terça-feira, 31 de outubro de 2023
segunda-feira, 30 de outubro de 2023
Review: 🥃 Dan's Revival - 'Blues for the People' (2023) 🥃
Depois do auspicioso
álbum de estreia ‘Back on Track’ nascido na Primavera de 2019 (aqui
desconstruído e elogiado), o power-duo transmontano Dan’s Revival
apresenta agora o seu segundo trabalho de longa duração, intitulado ‘Blues
for the People’ e lançado não só em formato digital, como numa ultra-limitada
edição de autor em formato CD. Electrificado e locomovido por um ardente,
ritmado, condimentado e irreverente Blues Rock de atrevida e agitada atitude Garage Rock
e um forte odor vintage, ‘Blues for the People’ representa um admirável salto
olímpico no que ao processo de maturação sonora dos irmãos Esteves diz
respeito. Fruto de uma inquebrável, harmoniosa e adorável simbiose – factor determinante
para o sucesso de uma formação conduzida apenas a duas mãos – este novo registo
do dueto natural da pequena cidade de Mirandela transpira um misto de irresistível
sensualidade, vibrante fogosidade, purificante rusticidade e genuína simplicidade
que não deixará nenhum ouvinte indiferente. De pé martelante, cabeça meneante e
anca baloiçante, embarcamos numa transformadora viagem – de clima veraneio, sem
freio e sentimentos à flor da pele – pelas poeirentas estradas que sulcam as
virgens planícies transmontanas. Uma revitalizante jornada principiada por uma odorosa,
breve e airosa introdução de estética desértica – a fazer recordar o inigualável
Ry Cooder ao volante da trilha sonora para a carismática obra-prima cinematográfica
‘Paris, Texas’ (1984, Wim Wenders) – onde testemunhamos os errantes, ébrios
e enleantes uivos de uma guitarra reflexiva a serem varridos pela brisa e
esbatidos no firmamento crepuscular, mas que depressa é tomada de assalto pela libidinosa
fervura de entusiasmantes galopadas desdobradas a rédeas firmemente empunhadas
e esporas ensanguentadas. Na composição deste mélico e fogoso bourbon que deve
ser comungado sem moderação, é combinada a lascívia de uma guitarra invertebrada
– fervida em arenosa e urticante distorção – que ziguezagueia oleosos,
elásticos e sinuosos riffs e se espreguiça em solos ácidos e efervescentes,
a soltura de uma bateria gingona compenetrada numa batida estimulante,
acrobática e contagiante, e a frescura de uma voz sóbria, límpida e megafónica que
dissemina doutrinas revolucionárias. Neste ‘Blues for the People’ a
irmandade Dan’s Revival dá cor e vigor às amarelecidas melodias Delta-Blues colhidas e trazidas das margens do Rio Mississippi, revestindo-as com uma roupagem
contemporânea de cunho bastante pessoal. Com influências bebidas de referências
clássicas como Robert Johnson, Son House, B.B. King, Muddy
Waters, Taste e ZZ Top, e outras dos tempos que correm tais como
Seasick Steve, The White Stripes, The Picturebooks, The
Black Keys, Left Lane Cruiser e DeWolff, indiscretamente engatilhadas
na palheta e nas baquetas, os Dan’s Revival continuam a dar firmes passos
no seu processo evolutivo que se deseja prolífico e duradouro, e este ‘Blues
for the People’ é, seguramente, um álbum-bandeira que deve ser hasteado com envaidecimento
pela banda mirandelense. É Blues lustroso, fumegante, crocante e cheiroso, de receita revivalista, para o
povo degustar e dançar sem qualquer inibição. Bailem-no até caírem redondos no chão.
