sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Review: ✌️ SonicBlast 2025 ✌️

Sobrevoada de perto por uma fresca, húmida e acinzentada névoa com salgado aroma a mar – que fazia suspirar de alívio todos aqueles que se deslocaram até à revitalizante costa minhota provenientes do quente e irrespirável interior do país tão fustigado pelos incêndios florestais –, sombreada pelo fatídico e repentino desaparecimento de Ozzy Osbourne que impactara o mundo da música, bem como pela comovente despedida dos palcos dos seus lendários Black Sabbath – como era evidente no vistoso outdoor de grandes dimensões colocado à entrada do recinto, na banda sonora do festival e nas projecções do palco principal –, a 13ª edição do todo-poderoso SonicBlast estava, assim, inaugurada. Incontáveis peregrinos musicais – oriundos dos mais diversos países do globo terrestre – chegavam ao solo sagrado da pequena freguesia de Âncora – pavimentado pelas douradas areias da Praia da Duna do Caldeirão – sedentos por vivenciar uma renovada e memorável experiência sonora que só este festival consegue oferecer. Adivinhava-se lotação esgotada (que se viria a confirmar) e sentia-se uma palpável atmosfera de irmandade, harmonia e comunhão que interligava os milhares de festivaleiros que se cruzavam entre si, respirando e transpirando cumplicidade. Estávamos todos, finalmente, onde verdadeiramente queríamos estar.

Mergulhados na sopa ácida de Spoon Benders (dia 1)

Importados da cidade de Portland (Oregon, EUA), o exótico quarteto norte-americano Spoon Benders era(-me) um dos principais focos de interesse do dia inaugural do festival. Frente a uma plateia ainda muito fragmentada e reservada, esta banda não demorou a despir o público de timidez e brindar todos os presentes com a sua sonoridade irreverente e camaleónica, repleta de curvas e contracurvas, acelerações alucinantes e travagens bruscas. Apesar de algumas deficiências técnicas terem prejudicado a qualidade do seu som (tornando-o pouco definido e muito esbatido), os Spoon Benders agarraram no seu tridente sonoro – composto por um esponjoso, sedutor e misterioso Alternative Rock, um ritmado, ardente e apressado Garage Rock e um delirante, caleidoscópico e provocante Psychedelic Rock – e espicaçaram-nos naquela arejada tarde de Sol mumificado pelas baixas e grisalhas nuvens. Despretensiosos, venenosos, enérgicos, alucinógenos e ocasionalmente caóticos, estes rebeldes de atitude insubordinada impuseram-se com a amarga vivacidade das suas vozes, a fogosa acidez das suas guitarras, o inquebrável nervo do seu baixo e a violenta pujança da bateria. Uma irreverência aparatosa que flagra no cruzamento entre The Smashing Pumpkins, The Dead Weather e Fuzz. Foi um concerto morno, musicado por temas desiguais, mas que, ainda assim, teve a capacidade de cativar e convencer a ficar muitos dos festivaleiros que por ali passavam de ouvidos curiosos. 

À deriva no escaldante deserto de Slomosa (dia 1)

