Os The Black Wizards
habituaram todos os seus crescentes apreciadores a testemunharem por cada novo registo
lançado um passo em frente no caminho da maturação enquanto banda, mas este
terceiro e novo álbum não representa um passo evolutivo – quando comparado com
o seu antecessor – mas um verdadeiro salto olímpico na escala qualitativa que o
firmara não só como o trabalho mais completo da banda minhota até à data, mas como
um dos melhores álbuns que ouvi neste já farto ano de 2019. Depois de ‘Lake
of Fire’ de 2015 (review aqui), ‘What the Fuzz!’
de 2017 (review aqui), este talentoso quarteto prepara-se agora
para apresentar ‘Reflections’ – mantendo o seu já habitual
intervalo temporal de dois anos a balizar cada álbum – que tem o seu nascimento
oficial agendado para a próxima sexta-feira (23 de Agosto) pela mão da já
influente editora portuguesa Raging Planet (em formato de CD) e pelo fértil
selo germânico Kozmik Artifactz (em formato de vinil, repartido em variadas
edições ultra-limitadas a poucas dezenas de cópias físicas existentes). Ainda
assim, foi-me dada a irrecusável oportunidade de experienciar na íntegra e com
antecedência este seu novo álbum, e o que se segue é o mais fiel reflexo
vertido do universo emocional para o domínio textual de tudo o que o mesmo em
mim provocara e despertara.
De raízes soterradas num atraente,
perfumado, poeirento e excitante Heavy Blues – à boa moda de All Them
Witches mas com um vincado cunho pessoal – que conjuga na perfeição a sua carismática essência rudimentar trazida dos velhos campos de algodão lavrados na região delta do Mississippi, com um electrizante paladar a modernidade, a complexa e apaixonante sonoridade de ‘Reflections’ passeia-se por entre incandescentes, dinâmicas, vulcânicas e comoventes galopadas brilhantemente
esporeadas e inflamadas a efeito fuzz, e estarrecedoras baladas sublimemente
dedilhadas a um suavizante, ataráxico e inebriante Folk de inspiração Western
que prontamente nos remete para a xamânica solitude num anoitecer desértico
onde só os uivantes coiotes preenchem o purificante silêncio. De olhar
semicerrado, sorriso paralisado, cabeça e tronco bamboleantes e alma
completamente tomada por uma imperturbável sensação de pura fascinação, somos
incessantemente instigados por duas guitarras inspiradas que se entrelaçam em prazerosos,
místicos, arábicos e ostentosos riffs, e desenlaçam em borbulhantes,
ácidos e delirantes solos, um sombreado baixo balanceado a linhas sussurrantes,
fluídas e serpenteantes, uma inventiva bateria de toque polido, esmerado, cintilante
e cuidado nos pratos, e talentosas, tribalistas e desembaraçadas acrobacias a
trote da tarola e dos timbalões, e uma adorável voz de tonalidade melodiosa, cristalina,
ecoante e voluptuosa que – afagada e aureolada por um vocal coro celestial – se
balanceia entre plácidos, aveludados e reconfortantes momentos regados a desarmante
requinte e outros atiçados a uma megafónica, anárquica e amotinada irreverência. É-me ainda essencial
arremessar elogiosos sentimentos para com o colorido, berrante, vibrante e
exótico artwork de créditos facilmente reconhecidos e apontados à peculiar
ilustradora Jbwizard. Num movimento pendular que me desloca de uma doce e
sagrada paralisia até uma saturada e ardente euforia, chego ao final deste
irretocável ‘Reflections’ de lucidez entorpecida, esgotada e distorcida.
Um alucinante vórtice espelhado a texturas caleidoscópicas pelo qual escorregamos
sem vontade dele regressar. Com este álbum de beleza consumada e meteórica projecção, os The Black
Wizards alcançam uma invejável – mas inteiramente meritória – posição de
grande destaque no que ao panorama português da música Rock diz
respeito. Um registo que resvala nas tão ambicionadas fronteiras da perfeição e
que em mim hospedara todo um intenso e ofuscante deslumbramento impossível de
contrariar.
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