sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Review: 🧞 Mohama Saz - 'Máquina de Guerra' (2024) 🧞

★★★★

Dificilmente este novo ano poderia ter principiado de forma mais auspiciosa. O apaixonante tridente espanhol Mohama Saz acaba de me surpreender e embevecer com o lançamento-relâmpago do seu tão aguardado quinto trabalho de longa duração, denominado ‘Máquina de Guerra’ e integralmente descortinado hoje mesmo através dos formatos digital e LP (este último ultra-limitado a uma prensagem de apenas 300 cópias disponíveis) com o carimbo da editora YaiYai Records. Estes três califas madrilenos de luxuriantes túnicas islâmicas chegam assim a uma mão cheia de álbuns e insuflam o meu férreo desejo de os vivenciar pela primeiríssima vez ao vivo. Usando o mesmo novelo com que os seus antecessores foram tricotados, ‘Máquina de Guerra’ presenteia o ouvinte com um vibrante, ofuscante e multicolorido bazar de sonoridades exóticas onde facilmente reconhecemos e degustamos um ensolarado, matizado e cerimonial Psychedelic Rock de temperos mediterrânicos, um caleidoscópico, magnético e celestial Krautrock de descendência germânica, um enfeitiçante, bailante e requintado Flamenco de sotaque andaluz, e ainda um quente, mexediço e contagiante World Music de atraente fragância anatólia. Toda esta apaladada amálgama musical de incontáveis ingredientes remexidos e coligados resulta numa irresistível iguaria de consagração deífica que nos seduz, banha de uma intensa luzência trigueira, promove a deserção da consciência pelas eternas planuras da religiosidade, e conduz a um perfeito estádio de transe espiritual. Em posição de lótus e viajados acima de um tapete mágico, sobrevoamos toda uma azáfama mercantil e driblamos os minaretes das mesquitas que riscam os rosados céus crepusculares da velha Pérsia. Com influências subtraídas a referências como Erkin Koray, Orchestra of Spheres, Sun Ra, Triana, Las Grecas, Neu!, Tinariwen, Goat e Blaak Heat, os espanhóis Mohama Saz farolizam todos os seus ouvintes numa sagrada peregrinação de corações submersos em fé inabalável e toda uma devoção ao Sol poente. De pés descalços sobre as acetinadas, mornas e bronzeadas areias do deserto, olhos selados e braços hasteados na vertiginosa direcção dos límpidos céus, agitamos os nossos corpos transpirados numa compenetrada dança – locomovida a imperturbável hipnose – à estimulante boleia dos eróticos serpenteios de uma louvável baglama eléctrica que floresce copiosas, faustosas e excêntricas melodias de vistosa caligrafia árabe e doce aroma turco, dos reverberantes murmúrios de um baixo pulsante, hipnótico e ondeante, dos ritmos tribais de uma bateria cativante, primitiva e excitante, dos luminosos, níveos e formosos vocais – aureolados por uma graça messiânica – que lideram esta transformadora excursão pelos desfiladeiros da alma, e das misteriosas sirenes que ressoam e ecoam dos quiméricos sintetizadores, desamarram-nos da gravidade terrestre e catapultam-nos para um deslumbrante escapismo cósmico. A bonita ilustração onde múltiplos pássaros negros esvoaçam numa caótica dança orbital ao redor de um Sol ruborizado pertence ao pintor espanhol Oscar Rey. ‘Máquina de Guerra’ é uma nirvânica liturgia que em nós perpetua toda uma sensação de pleno bem-estar e uma eufórica dormência impossível de perturbar. Um álbum amarelecido por um misticismo arenoso que nos levita e gravita em torno do êxtase religioso. Uma paradisíaca bênção onde ninguém se recusará comungar. O génio fora da lâmpada.

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