Os noruegueses Slomosa pisavam as dunas do SonicBlast pela segunda vez e colhiam para si a maior fatia do entusiasmo dedicado por parte do público às propostas musicais levadas a palco naquela primeira tarde do festival. De copos de cerveja baloiçante empunhados, olhar em chamas, ancorado no palco principal e empolgados clamores de encorajamento ao quarteto nórdico, depressa fomos atingidos e varridos por uma escaldante, selvática, monolítica e dominante avalanche de pura adrenalina, acordada e inflamada pelo musculado, afrodisíaco, sísmico e apimentado Desert Rock deste pujante quarteto que, decerto, depois desta triunfante performance vira crescer substancialmente a sua já populosa horda de fãs. A densa, excitada e vibrante plateia – completamente rendida à incisiva, quente e eruptiva sonoridade de Slomosa – comportava-se como podia perante toda aquela intensa combustão que as colunas rugiam na sua direcção. O impacto foi imediato e generalizado: uma titânica e contagiante onda de calor (e suor) que bronzeou a nossa pele, derreteu o nosso rosto e causou no nosso peito a deflagração de uma imensa chama só extinta quando os instrumentos se calaram. Todos dançávamos à estimulante boleia de duas guitarras vulcânicas de cativantes, sinuosos, calorosos e viciantes riffs – flamejados pela arenosa crocância do efeito fuzz –, um baixo possante de bafo encorpado, fibroso, rugoso e sombreado, uma bateria explosiva de ritmos troantes, vigorosos e galopantes, e uma voz liderante de pele pálida, fria e azedada que contrasta na perfeição com a diabólica ebulição do instrumental. Slomosa foram demolidores, potentes e conquistadores. Implacáveis na arte de nos saquear e embriagar de uma exaltada sensação de pleno bem-estar. Um trago queimante e urticante de velho whiskey fermentado pelos amplificadores em chamas que nos alcoolizara e inflamara do primeiro ao derradeiro tema.


Earthless à conquista do Universo (dia 1)

Aureolados por uma fresca e húmida bruma fantasmagórica que empalidecia a já desmaiada luz de um Sol distante e embriagado que começava a fraquejar às mãos da noite, o eletrizante power-trio californiano subia a palco debaixo de um ruidoso aplauso, e eu suspirava de ansiosa emoção antevendo a tão publicitada promessa deixada pela histórica banda de San Diego de um concerto comemorativo do 20º aniversário do seu impactante álbum de estreia ‘Sonic Prayer’ onde iria executá-lo na íntegra. Essa garantia deixou-me a salivar durante meses e com a real expectativa de vivenciar uma performance muito semelhante àquela experienciada por mim no já longínquo verão espanhol de 2009 quando assistira a Earthless pela primeiríssima vez (seguir-se-iam mais sete concertos). Mas essa esperança começou a descolorar assim que reconheci os primeiros acordes do tema inicial “Uluru Rock” e acabou mesmo por ruir com as apostas seguintes “From the Ages” e “Death to the Red Sun”. Três temas que habitam uma galáxia bem distante de ‘Sonic Prayer’. Mas admito que depois de ter superado – com muito esforço, devo confessar – essa tremenda desilusão, foi tão fácil deixar-me levar pelos imersivo psicadelismo cósmico de Earthless, desenraizando os pés da gravidade terrestre, banhando o meu olhar de poeira estelar e catapultando a minha consciência para a incomensurável vacuidade da eterna noite cósmica, driblando o abraço gravitacional de velhos e solitários astros que florescem no horizonte, montando cometas que rasgam a acetinada malha sideral e penetrando coloridas e fantasmagóricas nebulosas que vagueiam sem rumo pelas ruas das trevas ultraterrestres. Uma irrepreensível exibição de uma banda que toca as fronteiras da perfeição. A plateia de corpos baloiçantes, pálpebras tombadas e cabeças rodopiantes perdia-se no inescapável labirinto giratório sem saída de emergência dos incontáveis, ziguezagueantes, berrantes e impossíveis solos que desafiam a compreensão humana, desatados pelo virtuoso Isaiah Mitchell (indubitavelmente um dos guitarristas mais talentosos da actualidade) que maltratava e exorcizava a sua psicotrópica guitarra numa expurgação sónica e um louco e imparável enxame de múltiplos gritos orgásmicos que se encavalitavam e atropelavam, capazes de nos subtrair toda a lucidez e saturar de uma nevoenta embriaguez, agasalhava-se na pesada, magnetizante e repetitiva reverberação bafejada pelo baixo de Mike Eginton que nunca perdia o Riff-base de vista, e eriçava-se à vertiginosa, poderosa e alucinante cadência rítmica do endiabrado Mario Rubalcaba que parecia ter as baquetas em chamas. O final acabaria por ter contornos de consumada apoteose ao assistirmos – surpresos – à interpretação da “Rat Salad” (cover de Black Sabbath) pelos galácticos Earthless com recurso aos seus infindáveis temperos alienígenas.

