É justo começar por confessar
que o meu primeiro encontro com o muitíssimo ansiado novo álbum dos
norte-americanos All Them Witches não tivera em mim o impacto que eu até
então perspectivava, mas havia algo nele que reclamava para si próprio um prolongamento
de paciência e consequente compreensão. E em boa hora não desisti dele, pois o
mesmo acabara por se materializar num daqueles raros casos em que primeiro se estranha,
depois entranha-se e reverencia-se. Com o acumular de frescas e renovadas
audições, ‘Nothing as the Ideal’ foi-se agigantando em mim, e em
mim cimentando a madura convicção de que se trata de um bonito álbum à altura de
uma adorável banda detentora de uma admirável capacidade de se reinventar sem
que a qualidade da sua musicalidade saia beliscada. Lançado na madrugada de
Setembro pela mão da editora independente New West Records através dos
formatos físicos de CD e vinil, este quinto álbum de estúdio da consagrada formação sediada
na cidade de Nashville (capital do estado do Tennessee) ostenta
uma fascinante hibridez que se balanceia entre composições trajadas a uma
singeleza estilística e outras de uma ousada complexidade cerebral. Na fórmula
deste colorido sortido sonoro temos toda uma constante mutação de intensos, apetitosos mas
efémeros paladares que se desprendem e passeiam de um ensolarado, místico, afrodisíaco e
embriagado Psychedelic Rock de mãos dadas a um meditativo, hipnótico e
imersivo Krautrock de propensão astral que em coligação se desenvolvem, inflamam
e revolvem num fibrado, dinâmico e oleado Progressive Metal, a um arenoso,
nirvânico, pacífico e lustroso Country Blues de aura crepuscular que nos
empoeira a alma de uma purificante fragância desértica. Num andar felino que – de
forma cuidada, caprichada e elegante – se equilibra por entre fogosas, troantes e poderosas cavalgadas
de instrumentos em debandada e a todo o vapor que nos sobreaquecem o motor, e
atmosféricas, ociosas e lisérgicas baladas sublimemente dedilhadas a beleza e delicadeza
que nos estarrecem o espírito sedento por experienciar algo assim, ‘Nothing as the Ideal’ recosta o
ouvinte a um etéreo e imperturbável estádio de diluviana ataraxia que lhe
massaja membros e sentidos. Embebidos neste balsâmico néctar, somos levemente
embriagados e canalizados até às praias do transe espiritual. Recentemente
metamorfoseados de quarteto para trio, os All Them Witches conduzem esta
sua nova obra ao volante de uma primorosa guitarra que ruge vigorosos, garridos
fragorosos Riffs e uiva comoventes, histéricos e atordoantes solos, um
baixo pulsante de reverberação fluída, tonificada e dançante, uma bateria enfática
de pratos flamejantes e timbalões acrobáticos, e uma liderante voz de tez açucarada,
melodiosa e aveludada. ‘Nothing as the Ideal’ encerra uma
sedutora, preclara e emancipadora quimera que nos entontece a lucidez e atesta
de uma eufórica e melancólica embriaguez. Um dos melhores álbuns do ano está
aqui, no mais recente rasgo criativo de uma das bandas merecidamente mais respeitadas e estimadas do
momento.
sábado, 28 de novembro de 2020
Review: ⚡ All Them Witches - 'Nothing as the Ideal' (2020) ⚡
★★★★★
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