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domingo, 29 de outubro de 2023
sábado, 28 de outubro de 2023
sexta-feira, 27 de outubro de 2023
quinta-feira, 26 de outubro de 2023
Review: 👻 Kadabra - 'Umbra' (2023) 👻
Depois de comungado o
impactante álbum de estreia ‘Ultra’ – lançado no Outono de 2021 e aqui desavergonhadamente reverenciado –, o electrizante power-trio Kadabra
apresenta agora o seu segundo trabalho de longa duração, intitulado ‘Umbra’
e editado pela incansável companhia romana Heavy Psych Sounds nos
formatos LP, CD e digital. Se já havia ficado de espírito petrificado e queixo tombado
com a mesmérica feitiçaria que governa toda a intrigante atmosfera do primeiro
álbum produzido por este tridente localizado na cidade norte-americana de Spokane
(Washington), o seu segundo registo replica o efeito. Baseado num enigmático,
sorumbático, ocultista e litúrgico Proto-Doom de negros ecos Black
Sabbath’icos e num pantanoso, magnetizante, delirante e venenoso Heavy
Psych de inflamada toxicidade que mistura influências de Dead Meadow,
Uncle Acid & the Deadbeats e Holy Serpent, este dominante ‘Umbra’
assume a forma de uma mastodôntica, assombrosa e fantasmagórica avalanche que
atropela e sepulta o ouvinte nas profundezas abissais de uma poderosa narcose.
A sua sonoridade de natureza cerimonial, visão celestial e coloração outonal
dilata as nossas pupilas, empalidece o nosso semblante e trava a nossa
respiração numa intensa explosão de indestrutível sedução capaz de nos
mumificar do primeiro ao derradeiro tema. São 47 minutos norteados por possantes
cavalgadas de acrimoniosa fragância tumular que nos escaldam numa vulcânica
euforia, e anestesiantes baladas de miraculosa beleza crepuscular que nos
dissolvem nas pesadas águas da letargia. Esporeado e desdobrado a duas velocidades e dois
pesos, ‘Umbra’ tanto se arrasta vagarosamente pelos nimbosos, mudos e
nebulosos pântanos, como se liberta numa explosiva, vertiginosa e incisiva propulsão
pela boca do Cosmos adentro. Sintam as fortes rajadas psicotrópicas de uma imponente
guitarra – gaseificada a abrasiva distorção – que se agiganta em obesos, coesos
e gordurosos riffs em alta rotação e serpenteia em solos escorregadios, ácidos e
fugidios, a sufocante reverberação de um quente baixo balanceado a linhas fibrosas,
ensombradas e montanhosas, as queimantes chicotadas de uma pujante bateria de
baquetas em chamas a trote de uma ritmicidade alucinante, enérgica e retumbante,
a diáfana brancura radiada pelos vocais andróginos de pele esbranquiçada,
gelada e espectral que nos farolizam e hipnotizam, e ainda os místicos mugidos
de um órgão etéreo que nos deixa a pele arrepiada. Este é um álbum de naturezas
antagónicas, que tanto liberta uma populosa e raivosa manada de búfalos na
nossa direcção, como nos recosta num confortável oásis espiritual de corpo
massajado e sentidos adormecidos. Participem nesta nova e imersiva eucaristia –
superiormente celebrada pelos Kadabra – de preces arremessadas ao
esoterismo, e testemunhem toda a dominação de um dos melhores álbuns brotados
em 2023.