Fu Manchu’s Pro Skater (dia 1)

Seguia-se uma das bandas mais reclamadas pelos fiéis discípulos do SonicBlast e o crescente entusiasmo que se sentia na multidão que lotava o recinto do festival era transversal a todos os presentes, palpável e difícil de conter. Foi às doze badaladas que, confrontados com um apoio eufórico e ensurdecedor, os emblemáticos Fu Manchu – 15 anos após a sua última visita a Portugal – subiram a palco saudando todo aquele imenso e revolto mar de gente tão ansiosa por vivenciar algo assim. Eu havia visto Fu Manchu ao vivo no já distante ano de 2010 (Santiago Alquimista, Lisboa) mas o meu coração comportava-se como se da primeira vez se tratasse. A clássica turma californiana, precursora do Stoner Rock, depressa remodelou todo o recinto do SonicBlast, fazendo deste um autêntico skatepark de Venice e Santa Monica nos 70s onde brilharam verdadeiros astros desse desporto radical como Tony Alva, Jay Adams e Stacy Peralta. A loucura instaurou-se desde os acordes viçosos, agitados e polposos da incendiária “Pigeon Toe” que servira de introdução a esta intensa combustão de adrenalina e só conhecera um travão quando os instrumentos foram devolvidos ao descanso após a derradeira faixa “Saturn III” (uma das mais aplaudidas da noite). Pelo meio viveu-se um inesquecível frenesim de cabelos esvoaçantes promovido e musicado por velhos temas da banda – como “Evil Eye”, “Hell On Wheels”, “Mongoose”, “Laserbl’ast”, “California Crossing”, “Eatin’ Dust”, “Superbird” e “King of the Road” – onde diversos corpos deitados e suados eram levados de mãos em mãos pela turbulenta ondulação humana não dando qualquer descanso aos seguranças que vigiavam o gradeamento frontal. Histéricos formigueiros de festivaleiros que extravasavam toda a sua energia rodopiando freneticamente numa enlouquecedora espiral por entre a numerosa plateia que vivia como podia toda aquela emoção. Aqueles rolantes, lubrificados, encaracolados e excitantes Riffs com um forte cheiro a borracha queimada faziam-nos disparar pela vertigem dos céus, resvalando nas costuras fronteiriças do Cosmos e surfando os anéis de Saturno. No final abandonaram o palco com os instrumentos empunhados ao alto, vénias, debaixo de uma ovação monumental e banhados pela relampejante luzência que coroava todo aquele clímax. Os Fu Manchu presentearam-nos com uma performance verdadeiramente demolidora, merecedora do título de melhor actuação daquele primeiro dia, que jamais será esquecida pelos milhares que a experienciaram.

Um chamejante Asteróide chamado Heavy Trip (dia 1)

Devo começar por antecipar que era deste electrizante tridente ofensivo canadiano um dos concertos por mim mais aguardados da 13ª edição do SonicBlast. São hoje uma banda amiga, uma das minhas predilectas, e, por isso, foi-me um orgulho tê-los ajudado a pisar o palco do festival. Companheiros de viagem de Earthless na presente tour conjunta, os Heavy Trip traziam na bagagem o seu alucinógeno álbum de estreia (aqui revisto e idolatrado), bem como o seu mais recente disco ‘Liquid Planet’ (aqui trazido e imoderadamente elogiado) que viria a merecer mesmo da minha parte o tão cobiçado prémio de melhor álbum do ano em 2024. Alimentados por um trepidante, virulento, violento e mirabolante Heavy Psych de longas e ácidas jams instrumentais que se enegrecem, enrijecem e demoram nos nimbosos, obscuros e trevosos pântanos de um montanhoso, vagaroso, rugoso e carregado Psychedelic Doom de feições sisudas e hostis, o palco 3 do SonicBlast foi engolido por uma tempestade de areia e poeira provocada pela buliçosa plateia que ardia em êxtase com a eruptiva sonoridade deste potente power-trio domiciliado na cidade canadiana de Vancouver. Uma overdose de histéricos, efervescentes, ziguezagueantes em sónicos solos vomitados por uma guitarra endiabrada de pesados ecos Black Sabbath’icos, um tirânico baixo de linhas pesadas, tensas, densas e empapadas e uma bateria bombástica de ritmos agressivos, incisivos e belicosos. Fomos todos levados por este avassalador vendaval de endorfinas e no final deixados de mãos apoiadas nos joelhos, combalidos e esgotados. O primeiro dia estava, assim, encerrado com chave de ouro.

