quinta-feira, 3 de março de 2022

Review: ⚡ Travo - 'Sinking Creation' (2022) ⚡

★★★★

Na primavera de 2019 compunha apaixonadas palavras acerca da muito promissora estreia dos bracarenses Travo (intitulada ‘Ano Luz’ e aqui percorrida), e hoje – na forte ressaca do seu novíssimo álbum em mim deixada – sou novamente impelido a replicar-lhes os mais elevados elogios. Como feliz consequência do seu crescimento meteórico, nasce o irretocável ‘Sinking Creation’ carimbado pela promotora portuguesa Gig.Rocks e lançado através do formato digital e de uma largamente apelativa edição física em CD. Inspirada no livro de ficção científica ‘The Blue World’ – escrito pelo californiano Jack Vance e originalmente lançado em 1966 – que explora as aventuras e desventuras de uma civilização de colonos humanos que habita acima de plantas aquáticas, num mundo integralmente coberto pelo infindável oceano, e onde é periodicamente invadida e salteada por titânicos, míticos e predatórios monstros, esta impactante obra – soberbamente musicada – vem farolizada por um venenoso, eruptivo, corrosivo e lodoso Heavy Psych de altíssima tensão e rotação a fazer imediatamente recordar os electrizantes franceses SLIFT, um viajante, experimental, sideral e atordoante Space Rock de sónico escapismo centrifugado à boa moda Hawkwind’eana, um ritmado, quente, efervescente e apimentado Garage Psych sintonizado na mesma frequência da tríade australiana King Gizzard & the Lizard Wizard, The Murlocs e ORB, e ainda um magnético, esponjoso, contagioso e profético Krautrock de robótico pulsar germânico. A sua sonoridade polposa, nutritiva, criativa e majestosa – que pendula entre turbulentas rajadas de sísmica euforia e reflexivas passagens de aquosa letargia – tanto mergulha o ouvinte num fumarento e borbulhante caldeirão em intensa ebulição, como lhe massaja o cérebro e reconforta o espírito num balsâmico oásis sensorial de clima glacial. De consciência desancorada, encarcerados num febril estádio de embaciado sonambulismo e lucidez naufragada numa caleidoscópica vertigem, somos içados para o fantástico universo de Travo à cativante boleia de letras atemorizantes e instrumentais purificantes. Embarquem nessa quimérica odisseia, brilhantemente capitaneada por duas guitarras psicotrópicas de ciclónicos, motorizados, oleados e catatónicos Riffs – distorcidos pelo fogoso e crepitante efeito Fuzz – de onde são vomitados caóticos, delirantes, derrapantes e exóticos solos, um baixo murmurante de linhas ondeantes, torneadas, insufladas e pulsantes, uma estrepitosa bateria detonada a empolgante, inflamante e redentora explosividade, um mágico sintetizador que sulfata toda a atmosfera do álbum com uma alucinógena fantasmagoria, e ainda uma messiânica voz de tez avinagrada, tremulante, intrigante e esbranquiçada. De destacar ainda o extraordinário artwork – caprichosamente ilustrado pelo artista portuense IMUNE – que, de forma tão fiel, representa tudo aquilo que a catártica musicalidade deste ‘Sinking Creation’ desafoga e agiganta no imaginário de quem a comunga. Este é um álbum verdadeiramente avassalador. Um registo espantoso que me enchera e extravasara as medidas. Não vai ser nada fácil contrariar o imenso favoritismo dos Travo à conquista do título de melhor disco nacional de 2022.

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