Da Polónia – a actual
meca da música Doom – chega-nos o segundo e novo álbum do
quarteto Tortuga. Depois de no inverno de 2017 terem lançado o seu
homónimo álbum de estreia (aqui desconstruído e elogiado), estes polacos
enraizados na cidade de Poznan brindam e prazenteiam agora todos os apaixonados
do género com o inspirador ‘Deities’, um imersivo registo de
perfil conceptual – integralmente inspirado pelo horror fantástico e de ficção-científica
superiormente criado e alimentado pelo admirável, vanguardista e inimitável escritor
norte-americano H. P. Lovecraft – que alavancara a banda para uma crescente
exposição à reputação. Tendo como epicentro um misantrópico, misterioso, brumoso
e narcótico Psych Doom que nos enegrece, entristece e enlameia a alma, a
intrigante, mística, ritualística e hipnotizante sonoridade de ‘Deities’
balanceia-se entre um lamacento, corrosivo, inflamado e musguento Sludge
Metal e um pausado, ácido, reflexivo e inebriado Psych Rock
de propensão e contemplação astral. Numa prodigiosa odisseia espiritual de
atmosferas desiguais, somos tingidos e invadidos por um verdadeiro sortido de
sensações divergentes. E é esta complexa musicalidade testemunhada em ‘Deities’
– detentora de uma incrível capacidade camaleónica de sucessivamente se distanciar
de um género assim que o mesmo é sentido, apaladado e reconhecido pelo ouvinte
para de seguida, numa discreta e progressiva transmutação, se aproximar e camuflar
num outro género completamente contrastado – que faz deste novo registo de Tortuga,
um álbum imensamente fascinante de escoltar e experienciar. De sentidos acordados
somos embarcados numa deslumbrativa hipnose que nos canaliza e eteriza ao longo
dos seus 55 minutos de duração. Na composição desta eclética manifestação estão
duas guitarras dialogantes que se engrandecem à boleia de polposos, arábicos,
prismáticos e poderosos Riffs sorvidos e consumidos pelo erosivo efeito Fuzz,
e se ensoberbecem na orientação de solos cortantes, gélidos, lisérgicos e
esvoaçantes, um baixo soturno de pesada, densa, tensa, magnética e ondeada
reverberação, uma bateria corpulenta de compasso lenta, forte e pesadamente marchado,
e uma voz liderante de tez insípida, inexpressiva e pálida que só no derradeiro
tema se robustece, revolve, incendeia e enfurece. De estender ainda os louvores
ao aparatoso, fabular e pavoroso artwork de natureza Lovecraft’eana
brilhantemente ilustrado pelo já consagrado artista gráfico polaco Rafał Wechter (aka Too Many Skulls). Deixem-se engolir pela assombrosa,
fumarenta, ciclópica e vultosa avalanche sonora de ‘Deities’ e
vivenciem com crescente encantamento uma das mais excepcionais homenagens
musicais dedicadas ao mestre literário Howard Phillips Lovecraft. Não
vai ser nada fácil emergir e acordar das profundezas deste sonho lúcido.
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