O aconchegante lado lunar de Emma Ruth Rundle (dia 2)

Num registo provavelmente inédito na história do SonicBlast, a célebre cantautora americana Emma Ruth Rundle entrava em cena, de olhar envergonhado e semblante tombado, e sentava-se, sozinha e desprotegida, no centro do grande palco principal apenas na companhia da sua trovadora guitarra semi-acústica. Do público expectante soltavam-se aplausos e alguns gritos encorajadores que arrancavam os primeiros sorrisos da artista e acordavam o seu olhar para avistar pela primeira vez toda a imensidão de gente que se havia reunido para assistir de perto ao seu melancólico, reflexivo, imersivo e bucólico Folk que iria casar tão bem com aquele clima outonal que ainda vigiava de perto o festival naquele final de tarde. Aos primeiros acordes todo aquele auditório mergulhara num imperturbável estádio de forte sedação e doce sedução que o levara para as profundezas abissais da introspecção. Uma viagem solitária que cada um de nós trilhou pelo lado eclipsado das emoções, comungando os lamentos tão tocantes e sinceros que a voz afinada, meiga, vítrea e delicada da Emma Ruth Rundle ia sussurrando junto ao nosso ouvido enquanto absorvíamos todas aquelas imagens pelágicas de soturnas paisagens virginais, onde a natureza estava entregue a si mesma, projectadas nas suas costas curvadas sobre a guitarra e o microfone. A plateia silenciosa, magnetizada e respeitosa (postura, essa, bastante elogiada pela própria Emma), conservando em si um feitiço que só a fizera pestanejar quando a cantora e compositora se despedira, baloiçava suave e lentamente à aconchegante boleia dos poéticos, pensativos, lenitivos e atmosféricos acordes de nocturnas baladas que a sua lacrimosa guitarra ecoava nas nossas mentes nubladas. Envoltos num estado de fragilidade e permeabilidade emocionais, perdemos as coordenadas do espaço-tempo e ali ficámos, estacionados, de respiração travada e deslumbrados, a suspirar e a chorar com ela. Foi um concerto tristemente belo. Uma experiência tremendamente marcante que cada um de nós levará, decerto, para a vida numa lembrança que sobreviverá à oxidante força do tempo. Ainda me sinto lá, atado a esse momento que secretamente desejei que fosse eterno.

O nosso coração está em My Sleeping Karma (dia 2)