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quarta-feira, 25 de outubro de 2023
terça-feira, 24 de outubro de 2023
segunda-feira, 23 de outubro de 2023
domingo, 22 de outubro de 2023
sábado, 21 de outubro de 2023
sexta-feira, 20 de outubro de 2023
quinta-feira, 19 de outubro de 2023
Review: 🥜 Fuzzy Grass - 'The Revenge of the Blue Nut' (2023) 🥜
Cinco anos
volvidos após o lançamento do seu álbum de estreia ‘1971’, o quarteto
francês Fuzzy Grass está finalmente de regresso com o seu muito
aguardado sucessor. Gravado de forma analógica, denominado ‘The Revenge of the Blue Nut’ e exteriorizado
sob as formas de LP (pela mão da companhia discográfica berlinesa Kozmik
Artifactz), CD (numa edição de autor) e digital, este novo álbum da banda
enraizada na cidade sulista de Toulouse enfeitiça e inflama o ouvinte
com uma electrizante descarga de elegante, fogoso e picante Heavy Blues,
e intoxicante, ciclónico e alucinante Heavy Psych. A sua sonoridade condimentada,
odorosa e inquietante – envelhecida a um amarelecido tom vintage – passeia-se e galanteia-se
por entre misteriosas, caramelizadas, sedutoras e sumptuosas baladas Led
Zeppelin’escas fervidas em lume brando, e estonteantes, selváticas, buliçosas
e extravagantes galopadas trauteadas a alta rotação que nos
atropelam a lucidez e sobreaquecem de embriaguez. Partilhando o ADN de referências clássicas como The Jimi
Hendrix Experience, Rory Gallagher (ao volante de Taste) e os
São Franciscanos Shiver, assim como de outras nascidas em território
contemporâneo como Radio Moscow, JOY e os helvéticos The Dues,
os Fuzzy Grass são um psicotrópico vulcão em salivante erupção que nos banha e escalda sem qualquer moderação. Na composição desta deliciosa bebida
espirituosa gravitam entre si uma liderante voz de ar aristocrático, lírica
romanesca e pele aveludada, hidratada e fresca, uma narcotizante guitarra de
sotaque Jimi Hendrix’eano que se enfurece na dinâmica condução de fulgurantes,
maleáveis e excitantes riffs e enlouquece na sónica libertação de efervescentes,
ácidos e rodopiantes solos que nos desaparafusam a cabeça do tronco, um baloiçante
baixo suavemente murmurado a linhas sombreadas, fluídas e enigmáticas, e uma expressiva bateria desembaraçada
a espalhafatosas, esfuziantes e circenses acrobacias John Bonham’eanas que
nos esporeia e afogueia sem misericórdia. São 39 minutos de flamejante
fascinação que nos atrelam à psicotrópica musicalidade de Fuzzy Grass do
primeiro ao derradeiro tema. Um indomável vendaval de endorfinas que nos balanceia
o corpo e incendeia a alma de uma euforia contida. Provem o mélico, ardente e
aromático trago de ‘The Revenge of the Blue Nut’ e vivenciem de espírito
conquistado e olhar embriagado todo o irresistível fulgor de um registo
intensamente tentador. Um dos mais grandiosos álbuns do ano está aqui, na terna
aspereza, doce amargura, divina diabrura, colorida palidez, fria fervura e boémia
nobreza de Fuzzy Grass.
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quarta-feira, 18 de outubro de 2023
terça-feira, 17 de outubro de 2023
segunda-feira, 16 de outubro de 2023
Review: 🏄 Futuropaco - 'Fortezza di Vetro vol. 1' (2023) 🏄
Cinco anos
depois de lançado o homónimo álbum de estreia, Futuropaco – projecto liderado a solo pelo talentoso multi-instrumentista californiano Justin Pinkerton – apresenta
agora o seu segundo trabalho de estúdio intitulado ‘Fortezza
di Vetro volume 1’ e editado pela insuspeita companhia discográfica
dinamarquesa El Paraiso Records através dos formatos LP, CD e digital.
