel
ementa sonora não só capaz de agradar a gregos e troianos como de motivar toda uma
enchente nunca antes testemunhada na pequena e convidativa freguesia minhota de
Moledo (Caminha, Viana do Castelo).
O SonicBlast esgotava a bilheteira pelo
3º ano consecutivo, coroando as 2.600 pessoas portadoras do ingresso, mas
também deprimindo outras tantas pela impossibilidade de comungarem esta oitava
edição do festival. Adivinhava-se, portanto, uma cerimónia de contornos épicos
e assim se materializou. No final da manhã de sexta-feira fazia-me à estrada de
alma a transbordar de expectativas e olhar incendiado pelo entusiasmo de rever
bandas como Causa Sui, Earthless, Kadavar, e Samsara Blues
Experiment, bem como estrear-me frente a formações como Purple Hill Witch, Nebula e Naxatras. Assim
que cheguei a Moledo, foi-me imediatamente perceptÃvel a azáfama que o SonicBlast provocara nesta simpática localidade
costeira beijada pelo oceano Atlântico. E isso foi preponderante para que –
pela primeira vez – optasse por ancorar a tenda num parque privativo a poucos
metros do recinto do festival, de forma a evitar a extenuante e duradoura
procura de um local razoavelmente agradável na intimidade de uma floresta completamente
apinhada de campistas. Com isso, queimei várias etapas e consegui entrar no
recinto da piscina ainda a tempo de assistir ao capÃtulo final da fascinante
odisseia desértica levada a cabo pelos portugueses Desert’Smoke. Munidos do seu incrÃvel EP de estreia (review aqui)
executado em palco de forma irrepreensÃvel, esta jovem banda natural da capital
lusitana empoeirou e conquistou toda uma plateia numerosa e ruidosa com o seu
mÃstico Heavy Psych de textura
alucinógena e propensão espiritual. No recinto secundário da piscina vivia-se
uma atmosfera de perfeita simbiose entre a sonoridade exalada do palco e a
densa mancha humana que preenchia toda a zona envolvente. Era tempo de beber
umas cervejas geladas e desenvolver tertúlias com velhos e novos conhecidos da scene. O Sol transpirava uma bafagem
quente combatida pelas refrescantes e revitalizantes brisas sopradas pelo
oceano, resultando num clima verdadeiramente agradável. Os portuenses Astrodome subiam a palco para nos levitarem
juntamente com eles rumo aos mais enigmáticos domÃnios do negrume cósmico. E
foi com base no seu Heavy Psych de soberba
condução jazzÃstica e uma apaixonante
ambiência sideral que sulfataram e eterizaram todas as nossas almas com uma
inebriante matéria estelar. As cabeças pendulavam à boleia da sua envolvente
ritmicidade, as pálpebras desmaiavam e os sorrisos imortalizavam-se no rosto.
Os Astrodome criaram e nutriram todo
um perfeito deslumbramento celestial ao qual ninguém se recusou comungar. Deles resultara uma
das performances mais aplaudidas e elogiadas vividas naquele palco. Seguia-se o
exotismo do tridente irlandês Electric
Octopus nas asas das suas hipnóticas, eróticas e dançantes jam’s sublimemente climatizadas e
governadas por um psicadelismo tribal de mãos dadas com uma provocante e contagiante vibração
Funk que nos obrigara a vivenciar
toda uma profunda e detida hipnose só interrompida com o desligar dos
amplificadores e o relaxar dos instrumentos. O dia começava a perder fulgor
dando inÃcio ao demorado ritual crepuscular. Era tempo de virar costas ao
recinto da piscina e estrear o recinto principal.
Vibrações douradas, noite ensolarada e a Lua maravilhada
Coube aos britânicos Conan a honrosa responsabilidade de
inaugurar o palco principal e o público acorreu em massa e celeridade. Mas como
havia visto esta formação (no Kristonfest)
há cerca de três meses em território Madrileno, optei por obedecer aos chamamentos
guturais do meu estômago e jantar na zona do festival dedicada a essa
finalidade. Seguiam-se os italianos Ufomammut
com o seu enigmático Psych Doom.
Este poderoso tridente de instrumentos soterrados no negrume estelar teve o dom
de hipnotizar, envolver e levitar toda uma plateia completamente absorvida pela
sua xamânica atmosfera. A sonoridade agressiva, possante, instigante e
intrusiva violentamente arremessada pelos Ufomammut
provocava e norteava todos aqueles corpos temulentos de punhos cerrados e
cabelos esvoaçantes. Um perfeito estádio de submissão que nos abraçara e
narcotizara ao longo de toda a actuação. Instrumentos ao alto, aplausos
ruidosos e os históricos Nebula em
palco. Esta carismática formação californiana liderada pelo Eddie Glass trazia consigo toda a
experiência resultada de uma carreira do tamanho de duas décadas inteiramente dedicadas ao desértico e poeirento Stoner Rock cozinhado e
estreado nos 90’s, e presentearam todos os presentes com um desempenho
proporcional às mais elevadas expectativas que lhes eram debitadas. Numa
passeata transversal pelo seu historial discográfico, os norte-americanos Nebula comoveram e exaltaram os seus mais fiéis seguidores com a
execução de clássicos como “To the
Center” e “Smokin’ Woman”. No
final sentia-se um envaidecido paladar de quem havia testemunhado uma das
bandas mais influentes desta esfera musical.