Foi já com o clássico de 1972 “The Four Horsemen” dos gregos Aphrodite's Child (banda liderada pelo vocalista Demis Roussos a ser reproduzido – anunciando a iminente entrada em palco dos germânicos My Sleeping Karma – que entrei, a passo apressado, pelo recinto do SonicBlast na noite deste segundo dia de festival, irrompendo e driblando os muitos corpos que surgiam no meu horizonte com o objectivo de me aproximar da frente do palco principal e por ali ficar em posição de como quem recebe o sacramento. Com vinte anos de frutífera existência e uma formação de músicos só muito recentemente forçada a sofrer mutações pela primeira vez (devido ao falecimento do talentoso e saudoso baterista Steffen Weigand em 2023 que forçara a banda a contractar um novo baterista), My Sleeping Karma foi – a par de Earthless – a banda que mais vezes comungara ao vivo. Estou e estarei sempre pronto a experienciar, com uma postura de total reverência, uma nova liturgia mântrica destes hindus nómadas que doutrinam e disseminam um embriagante, caleidoscópico, prismático e delirante Psychedelic Rock com vista desabrigada para a noite astral de mãos dadas a um meditativo, transformador, reparador e imaginativo Post-Rock de terapêutico aroma oriental. De olhar semi-cerrado e alcoolizado, narinas dilatadas, chakras alinhados, zonas erógenas do cérebro massajadas, cabeça baloiçada de ombro a ombro e espírito totalmente arrebatado, navegámos, sonolentos, pelas pacificas, mornas e miraculosas águas de My Sleeping Karma farolizados por esponjosos, messiânicos e religiosos temas como “Brahama”, “Ephedra”, “Ahimsa”, “Psylocybe” e “Hymn 72”. Incensados e embalados por uma guitarra alucinógena de deslumbrantes, lisérgicos, magnéticos e apaixonantes acordes saturados de um colorido misticismo que nos fazem cravar, prazerosamente, os dentes no lábio inferior, um pulsante – baixo deliciosamente groovy – de bafo quente, fluído e ondeante, uma bateria tribal de ritmos imersivos, criativos e estimulantes, e um quimérico sintetizador que borrifa toda esta onírica atmosfera com ofuscante poeira estelar, atingimos o tão ambicionado transe espiritual e por lá ficámos relaxados num verdadeiro oásis sensorial. Da sombreada prostração à ensolarada libertação, obedecemos a um guia espiritual que nos é ofertado pelos My Sleeping Karma, cumprindo a dissolução do Ego, a transgressão física, pensamentos de calma, paz e pureza, e – assim – alcançando a verdade superior e a ulterior compreensão da vida. Uma manifestação catártica, imersiva e nirvânica que muito dificilmente algum dos presentes esquecerá.


As trevas hospitaleiras de Witchcraft (dia 2)

Do alto dos seus 25 anos de vida, os carismáticos Witchcraft – herdeiros de Black Sabbath e Pentragram, originários da Suécia e liderados pelo Magnus Pelander – subiam a palco e fora dele sentia-se uma expectativa crescente. Vira-os pela primeira e única vez em 2009 no sul do país vizinho e há muito que ansiava repetir a experiência. Eram, portanto, uma das bandas que mais desejava ver desta 13º edição do SonicBlast (a mais concorrida da sua história). Depois de uma cuidada e demorada afinação dos instrumentos, o ritual Witchcraft’eano estava finalmente pronto a principiar. Refugiados nas acolhedoras trevas deste agora trio (outrora um quarteto), participámos numa fascinante cerimónia à bruxuleante luz de uma grande e crepitante fogueira que iluminava o negro coração de um assombrado bosque onde as suas enlutadas, entristecidas, anoitecidas e malfadadas baladas nos narravam cativantes, fatídicos e atemorizantes contos. Amortalhados pela sangrenta luzência de uma mística bruma que deambulava pesada e lentamente pela atmosfera, os Witchcraft ofereceram-nos um encantador, intimista e tentador recital superiormente musicado por um majestoso, obscuro e luxuoso Proto-Doom – portador de uma negritude sem fim –, embriagado por um dançante, sedutor e extravagante Blues de diabruras luciféricas. Um romance gótico que nos engolira do primeiro ao derradeiro minuto. Nas asas de uma primorosa setlist que apenas contemplara consagrados clássicos (com especial enfoque nos três primeiros álbuns da banda de onde sobressaíram canções como “Chylde of Fire”, “Wooden Cross (I Can't Wake The Dead)”, “Queen of Bees”, “Her Sisters They Were Weak”, “No Angel Or Demon”, “Witchcraft”, “Leva” e “If Crimson Was Your Colour”. Um verdadeiro banquete para quem acompanha a banda desde a sua fundação. Ainda assim, devo confessar a minha enorme surpresa (e alguma pena) ao verificar que o recém-lançado álbum ‘Idag’ (nascido apenas há dois meses e aqui largamente aplaudido) tenha ficado engavetado. Dele contava ouvir ao vivo a belíssima “Spirit”, uma das minhas canções favoritas destes druidas nórdicos. Uma guitarra dramática de acordes refinados, imperiosos e amaldiçoados, um elástico, quente e tétrico baixo de indiscreta inspiração Geezer Butler’eana, uma elegante bateria de luzência jazzística e uma voz avinagrada, pálida e melodiosa. Foi à boleia de todos estes elementos em erótica simbiose que nos deixámos enfeitiçar e conquistar debaixo da mística influência da Lua cheia. Foi deles um dos meus concertos favoritos da presente edição do SonicBlast. No final da noite ainda consegui privar de forma cautelosa com o sui-generis Magnus Pelander (sempre com o seu estado de espírito difícil de prever), onde fiquei bastante feliz por saber que ele conserva a memória do precioso concerto dado em Guadalest (onde eu os vira em 2009) num lugar muito especial dentro do seu coração.