Esta suculenta primeira parte da sessão que promete prosseguir prazenteia o ouvinte com um sumarento cocktail
sonoro de onde se apalada e saboreia um dançante, magnético, exótico e
contagiante Afrobeat de suor latino em erótica simbiose com um serpenteante,
carnavalesco, caleidoscópico e deslumbrante Psychedelic Rock de doce sabor
tropical. A sua musicalidade lustrosa, tribalista, epicurista e melosa –
inesgotável fonte de vitamina D e aspergida pela salgada brisa oceânica –
remete-nos para as paradisíacas praias havaianas nos dourados anos 60 onde
aventureiros surfistas de cabelos loiros e pele bronzeada golpeiam as grandiosas
e espumosas ondas de um mar azul-turquesa debaixo de um reluzente Sol de bafo
quente. Um verdadeiro oásis sensorial – de clima estival – que nos massaja o
corpo e a mente ao longo dos seus multicoloridos 38 minutos de duração. Das veraneias
praias do Pacífico Norte aos céus crepusculares da velha Pérsia, viajamos ao
sabor de Futuropaco, sublimados e aureolados por um vistoso arco-íris de
boas vibrações. Libertos de qualquer inibição e embalados no radioso, libidinoso
e irresistível groove – soberbamente musicado por uma guitarra sultana de
faustosa caligrafia árabe que se envaidece num afrodisíaco ziguezaguear, um baixo
elástico de linhas grossas e oleosas, uma bateria funky de absorventes ritmos
tribais, e um mesmérico sintetizador de serpenteios banhados num condimentado misticismo
trazido do Médio Oriente – bailamos de cabeça meneante, olhos selados e dentes
cravados no lábio inferior os nove temas que compõem esta delícia de álbum. ‘Fortezza
di Vetro volume 1’ é um registo infinitamente fascinante que cruza mares de brilho diamantino e
desertos de fervura religiosa. Uma enfeitiçante dança do ventre, irrepreensivelmente coreografada por
instrumentos invertebrados que se enlaçam e desenlaçam em esponjosas, jubilosas
e movediças harmonias capazes de purificar, colorir e entusiasmar o mais melancólico e pedrogoso dos corações. Um autêntico parque de diversões que não deixará ninguém de mãos nos bolsos. Bronzeiem-se e relaxem nas solarengas praias de Futuropaco, e experienciem
todo o mágico esplendor de um álbum oxigenado a pura ataraxia. Vai ser
demasiado fácil reencontrá-lo por entre os mais medalhados discos de 2023.
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sábado, 14 de outubro de 2023
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
quinta-feira, 12 de outubro de 2023
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Review: 🌌 Zone Six - 'Full Mental Jacket' (2023) 🌌
Com mais de 25
anos de existência e quase 30 registos lançados, os cosmonautas germânicos Zone
Six prosseguem a sua aventurosa indagação espacial com um novo capítulo
intitulado ‘Full Mental Jacket’ e editado pelo insuspeito selo alemão Sulatron
Records através dos formatos físicos de LP (limitado a 500 cópias) e CD
(limitado a 300 cópias). De satélites apontados a um experimental, delirante e celestial
Space Rock de propulsão sónica à la Hawkwind, um alucinante, etéreo
e intoxicante Psychedelic Rock de colorida acidez, e um hipnótico,
enfeitiçante e galopante Krautrock cadenciado à boa moda germânica, este
fascinante tridente desenrola narcotizantes, intuitivas, evolutivas e
deslumbrantes jams de essência instrumental, capazes de desenraizar a
consciência terrestre do ouvinte e içá-la rumo às infinitas profundezas do
Cosmos. São três longas faixas – condimentadas a um caleidoscópico psicadelismo
e bronzeadas a um esotérico misticismo – que nos mumificam numa inescapável
teia sonora. De pupilas dilatadas, sonâmbulos, embriagados e de espírito desamarrado,
levitamos na vertiginosa direcção dos astros pulsantes e gravitamos em torno de
um inapagável estádio de pleno transe. Num constante baloiçar entre a vulcânica
efervescência e a gélida dormência, driblamos o abraço gravitacional dos solitários
planetas que se revelam no horizonte, penetramos a labiríntica e poeirenta
malha de fantasmagóricas nebulosas que vagueiam livremente pela vacuidade cósmica,
sobreaquecemos quando atravessamos as incandescentes fornalhas estelares que flagram
na pretura sideral, e escorregamos a toda a velocidade pelo interior dos
buracos negros que distorcem as coordenadas do espaço-tempo. Engolidos por uma