Quase nove anos depois, tinha finalmente a oportunidade de rever aquela que se
perfila como uma das grandes bandas da minha vida: Causa Sui. Os dinamarqueses subiam a palco e o público fervia num
crescente entusiasmo. Vivia-se um clima generalizado de total crença em como
aquele seria um dos concertos mais impactantes do festival e estávamos todos
certos. Assim que ouvidos e imediatamente reconhecidos os primeiros acordes de “Homage”, toda a numerosa plateia
mergulhara num estado de profundo e imperturbável transe que subsistiu muito
para lá do corpo temporal daquela actuação. Resultante de uma prazerosa
conjugação entre um ensolarado, ofuscante, deslumbrante e adocicado Psych Rock e um lenitivo, envolvente,
atraente e narrativo Krautrock, a
sua sonoridade veraneia – de empolgante condução jazzÃstica – bronzeara, massajara e extasiara todos aqueles a quem
as vibrações douradas de Causa Sui
alcançavam. Os nossos corpos transpirados serpenteavam-se numa libidinosa,
magnética e ostentosa dança, as nossas pálpebras rendiam-se e desmaiavam e o
nosso olhar debatia-se para se manter focado no palco, o sorriso era esculpido
e eternizado, a nossa alma afagada e bafejada por um suspiro epicurista. Nada
nem ninguém conseguia contrariar toda aquela intensa e deslumbrante ataraxia
que nos embaciava a lucidez, manuseava os membros e deleitava os sentidos. Causa Sui ao vivo foi verdadeiramente
sublime. Num pêndulo que tanto nos enterrava numa doce e relaxante lisergia,
como nos detonava de uma intensa e emancipadora euforia, fomos levados a
orbitar uma edénica ode de onde não mais saÃmos. Temas do passado como “El Paraiso” (provavelmente o meu
favorito da banda), "Red Valley" e “Soledad” (que
preenchera todo um encore desejado e
gritado pelo público com toda a fogosidade) elevaram-me a um perfeito estádio
de combustão espiritual que me vomitara de encontro às mais distantes costuras
do Cosmos interior. No final do concerto estávamos todos atordoados e
incrédulos com o que havÃamos testemunhado. As pessoas sorriam entre si numa
mistura de cumplicidade, assombro e leviandade. SabÃamos que à boleia de Causa Sui havÃamos alcançado tudo
aquilo que o ser humano mais cobiça no universo musical: o paraÃso mental. Concerto
de uma vida.
De presença reiterada no
alinhamento do SonicBlast Moledo (haviam
estado presentes na já longÃnqua segunda edição, em 2012), os germânicos Samsara Blues Experiment – entretanto
transfigurados de quarteto para trio – eram os responsáveis pela próxima
ocupação do palco principal, e deles perspetivava-se uma exibição incensurável,
capaz de dar continuidade ao arrebatamento em nós causado e deixado pelos Causa Sui. Esta ilustre formação
sediada na cidade-capital de Berlim
vergou a audiência com os seus poderosos riffs
superiormente edificados por uma guitarra vigorosa, possante e majestosa,
enegrecidos e tonificados por um baixo de linhas pulsantes, tensas, torneadas e
dançantes, empolados e esporeados por uma bateria flamejante, dinâmica e
retumbante, e ainda perfumados pela mágica extravagância exalada por um sintetizador
de idioma alienÃgena capaz de nos catapultar na vertiginosa direcção estelar. E
se a esta equação ainda acrescentarmos os vocais vistosos, sólidos e melodiosos
temos a fórmula acabada de como nos desprendermos da gravidade terrestre e
deambularmos pela infinidade espacial. O público revirava os olhos e sacudia a
cabeça na instintiva resposta a esta portentosa avalanche decibélica. Samsara Blues Experiment deram um
concerto de natureza inatacável, essencialmente sustentado no lado mais Doom’esco do seu tão caracterÃstico e
mÃstico Heavy Blues.
Foi já com a intrigante, cáustica e vibrante ardência Sludgy do insano power-duo alemão Mantar a intensificar o negrume dos céus que vestiam a noite de Moledo, que me dei por derrotado numa delongada batalha contra o cansaço e avancei decidido, mas cambaleante, na direcção da minha tenda. Aquele primeiro dia prometia deixar em mim toda uma ressaca de longa validade, e ainda esta renovada experiência SonicBlast’eana estava apenas no intervalo.
*Fotografias da autoria de Miguel Raimundo
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