Um velho mustang chamado The Atomic Bitchwax (dia 3)

Neste derradeiro dia de SonicBlast, o Sol decidira, finalmente, varrer e afugentar a forte neblina trazida pelo oceano e que por ali havia pairado durante os últimos dias, e reinar com destacado esplendor. Estava uma tarde quente, de céu azul, clima perfeito para derretermos no asfalto abrasivo dos norte-americanos The Atomic Bitchwax, caras bem conhecidas dos SonicBlasters. Com prego a fundo neste potente muscle car de motor barulhento, vibrátil e rabugento, tubo de escape fumegante e um intenso odor a pneu queimado, este enérgico tridente arrancou a toda a velocidade, numa selvática e vertiginosa performance desenrolada a alta rotação e de sentido único, pelas alucinantes auto-estradas de um escaldante, tonificado, oleado e euforizante Heavy Rock de forte tracção Rock and Roll. Fora do palco rodopiavam cabeças, embatiam corpos transpirados e escaldados entre si e bebericava-se cerveja fresca no intervalo das músicas. Riffs remoinhados de alta cilindrada e fervente distorção, ritmos explosivos e estonteantes, e vocais urticantes. Uma animada celebração de ritmado, encorpado e cilíndrico Rock and Roll que em todos provocara uma intensa combustão de prazer. De turbo ligado e com a 6ª mudança engatada do primeiro ao último tema, os The Atomic Bitchwax entoaram temas bem familiares do público ali presente, levando este a entoá-los durante todo o concerto. Foi curto, mas intenso.

O hipnotismo mesmérico de King Buffalo (dia 3)

Seguiam-se os nova-iorquinos King Buffalo e a forte adesão do público – em pleno pico de calor naquele terceiro dia – que se compactava em frente ao palco principal era bem demonstrativa de que se tratava de uma das bandas mais queridas da plateia. Embrulhados e embalados numa inescapável hipnose repleta de passagens edénicas, límpidas e atmosféricas que nos tombavam as pálpebras e embriagavam levemente, para, repentinamente, entrarem num insano crescendo que culminava com uma fogosa e rugosa distorção capaz de nos engolir, sacudir e centrifugar furiosamente, este sónico tridente de instrumentos apontados ao Cosmos presenteara-nos com uma performance verdadeiramente irrepreensível que não deixara ninguém recostado à indiferença. Se o interior do palco mais se assemelhava a um centro espacial, fora dele respirava-se um harmonioso transe colectivo. Aspirados por um hipnotismo mesmérico que nos tirara os pés do chão e viajara, concentrados e sonâmbulos, pelas admiráveis paisagens alienígenas de King Buffalo, embarcámos numa incrível odisseia transcendental que escancarara as nossas portas da percepção e nos conduzira aos inexplorados confins do Cosmos. Invernais e infernais, leves e carregados, tranquilos e assanhados, os King Buffalo exploraram estes opostos, fazendo com que o ouvinte fosse embalsamado num perfeito estado de inamovível letargia, para logo de seguida o levar até aos pináculos da vulcânica euforia. Não foi fácil regressar deste universo onírico e aceitar o silêncio que se seguira ao aplauso final.