poderosa hipnose, tricotada por padrões repetitivos que se encavalitam entre si
e orientada por uma guitarra messiânica de riffs exóticos e solos desvairados
que nos mergulha num caótico e borbulhante psicadelismo, um baixo viçoso de linhas elásticas
de nos obrigam a sussurrá-las, uma bateria estimulante de trote tribalista que
nos liberta numa compenetrada dança corporal, ritualísticos teclados que nos fazem
comungar toda uma enigmática liturgia astral, um sintetizador de idioma alienígena
que nos descarrila a lucidez com recurso a toda uma estonteante profusão de
experimentalismo quimérico, e ainda um contemplativo saxofone de sedutora ambiência
“noir” e uivos melancólicos que ecoam pela eterna noite cósmica. De
velas içadas ao sabor dos etéreos ventos de Zone Six, somos conduzidos a
zonas do Universo nunca antes exploradas. São 40 minutos de um intenso
encantamento. Uma fantástica odisseia que nos viaja ao lado mais obscuro do
espaço. ‘Full Mental Jacket’ é – muito provavelmente – o meu álbum
favorito destes alemães que desde 1997 apontam os seus instrumentos ao lado
eclipsado da Lua. Um registo esponjoso, ébrio e nebuloso que assume os
controlos da nossa espiritualidade e a (e)leva ao trono do Nirvana. Não vai ser
fácil – ou sequer desejado – acordar disto.
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terça-feira, 10 de outubro de 2023
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
Review: 🌈 The Bures Band - 'Birds Nest' (2023) 🌈
Da cidade
costeira de Perth – capital da Austrália ocidental – chega-nos ‘Birds
Nest’, o apaixonante álbum de estreia de The Bures Band, editado a
três mãos pelas companhias discográficas Cardinal Fuzz (encarregue da
distribuição na Europa e Reino Unido), Echodelick Records (responsável
pela distribuição nos EUA) e We, Here & Now (a operar a distribuição
no Canadá) em formato vinil. Nidificado nos folhentos ramos de clássicas influências como Creedence
Clearwater Revival, Canned Heat, Crosby, Stills, Nash & Young,
Grateful Dead e Relatively Clean Rivers, este primeiro álbum do
jovem quinteto australiano, que faz do passado o seu presente e – espero eu –
futuro, passeia-se livre e harmoniosamente pelas verdejantes e arejadas planícies
de um odoroso, rústico, bucólico e radioso Folk Rock de clima primaveril,
pelos arenosos e bronzeados desertos de um caseiro, idílico, jovial e aventureiro Country Rock de moldura Western,
e ainda pelas edénicas praias de um rural, meloso, lustroso e estival Psychedelic
Rock de brilho west-coast e coloração caleidoscópica. A sua
sonoridade enternecedora, leve, relaxante e sonhadora, produzida de forma
analógica e tingida a doce nostalgia, convida-nos a observar – através de um
filtro sépia no velho formato cinematográfico de 16 mm – todo o seráfico
esplendor da natureza virginal, sobrevoando ajardinados campos estriados por
marulhantes riachos de águas refrescantes e cantarolados pelo alegre chilrear
dos pássaros, tapetes de areia dourada que se distendem por entre rochas
argilosas e imponentes cactos que se espreguiçam na direcção dos céus
desanuviados, e toda a incomensurável vastidão de um oceano de tintura
azul-turquesa, suspiros salgados, fragância pelágica e gaivotas grasnantes. Um
paraíso naturista, de beleza intimista e aura revivalista, soberbamente musicado
por três guitarras que se entrançam e florescem acordes harmoniosos, agradáveis
e deleitosos, um baixo de swing dançante, morno e ondeante, uma bateria de
galope simplista, simétrico e estimulante, uma flauta de serpenteados,
aveludados e romanescos sopros, e vocais sedosos, melodiosos e joviais. De
sorriso desabrochado no rosto, olhar pavimentado por uma imperturbável expressão
sonhadora, cabeça baloiçante e ombros saltitantes vivenciamos uma sensação de
pleno bem-estar que em nós habita do primeiro ao derradeiro tema. São 38 minutos
farolizados por uma candura que nos seduz e conduz a uma nirvânica época de amor
e paz. ‘Birds Nest’ é um álbum verdadeiramente encantador, detentor de
um carisma vintage que me conquistara sem demoras. Um vistoso arco-íris de boas
sensações. Deixem-se cortejar pela pureza, doçura e gentileza de The Bures
Band, e inspirem toda a beatitude sonora de um dos meus registos favoritos
do ano. Quero viver neste álbum para sempre.
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domingo, 8 de outubro de 2023
sexta-feira, 6 de outubro de 2023
quinta-feira, 5 de outubro de 2023
Review: ⚓ Graveyard - '6' (2023) ⚓
Devo começar
por confessar que sempre que a produção de um novo álbum de Graveyard é
noticiada, desejo secretamente que a mesma esteja a ser tricotada com as mesmas
linhas que desenharam e trajaram o primeiro álbum (que é, de longe, o meu
favorito) da consagrada banda sueca, mas essa expectativa tem sido continuamente
defraudada desde o lançamento do seu terceiro álbum ‘Lights Out’ de
2012. Por isso, os cinco degraus discográficos de Graveyard têm representado
– para mim – uma escadaria que percorro no sentido descendente (no que ao meu
grau de satisfação nutrida pelos escandinavos diz respeito). Depois de um
período de cinco anos de jejum – que se seguira após o álbum ‘Peace’ de
2018 – os Graveyard regressam agora com um novíssimo álbum debaixo do
braço (mais concretamente, e como o respectivo título assim sugere, o seu sexto
registo de longa duração), publicado pela mão da poderosa companhia
discográfica germânica Nuclear Blast nos formatos físicos de LP e CD. Já
um tanto órfão da moribunda esperança de ver Graveyard dar continuidade
à quente, áspera e atraente sonoridade do seu irretocável registo homónimo de intrigantes
ares Witchcraft’eanos e, de certa forma, até conformado com essa tendência aparentemente irreversível, embarquei, sem bússola e de velas içadas ao
sabor do vento, nas grisalhas e encaracoladas águas de ‘6’ de mente completamente
desanuviada, disposto a absorver tudo aquilo que esta obra tem a dizer. E se
depois de uma primeira audição senti haver ali algo que não me permitia
desistir dele, com o acumular de renovadas explorações esse sentimento de apego
foi amadurecendo e crescendo, culminando no exacto momento em que redijo estas sinceras
e enamoradas palavras a ele dedicadas. Pendulando entre chuvosas, ternas e lamentosas
baladas – delineadas a um inefável requinte que nos respira e condimentadas a
uma permeabilidade emocional – que afagam o nosso desgosto e devem ser
comungadas para lá do Sol posto, e ritmadas, curtas e apimentadas galopadas que
fervilham em lume brando e nos surpreendem pela ousadia de perturbar aquele
anestésico estado de etérea bonança que governa a maior fatia do seu espaço temporal, ‘6’
é um apaixonante registo de feições adultas e vestes outonais que ostenta o
melhor lado daquele que considero ser o lado menos apelativo de Graveyard.