Castle Rat: A Casa do Terror (dia 3)

Depois de já terem pisado o pequeno palco 3 no warm-up do festival, os excêntricos Castle Rat subiam agora ao palco 2 para fechar a minha experiência na presente edição do SonicBlast com chave de ouro. Escudados num intimidante, sombreado, amaldiçoado e intrigante Proto-Doom de preces arremessadas ao ocultismo e num combativo, inflamado, destemido e altivo Heavy Metal de lanças afiadas, a sonoridade fantasista, medieval e ritualista deste exuberante quarteto nova-iorquino fez-nos seus reféns do primeiro ao último instante da sua memorável actuação. A vocalista / guitarrista mascarada de Rainha Rata (a fazer lembrar Valeria no filme “Conan, o Bárbaro” de 1982 e “Xena: A Princesa Guerreira” (série televisiva iniciada em 1995), o primeiro guitarrista disfarçado de Conde Drácula, o baixista trasvestido de Doutor Peste Negra e o baterista camuflado de Druida representavam o principal elenco destes ominosos, sinistros e atemorizantes e espantosos contos – de onde esvoaçavam morcegos, grasnavam corvos e uivavam lobisomens – que pareciam ter sido imaginados e escritos pelo próprio Edgar Allan Poe, superiormente musicados e requintadamente teatralizados. Uma vez no interior da apavorante, maldita, decrépita e relampejante fortaleza de Castle Rat, não mais dela conseguimos escapar, ficando sentados, de pele arrepiada e olhos arregalados, num canto a assistir de perto a este dramático horror de natureza vampírica, soberbamente orquestrado por duas guitarras soberanas que se agigantam em riffs monstruosos, inflamantes e trevosos, uma bateria tribal de ritmos primitivos, bélicos e incisivos, um baixo possante de ressonância vigorosa, umbrosa e hipnotizante, e uma voz liderante de longo alcance e pele lustrosa, olorosa e melódica. Travaram-se batalhas de espadas reluzentes e afiadas, empunharam-se e elevaram-se cálices sangrentos bem alto e surgiram das trevas ratos mutantes. Castle Rat ao vivo foi uma experiência surreal que ninguém recusou comungar. Uma performance musical e teatral autenticamente épica que ficará para sempre marcada na memória do festival.

Desta gloriosa 13ª edição do meu querido SonicBlast (a 12º consecutiva em que estive presente) trouxe incontáveis memórias pessoais, forjadas e seladas pela música. O ecletismo veio mesmo para ficar (e pontuar) na ementa sonora do festival, congregando gregos e troianos na mesma mesa. Devo reforçar que é com uma vaidade e orgulho impossíveis de esconder que há tanto me vejo na condição de media partner deste festival que é o festival da minha vida. Acompanho o SonicBlast desde os tempos em que o mesmo apenas podia albergar poucas dezenas de festivaleiros no (único) palco da piscina, acampávamos naquele que viria a ser o recinto do palco principal em Moledo, e hoje dou por mim no meio de milhares de pessoas provenientes de todos os continentes num renovado espaço repleto de potencialidades e novas oportunidades. Algo de épico está a ser feito e só tende a melhorar. Já estão lançadas as datas da 14ª edição que terá lugar nos dias 6, 7 e 8 de Agosto de 2026. A ampulheta está, assim, virada, o mercúrio do termómetro começou a subir e a barragem da expectativa começou a encher. Até lá.

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