É o agasalho perfeito para noites frias, melancólicas, de olhar nostálgico e
ouvidos acordados pelo uivo da coruja. A sua sonoridade trovadora, refinada,
caramelizada e conquistadora, por onde escorrem sentimentos genuínos que contagiam
os nossos, passeia-se livre e graciosamente pelos meandros de um elegante,
nocturno e aconchegante Blues Rock de roupagem clássica, um acalorado, odoroso
e torneado Hard Rock de moldura vintage e até de um deslumbrante,
lascivo e purificante Soul de luzência seráfica. De personalidade
bipolar, onde de um lado é mostrada a suavidade, doçura e ligeireza, e do outro
a rugosidade, amargura e diabrura, ‘6’ floresce e colora bonitas
composições sulcadas por duas guitarras de tonalidade quente que se entrelaçam
em acordes bailantes, majestosos e cativantes, e desenlaçam em solos esguios, serpenteantes
e luzidios, um baixo movediço de pulsação estética, magnética e ondeante, uma deliciosa
bateria – acrobática e expressiva – de tambores galopantes e pratos flamejantes,
um garboso piano de teclas saltitantes, melodiosas e tocantes, e liderantes vocais
tanto felinos, fogosos e urticantes, como límpidos, amaciados e melosos. Este é
álbum adornado a primor que vive do detalhe e da sensibilidade. Um registo que
mistura sorrisos e lágrimas, detentor de uma secreta beleza que só com o
acumular de variadas audições se descobre e apalada por inteiro. Uma obra que
nasce do lado mais romancista, reflexivo e intimista de Graveyard, reside
na penumbra, e deixa no lado lunar do ouvinte pequenos rastilhos de luz e esperança.
Este é o mais franco testemunho de quem acaba de ser reconquistado por uma
banda que outrora tudo lhe deu e daqui em diante – acredito – continuará a dar.
Um dos álbuns mais enternecedores do ano está aqui. Refugiem-se nele.
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quarta-feira, 4 de outubro de 2023
terça-feira, 3 de outubro de 2023
Review: 🔥 Cloud Catcher - 'Return from the Cauldron' (2023) 🔥
Da histórica cidade
de Denver – capital do Colorado, EUA – chega-nos ‘Return
from the Cauldron’, o novíssimo álbum dos cowboys Cloud Catcher, editado
com o carimbo autoral nos formatos LP e digital. De esporas ensanguentadas,
rédeas firmemente empunhadas e coldre desapertado, este electrizante power-trio
cavalga furiosa e impiedosamente pelos territórios do fogoso, alucinante, trepidante
e poderoso Heavy Metal forjado nos anos 80 e que nos remete para os
primórdios de Iron Maiden e Metallica, do musculado, fibroso, glorioso e lubrificado Hard
Rock locomovido à boa moda de Spirit Caravan, e do enfeitiçante,
esotérico, maléfico e intrigante Proto-Doom de intimidantes ecos Black
Sabbath’icos. A sua sonoridade intensamente abrasiva, efervescente,
erodente e altiva tem o dom de capturar, inflamar e espevitar o ouvinte, obrigando-o a
cerrar os maxilares, rebaixar as pálpebras, rodopiar a cabeça e hastear os
punhos cerrados ao alto. Uma galopada infernal, desdobrada a alta rotação, pelas
sépias e poeirentas estradas do ensolarado velho oeste que estriam o deserto. Com
o doce aroma do bourbon alojado na boca, narinas dilatas a aspirar o forte odor
da pólvora, olhar fulminante e o coração em chamas, ingressamos nesta transpirada,
alucinante e desenfreada correria à vertiginosa, electrizante e sinuosa boleia
sonora de Cloud Catcher. Afogueado por uma guitarra vulcânica de
flexuosos, urticantes, resinosos e montanhosos riffs que desaguam em
solos escorregadios, ácidos, desvairados e fugidios, metralhado por uma incansável
bateria vergastada a ritmicidade esmagadora, explosiva, incisiva e libertadora,
sombreado por um despótico baixo de bafo nervudo, sísmico, asfixiante e sisudo,
e capitaneado por uma vistosa voz de tez rugosa, rouquenha, jupiteriana e
harmoniosa, ‘Return from the Cauldron’ é um titânico ciclone que nos
enlouquece e abastece de pura adrenalina. Um indomável e selvático rolo
compressor que tudo varre à sua frente. É impossível enfrentar o
todo-o-poderoso Riff de Cloud Catcher e sair vitorioso do duelo. São
44 minutos sovados e chamuscados por este inesgotável lança-chamas. Banhem-se na
incandescente lava deste fumacento e revoltoso caldeirão em borbulhante erupção,
e vivenciem com total entrega e comoção um dos álbuns mais euforizantes do ano.
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